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Revista Geográfica

ISSN: 1011-484X

Número 61 • Julio-diciembre 2018

Doi: dx.doi.org/10.15359/rgac.61-2.4

Páginas de la 103 a la 132 del documento impreso

Recibido: 2/8/2017 • Aceptado: 23/01/2018

URL: www.revistas.una.ac.cr/index.php/geografica/



Transformações Geopolíticas Recentes no Mundo Islâmico: a Primavera Árabe

Recent Geopolitical Transformations in the Islamic World: the Arab Spring

Transformaciones Geopolíticas Recientes en el Mundo Islámico: la Primavera Árabe

Nizete Maria Bomfim1

Dante Severo Giudice2

Universidade Católica do Salvador, Brasil


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo efetuar a análise das transformações geopolíticas recentes no mundo islâmico, causadas pela denominada Primavera Árabe, iniciadas em 2011, quando um protesto ocorrido na Tunísia, desencadeou uma revolta nos países islâmicos, contra os regimes totalitários, disfarçados de democracias teocráticas. Onde a repressão era tônica, disfarçada/respaldada na religião, muito embora, não existam registros nas bases religiosas para tal. Este fato reforça a nossa tese de que, a grande massa popular pode ser manipulada pelos poderosos, por meio da religião.

Palavras-chave: Primavera Árabe; Transformações geopolíticas; Protesto; Regimes totalitários; Bases religiosas; Democracias teocráticas.

ABSTRACT

This article aims to analyze recent geopolitical changes in the Islamic world, caused by the so-called Arab Spring, initiated in 2011 when a protest in Tunisia triggered a revolt in Islamic countries against totalitarian regimes, in the guise of theocratic democracies, and where repression was tonic, disguised as religion and supported by it, although there were no records on religious grounds to do so. This fact reinforces our thesis that the great mass of the people can be manipulated by the powerful through religion.

Keywords: Arab Spring; geopolitical transformations; protest; totalitarian regimes; religious basis; theocratic democracies.

RESUMEN

El presente artículo tiene por objeto efectuar el análisis de las transformaciones geopolíticas recientes en el mundo islámico, causadas por la denominada Primavera Árabe, iniciadas en 2011, cuando una protesta ocurrida en Túnez, desencadenó una revuelta en los países islámicos, contra los regímenes totalitarios, disfrazados de democracias teocráticas . Donde la represión era tónica, disimulada / respaldada en la religión, aunque no existían registros en las bases religiosas para tal. Este hecho refuerza nuestra tesis de que la gran masa popular puede ser manipulada por los poderosos, por medio de la religión.

Palabras clave: primavera árabe; transformaciones geopolíticas; protestar; regímenes totalitarios; bases religiosas; democracias teocráticas.

Introdução

Este artigo tem como objetivo investigar as modificações ocorridas no mundo muçulmano, que provocaram significativas mudanças geopolíticas, levando à queda dos arraigados regimes totalitários, fundamentados numa teocracia de fachada, uma vez que a grande maioria dos governantes tinha vínculos com a civilização ocidental, e nela conviveram durante algum tempo, usufruindo das liberdades e das benesses oferecidas. Entretanto, ao retornarem aos seus países, reacenderam o discutível “afã religioso”, como forma de manipulação da população, para se apoderarem do poder.

Na verdade, não foi uma tarefa fácil, pois praticamente não há literatura a respeito, uma vez que são acontecimentos recentes. Procuramos assim, nos fundamentar nas poucas publicações existentes, e nos muitos sites.

Material e métodos

Para a realização desse artigo foi necessário uma grande pesquisa bibliográfica para tentar entender a formação do mundo islâmico, as transformações históricas, a diferenciação entre muçulmano e árabe, a expansão desta etnia, para compreender as transformações geopolíticas recentes, decorrentes da onda democratizante e modernizadora que varreu a porção árabe do mundo islâmico, curiosamente os maiores países produtores de petróleo.

Segundo Costa (2008):

à geopolítica caberia a formulação das teorias e projetos de ação voltados às relações de poder entre os Estados e às estratégias de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros, de modo que estaria mais próxima das ciências políticas aplicadas, sendo assim interdisciplinar e utilitarista.

Entendemos como mundo islâmico ou mundo muçulmano, o conjunto de países que tem o Islão como religião seguida pela maioria da população.

Por outro lado, mundo árabe refere-se ao conjunto de países que falam o árabe e se distribuem, geograficamente, do oceano Atlântico, a oeste (Marrocos), até o mar Arábico, a leste (Oman), limitando-se ao norte pelo mar Mediterrâneo, a sul, pelo deserto do Saara até o Corno de África, e a sudeste do oceano Índico. Este passou no início desta década por significativas transformações.

O conjunto destas transformações históricas, iniciadas em 2010 e consolidadas em 2011, denominou-se Primavera Árabe. Tais transformações foram instauradas através de manifestações de protestos e revoluções que aconteceram no Oriente Médio e na África, quando a população foi às ruas para destituir ditadores que estavam no poder a décadas. Os protestos compartilharam técnicas de resistências civis, manifestações, passeatas e comícios, usando também as novas mídias sociais como o facebook, o twitter e o youtube, para organizar, comunicar, e sensibilizar a população com a atual conjuntura política da região.

Histórico do mundo Árabe

O Mundo Árabe se estende da orla atlântica norte da África, até o denominado Oriente Médio, passando pela Península Arábica.

A península Arábica se localiza na parte sudeste do Mar Mediterrâneo, a leste do continente africano e a oeste do continente asiático. Na margem oriental é banhada pelos golfos Pérsico e de Omã. Ao sul localiza-se o Mar da Arábia e o Golfo de Áden, no Oceano Índico. Ela se caracteriza por ser o local de origem dos diversos povos que formavam a etnia árabe. Não existe uma data precisa que determine o surgimento dessa etnia, mas uma primeira referência remonta ao primeiro milênio antes de cristo (Kennedy, 2007, apud Lannes, 2013, p. 61).

Em verdade não existe consenso sobre o significado da palavra árabe.

Também conforme Lannes (2013, p. 88):

De forma geográfica, se entende como árabe todos os habitantes oriundos da Península Arábica e que tem alguma variante da língua árabe como língua materna. Nesse contexto se incluem os judeus, cristãos e os seguidores de religiões politeístas ou animistas que ali habitavam, assim como os sarracenos, nômades que habitavam o norte da Península e os iemenitas, povos sedentários do sul, além dos habitantes da Península que haviam emigrado para os domínios do Império Bizantino e Persa.

Lannes (2013, p. 88), afirma ainda que:

De acordo com Crone (1992), os árabes são os únicos conquistadores de origem tribal que moldaram as tradições de povos detentores de instituições complexas a partir de sua herança tribal. Isso aconteceu a partir da reelaboração dos valores tribais em uma forma que muito transcendia o contexto onde residia.

A questão da conquista de outros povos pelos árabes pode ter uma explicação que complementa essa visão de Crone. Não seria os valores tribais árabes uma influência sobre os povos ditos “civilizados”, mas sim, o novo ordenamento político-social criado por Maomé, denominado de Umma. Além disso, as instituições, a cultura e as tradições dos povos conquistados, também foram adotadas pelos dominadores árabes-islâmicos. (Crone, 1992, apud Lannes, 2013, p. 88).

“Existem três formas de conservar os Estados conquistados quando estes, (...) estão habituados a reger-se por leis próprias e em liberdade: a primeira consiste em destruí-los; a segunda é ir habitá-los; a terceira é deixá-los viver sob as suas leis, mas impondo um tributo e criando dentro deles um governo de poucos que os mantenha aliados.” (Maquiavel, 2003, apud Lannes, 2013, p. 89)

Lannes, (2013, p. 89), citando Lewis e Kennedy destaca:

Os conquistadores árabe-islâmicos acenaram com a segunda e a terceira opção. A segunda opção pode ser visualizada pelas imigrações feitas por árabes para os territórios ocupados, e pela construção de cidades, normalmente quartéis-generais, os quais deram origem a novas cidades, como foi o caso da cidade al-Fustât, que se tornaria a primeira capital do Egito sob domínio árabe (Lewis, 2010: 83). Quando a conquista foi consolidada, as tropas não árabes receberam do governo muçulmano concessões de terra nessa cidade (Kennedy, 2001:5).

Ainda segundo Lewis, (1982, p.64):

Essas cidades eram chamadas de Amsare tiveram um papel vital na organização e consolidação da influência árabe nos territórios conquistados. Estas cidades serviam de mercado para o escoamento da produção agrícola de territórios vizinhos e por meio dessa conexão, o árabe foi penetrando nessas regiões. Com o tempo foram surgindo aglomerações urbanas fora das muralhas, com artesãos e mercadores das populações conquistadas, que supriam as necessidades das elites árabes. Presencia-se um forte movimento da população das 90 regiões rurais para as cidades, movimento este que foi favorecido por uma tributação discriminatória contra os agricultores não muçulmanos e pela baixa dos preços agrícolas. Tal fato foi ocasionado principalmente pela distribuição gratuita, e em larga escala, dos rendimentos entre os exércitos árabes.

Os povos que habitavam as porções litorâneas da Península Arábica eram considerados prósperos comerciantes e viviam do comércio fixo. Neste lado da Arábia, existiam centros urbanos e a consolidação de uma economia agrícola mais complexa. Meca era considerada um grande centro comercial e religioso dos árabes.

Os povos árabes que habitavam a região desértica da Península Arábica eram povos nômades conhecidos por beduínos. Sendo esta uma região inóspita, era muito difícil a formação de povos sedentarizados. Os beduínos sobreviviam do comércio desenvolvido com os habitantes das regiões próximas, e da criação de camelos, de onde tiravam carne, leite e suas indumentárias, e praticavam a religião politeísta. Nesse período, ainda não havia na Arábia a unidade religiosa nem política, os beduínos adoravam vários deuses, e dessa tribo em 570 nasceu Maomé (Mohammad). 

Segundo a lenda e seus biógrafos, em 610, Maomé teve uma visão com o anjo Gabriel, quando este, comunicou-lhe os princípios doutrinários do Islamismo, e delegou-lhe a missão de comunicar essa doutrina a todos os homens. Durante 23 anos o Anjo Gabriel revelou a Maomé os versículos do Alcorão, o livro sagrado dos Muçulmanos. Os Muçulmanos e também os historiadores da religião, consideram que o Alcorão contém os mais autênticos textos religiosos de todas as religiões.

Segundo Seda (2011, p. 7):

Literalmente a palavra Árabe Islão significa “Entrega” ou “submissão”. O Islão enquanto fé significa entrega total e sincera a Deus, de modo a que seja possível à pessoa viver em paz e tranquilamente. A Paz (Salam em Árabe, Shalom em Hebraico) é alcançada por meio de uma forte obediência aos mandamentos revelados por Deus, visto Deus ser o Justo, a Paz (grifo do autor)

O significado do nome “Islão” é universal, e não foi escolhido pelos seres humanos; foi divinamente transmitido por Deus. O Islão não deriva de uma pessoa ou uma tribo, como sucedeu com o Judaísmo, que deve o nome à Tribo de Judá, o Cristianismo, que surgiu depois de Cristo, ou o Budismo, que procedeu a Buda. Trata-se de uma fé global, que não pertence ao Oriente ou ao Ocidente. É um modo de vida completo, que implica a total submissão a Deus. Aquele ou aquela que, voluntariamente, submete a sua vontade a Deus, é chamado Muçulmano. ( Seda, 2011, p. 7).

Ainda segundo Seda (2011, p. 8):

Em arábico, o nome “Allah” significa “O Único Deus Verdadeiro”, o nome adequado Àquele que criou os Céus e a Terra. Judeus e Cristãos que falam árabe, referem-se igualmente a Deus pelo nome de Allah. Para um Muçulmano, Allah é o maior e mais abrangente nome de Deus, referindo-se Àquele que é adorado quando se presta culto, Àquele que criou tudo o que existe.

Para os árabes, o Islão é um Din (Modo de Vida) (Seda, 2011, p. 7), e tem o Monoteísmo (Tawhid em Árabe), como o mais importante dos conceitos do Islão, para o qual, tudo se constrói em torno da unicidade de Deus, e prega que a humanidade deve adorar o Único Deus Verdadeiro. (Seda, 2011, p. 9).

Conforme Kamel (2007, p. 75):

Os cinco pilares do Islamismo, as cinco obrigações dos fiéis, a base da crença muçulmana, são os seguintes: acreditar em um só Deus e em Maomé como o último profeta (Shahãdah); orar cinco vezes ao dia, voltado para Meca (Salat); dar esmola visando à caridade (Zakat); jejuar durante o mês do Ramadã, do nascer do dia até o cair da noite (Saum ou Siyam); e fazer a peregrinação a Meca pelo menos uma vez na vida, para aqueles que têm condições físicas e financeiras (Hajj).

Ainda segundo Kamel (2007, p. 73 - 74), ”literalmente, Alcorão quer dizer “A Leitura” (em português, deve-se dizer Alcorão, e não o Corão, porque a palavra entrou em nossa língua daquela primeira forma, assim como outros três mil vocábulos (...))”.

Os muçulmanos estão divididos em dois grandes grupos, os sunitas e os xiitas. Essas tendências surgiram da disputa pelo direito de sucessão a Maomé. Os desentendimentos entre os sunitas e os xiitas começaram com a morte de Maomé, pois os dois grupos reclamavam o direito de assumir a posição de legítimo sucessor do profeta. Essas disputas entre sunitas e xiitas se consolidaram ao longo de vinte e oito anos e provocaram a divisão do Islã.

Segundo relato de Kamel (2007, p. 95):

“Conta uma tradição, aceita pelos dois lados, que um dia Maomé teria profetizado: ”Vai acontecer ao meu povo o mesmo que aconteceu ao povo de Israel, que foi dividido em 72 seitas. Meu povo será dividido em 73. Cada uma delas irá para o inferno, exceto uma: a religião que é professada por mim e por meus companheiros”.

Segundo os sunitas, o profeta jamais indicou quem seria o seu sucessor, o seu califa; de acordo com os xiitas, Maomé teria deixado claro que seu primo Ali, a quem tinha dado sua filha Fatima como esposa, deveria ser o seu sucessor. Tradições aceitas pelos dois lados dão conta de que Maomé, por diversas vezes, demonstrou seu imenso amor e admiração por Ali, a quem considerava um bravo guerreiro, um juiz justo, o mais caridoso dos homens, o mais generoso, o mais sábio. (Kamel: 2007, p. 95)

“Eu sou a cidade do conhecimento, e Ali é o portão dessa cidade”, disse Maomé certa vez. (Kamel: 2007, p. 95)

Kamel (2007, p.96) afirma que:

Para os xiitas, isso era a prova de que o profeta indicara Ali para sucedê-lo (a palavra xiita vem exatamente de shi’at’Ali, que quer dizer “os partidários de Ali”); para os sunitas, os ditos do profeta expressavam tão-somente a admiração pelo homem Ali (o nome sunita vem de suna, “caminho”, significando a tradição, tudo aquilo que o profeta fez e disse; assim, sunitas seriam “o povo do caminho, o povo da tradição”).

Com a morte de Ali, ocorreu de fato a divisão entre sunitas e xiitas. Os sunitas, que sempre em maior número, acreditam que a Revelação acabou com a morte de Maomé, e que se deve viver segundo as orientações do Alcorão, seguir a Suna (tudo o que o profeta fez e disse) e esperar o final dos tempos. Para os sunitas, o Califa (em árabe, Khalifha, ”sucessor”), é apenas chefe do poder temporal, que deve orientar a comunidade para viver como mandam os ensinamentos religiosos.

Para Kamel (2007, p. 101):

Mesmo entre eles, há matizes e subgrupos. São quatro as escolas teológicas sunitas, que diferem fundamentalmente em detalhes de rito e código legal: Hanafi, Hanbali, Mãlaki, Shaãfi’í, sem falar na “reforma” ultra-radical wahhabista do século XVIII – o wahhabismo é uma seita hoje majoritária na Arábia Saudita. Os sunitas chamam os quatro primeiros califas, portanto inclusive Ali, de aqueles “corretamente orientados por Deus”.

Kamel (2007, p. 102) ainda afirma que:

Para os xiitas, a Revelação de fato acabou com a morte de Maomé, mas há nela significados ocultos a que só um Imã tem acesso (literalmente, imã é “aquele que vai à frente”, guia espiritual, representante e prova de Deus na Terra). Para eles, é impossível que a Terra fique sem um imã (hoje essa designação é usada também, apenas honorificamente, por alguns líderes religiosos). O primeiro imã foi Adão. Noé, Abraão, Moisés, Jesus, Maomé, todos estes foram ao mesmo tempo profetas e imãs (...).

A maior parte dos adeptos do Islamismo é sunita (cerca de 85%). Entretanto existem países como o Iraque, onde a maioria da população é xiita, mas o ex-governo (até 2003) era sunita. Sunitas e xiitas fazem juntos os mesmos ritos e seguem as mesmas leis (com diferenças irrelevantes), mas o conflito político é profundo. A rivalidade histórica entre sunitas e xiitas se acentuou com a revolução iraniana de 1979 que, sob a liderança do Aiatolá Khomeini (xiita), depôs o Xá Reza Pahlevi e instaurou a República Islâmica do Irã.

No dia 1º de abril em 1979, a Revolução Islâmica alcançou o seu objetivo, depôs o Xá Reza Pahlevi, que não tendo outra alternativa fugiu do país. O Irã foi declarado uma República Islâmica. O Aiatolá Khomeini assumiu o cargo de chefe religioso e governante do Irã, estabelecendo novas doutrinas baseadas em questões religiosas, que alteraram profundamente a estrutura social do país. Ao assumir o poder, o Aiatolá Khomeini abandonou o discurso revolucionário dos anseios democráticos e de melhorias das condições de vida dos iranianos, assumindo uma postura extremamente radical, impondo novas leis, baseadas no Islamismo, transformando o país em um Estado Teocrático (Kamel, 2007).

O surgimento do Império Otomano começou no início do século XI, na Anatólia, região que atualmente pertence à Turquia. Algumas tribos turcas nômades passaram a habitar a Anatólia e divulgar a religião muçulmana nas terras do Império Bizantino. Otomano tem origem em Osman, ou em árabe, Uthman", que foi um chefe turco que viveu entre os anos de 1258 a 1324 e que conseguiu transformar as tribos nômades em um poderoso Império.

Entre os anos de 1299 a 1922, foi consolidado (Figura 1) o Império Otomano, que compreendia vastos territórios no norte da África, sudeste da Europa e Oriente Médio. Este império foi estabelecido por um ramo dos vários povos turcos que migrou para a Península da Anatólia (hoje Turquia). É fato que o Império Otomano é considerado a última potência global do mundo islâmico até os dias atuais - A característica marcante do Império Otomano, e que durante seis séculos garantiu-lhe o sucesso da expansão e consolidação, era a tolerância dos otomanos com as tradições e as religiões dos povos conquistados. O sultão estava estabelecido em Constantinopla, e administrava os diversos povos conquistados, dentre eles estavam, sérvios, búlgaros, gregos, romenos, croatas, árabes, curdos, turcos, berberes, e muitos outros; tais povos tinham várias denominações religiosas, entre elas, cristãos católicos, maronitas, coptas e ortodoxos, muçulmanos sunitas e xiitas, judeus, mandeus, drusos, entre outros. O Império Otomano ocupava um vasto território, que se dividia em 29 províncias e numerosos estados vassalos (pertencentes ao império, mas que mantinham estrutura administrativa própria). O Império Otomano dominou extensa área da Europa, Ásia e África.

Entre 1520 e 1566, sob a administração de Solimão, o Magnífico, o Império Otomano tornou-se efetivamente o centro de comunicação entre Oriente e Ocidente durante seis séculos.

Figura 1 – Império Otomano consolidado

Fonte: Adaptado de Yapp (2015)

Durante o século XIX a prosperidade do Império Otomano sofreu alguns reveses, o império perdeu territórios, e cresceu a instabilidade política, até que, em 1909, o sultão Abdul Hamid II foi deposto por uma rebelião que deu início à modernização do império, porém, essas mudanças não conseguiram atingir os seus objetivos, pois a desagregação continuou. As duas guerras balcânicas entre 1912 e 1913, e as investidas colonialistas da Itália e da França, acabaram formalmente com a presença otomana na Europa e na África.

A França colonizou a África do Norte, o chamado Magreb (Marrocos, Argélia e Tunísia). A Itália em 1911 anexou as províncias de Tripolitana, Cirenaica e Fezzan, e rebatizou a sua nova colônia com o antigo nome Greco-romano de Líbia. A Grã- Bretanha ocupou o Egito, mas, a anexação só foi efetivada em 1914, quando o país se tornou um protetorado britânico.

Na Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano lutou ao lado da Alemanha, porém, o império conhecido e respeitado durante seis séculos, não possuía mais a força com a qual fez história. Vencido pelos países aliados, o Império Otomano foi extinto em 1922, e deu lugar a uma república (Turquia), fundada pelo militar otomano, Mustafá Kemal, “Ataturk” (Pai dos turcos).

Como consequência da derrota na Primeira Guerra Mundial, as províncias do Império Otomano (identificados como Oriente Médio ou Crescente Fértil), foram divididas entre os vencedores. À França couberam os territórios que hoje conhecemos como Líbano e a Síria, a Grã-Bretanha obteve a área que constitui hoje o Iraque, a Jordânia e o território do Estado de Israel.

Quando ocorreu a divisão da região do Oriente Médio, ainda não existiam os Estados, apenas simples conjuntos de províncias do velho Império Otomano, cujos limites, entre si, não eram definidos. As capitais e também as fronteiras modernas (Figura 2) foram estabelecidas por decisão do poder colonial, conforme interesses específicos. Temos alguns exemplos curiosos, como o Iraque, onde se juntaram populações árabes xiitas no sul, sunitas no centro e curdos (não árabes), no norte. No Líbano, por ocasião de sua criação, os cristãos eram majoritários, mas hoje tendem a ser minoritários frente aos muçulmanos, sobretudo xiitas.

Figura 2 – Oriente Médio Atual

Fonte: Adaptado de Meyer (2015)

Após a Primeira Guerra Mundial, as colônias começaram a conquistar independência e teve início a criação de partidos nacionalistas. No Egito, o Ward; na Síria e no Iraque, o Baath; na Argélia, o FLN e na Tunísia o Destour e o neo-Destour.

Teoricamente, o Egito conquistou sua independência em 1922, após forte movimento popular, porém, somente nos anos cinquenta a força militar britânica deixou o país. Apesar de haver conquistado a independência em 1932, o Iraque permaneceu submetido à ocupação estrangeira e a instalação de uma monarquia ligada à Grã-Bretanha. Por ocasião da Segunda Guerra Mundial, a Síria e o Líbano, conquistaram a independência da França. O Estado de Israel foi proclamado em 1948 e o resto da Palestina foi ocupada em 1967. A África do Norte (francesa) separou-se da metrópole colonial e a partir de 1956 dividiu-se dando origem ao Marrocos e a Tunísia. Somente em 1962, após uma longa e violenta guerra, a Argélia, alcançou a independência.

Essas independências resultaram da pressão dos movimentos nacionalistas e do rápido desgaste, nas metrópoles europeias, da legitimidade do conceito de colonialismo. Inicialmente, os nacionalismos que assumiram o poder no Mundo Árabe, assumiram posturas seculares, não adotando o laicismo de tipo europeu (ou francês), e não permitiram o controle dos movimentos religiosos. Também somaram esforços para promover a união, desconsiderando as fronteiras estabelecidas pelo poder colonial, por não concordarem com as mesmas, pois consideravam que eram injustas ou artificiais. Estes movimentos pan-arabistas foram muito importantes nos anos setenta e oitenta, mas não conseguiram se perpetuar.

A partir dos anos oitenta e noventa os partidos religiosos ganharam força no Mundo Árabe, entre eles a Irmandade Muçulmana, fundada em 1928 no Egito, pelo professor, Hasan al-Banna, um wahhabista (salafi, pioneiros do tempo do profeta), formado pela tradicional Universidade de Al-Azhar, no Cairo.

Conforme Kamel (2007, p. 209):

A Irmandade continua ativa em todos os países árabes, mas deu origem a muitas dissidências: quase todos os grupos terroristas vêm dela. Além do Jihad Islâmico (a Palestina), o Hamas nasceu da Irmandade – o xeque Ahmed Yassim, assassinado por Israel em 2004, foi membro do grupo durante anos. E a história da Al-Qaeda é indissociável da Irmandade.

Os movimentos religiosos constituíram ameaças aos poderes instalados, mas não assumiram controles políticos concretos no Mundo Árabe, exceto em áreas limitadas como a faixa de Gaza com o Hamas ou, parcialmente, no governo libanês, como o Hezbollah. Alguns regimes autoritários se justificaram como barreiras contra os movimentos religiosos, como no Egito, frente à ameaça, do islamismo expresso pela Irmandade Muçulmana, única oposição organizada ao regime do presidente Mubarak.

Existem hoje, no Mundo Árabe, Estados constituídos e consolidados. O Egito, figura como tal há muito tempo, antes mesmo da conquista islâmica no século VII. A partir do século XIX, o Egito emergiu novamente como um Estado coeso e organizado. O país esteve sujeito à ocupação estrangeira, essencialmente, devido à importância estratégica do Canal de Suez.

A Tunísia e os demais Estados do Magreb, colonizados pela França, também apresentam características de Estados organizados. A colonização francesa transferiu a sua tradição administrativa centralizadora para esses territórios e a influência cultural foi intensa.

É comum no Mundo Árabe, sociedades tribais ou eminentemente tribais, unidas, como é o caso do Iêmen, onde tribos tradicionais dividem o país, marcado por constantes guerras civis, e Líbia cuja unidade, frágil, era obra de seu líder, o Coronel Muammar Kadhafi, mas profundamente dividida por tribos antigas.

Na Arábia Saudita, somente a sua parte ocidental foi colonizada, o Estado se formou somente em 1932, pelas conquistas da dinastia Saud. As maiores jazidas de petróleo do mundo, o controle das cidades santas de Meca e Medina, o culto wahhabista (forma tradicional do Islã), e uma dinastia formada por inúmeros príncipes constituem os elementos aglutinadores de uma sociedade também dividida em tribos, cuja união é recente. Os recursos do petróleo garantem o peso do Estado central.

No Mundo Árabe ocorrem também estados e sociedades setoriais, divididas em seitas ou comunidades religiosas. Entre elas se destaca o Líbano, onde convivem dezoito comunidades: muçulmanos sunitas, xiitas, drusos, católicos maronitas, cristãos ortodoxos, etc., e que nem sempre estabelecem uma convivência pacífica. A Síria, onde cerca de 70% é sunita, o presidente Bashar al-Assad, pertence a essa comunidade, assumiu o governo após a morte de seu pai o ditador Hafez al-Assad. O Bahrein que tem a maioria da população formada por não árabes, sendo estes de maioria xiita, e o Catar, onde a religião do Estado é o wahhabismo, um movimento religioso estritamente conservador do islamismo sunita.

A Jordânia representa um caso específico, com uma população composta por uma maioria de (refugiados) palestinos e uma dinastia – da família hashemita – instalada pela Grã-Bretanha. Uma crise estrutural no país poderia levar à criação de um poder palestino com repercussões além das fronteiras do Estado.

Os países do Mundo Árabe compartilham a cultura e também um passado comum com os grandes califados que dirigiam essa civilização. Também possuem em comum, o orgulho de um longínquo passado glorioso, quando o Mundo Árabe esteve, certamente, à frente da Europa (talvez até o século XI).

A língua árabe é oficial em toda a região, entretanto existem profundas variações dialetais e algumas minorias, como os curdos, que utilizam idiomas próprios.

A primavera Árabe

O movimento denominado Primavera Árabe, teve sua origem em 17 de dezembro de 2010, na pequena vila tunisiana de Sidi Bouzid, onde um jovem tunisiano de 26 anos, Mohamed Bouazizi, que possuía graduação, mas não conseguia oportunidade de emprego, e mantinha uma banca de venda de frutas e verduras, para garantir o sustento da sua família. Entretanto por ser constantemente importunado por policiais, apelou para uma atitude extrema, em um ato de desespero ateou fogo ao próprio corpo, como forma de protesto contra a falta de oportunidade de trabalho. Bouazizi não resistiu aos ferimentos e faleceu em 04 de janeiro de 2011, não imaginando que o seu gesto viesse a desencadear uma onda de protestos na Tunísia e que recebeu o nome de “Revolução de Jasmim”. Esses protestos se intensificaram e alcançaram outros países árabes (espalhados do norte da África até o Oriente Médio), os quais, durante décadas foram governados por ditaduras ou por partidos políticos dominantes que não estavam acostumados a enfrentar movimentos opositores.

Essa onda de protestos foi batizada de “Primavera Árabe” e se estendeu do Atlântico ao Índico (Figura 3). O nome é uma referência à Primavera dos Povos - 1848, e também uma associação com “despertar” da condição social e política atual árabe, ganhando proporções difíceis de serem imaginadas, se espalhando pelo mundo árabe, derrubando ditaduras consideradas inabaláveis.

Figura 3 – Países envolvidos na Primavera Árabe

Fonte: Adaptado de Kreutzfeld (2015)

Segundo Farah, (2011, p. 46):

“A Primavera Árabe”, deve ser compreendida dentro de um contexto mais amplo que inclui diversas tentativas prévias de florescimentos regionais ou locais, movimentos de primaveras cairotas, tunisinas, bagdalis, alexandrinas etc. Na história recente, os levantes árabes constituem o maior evento político internacional desde a queda do Muro de Berlim e devem modificar significativamente a geopolítica mundial.

Os protestos começaram na Tunísia, logo após o funeral do jovem Mohamed Bouazizi, quando milhares de pessoas se concentraram na Avenida Burguiba, no centro de Tunis, a capital, um país até então elogiado pela sua estabilidade. O presidente Zine el-Abdine Ben Ali tentou se manter no poder prometendo reformas, mas foi rechaçado pelos manifestantes e fugiu pedindo asilo na Arábia Saudita.

Após os resultados positivos alcançados na Tunísia, os ventos da “Primavera Árabe” sopraram fortes na direção do Egito, um país-chave na estratégia das Potências Ocidentais, devido à sua posição geográfica entre a África, Ásia e Oriente Médio. Por esta razão, há mais de três décadas os Estados Unidos e a União Europeia prestavam forte apoio econômico e militar ao país, que possui a maior população entre os países árabes. O Poder sempre foi exercido com autoritarismo pela sequência de ditadores, Nasser, Sadat, e Mubarak, este último por 30 anos. Mesmo com bom desempenho da diversificada economia, devido a investimentos estrangeiros, sobretudo da China, os protestos chegaram a Praça Tahir, centro do Cairo, de forma intensa, muito provavelmente devido às insatisfações geradas pelos baixos indicadores sociais, debilidades estruturais e fragilidade política. Essa forte pressão popular, apoiada pelos EUA e forças armadas locais, exigiu a renúncia do presidente Hosni Mubarak.

Segundo Visentini (2012, p. 130):

A pressão norte-americana pela renúncia de Mubarak deveu-se ao temor de ver emergir no Egito um duplo poder, o do Estado e o das ruas, que precede as revoluções. Isso já estava acontecendo, pois o governo não mais governava, a economia estava paralisada e as forças políticas, após décadas de inércia, ganhavam um dinamismo imprevisível. O vácuo gerado pela crise do governo foi coberta pelos militares, com desgaste crescente pela permanência do detestado presidente, já abandonado por seus aliados externos.

A propagação da Primavera Árabe no norte da África chegou à Líbia, onde houve maior resistência por parte do governo do Coronel Muammar Kadhafi, no poder havia 45 anos, graças a golpe militar que prometia melhorias para a população, mas que se beneficiou amplamente com os recursos do petróleo. A característica do país de estrutura tribal, dividido em clãs que não mantinham boas relações com o governo, devido ao autoritarismo vigente, contribuiu para o início das manifestações em janeiro de 2011, na cidade de al-Bayda, que tiveram como resposta o bloqueio das comunicações virtuais (youtube e redes sociais) para evitar repercussões. Este fato causou mais insatisfação, e as milícias que combatiam o governo, começaram as primeiras manifestações na cidade de Bengazi, contra o desemprego e alto custo de vida. Contudo na Líbia, os protestos não foram pacíficos e o governo reagiu com violência, o que desencadeou uma guerra civil que se espalhou por todo o país.

Conforme Visentini (2012, p.140):

Em 20 de fevereiro de 2011, no início da guerra civil que se estenderia até outubro, as forças antikaddafi anunciaram, na cidade de Bengazi, a formação do Conselho Nacional de Transição da Líbia, a “face política da revolução”, o qual se declarou, em 5 de maio, “o único órgão legítimo representando o povo e o Estado líbio”, apelando aos demais países por seu reconhecimento como tal.

Entretanto as forças kadafistas continuaram avançando sobre os insurgentes, só sendo barrados em março com o início dos bombardeios realizados pela OTAN, autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU. Porém os conflitos se intensificaram em várias cidades, e se prolongavam, pois Kadhafi rechaçava todas as propostas de cessar fogo. Em agosto, no auge da escalada de violência, Trípoli foi tomada pelos rebeldes que centraram forças no último reduto pró-Kadhafi – Sirte – que só veio a capitular em outubro, e onde após semanas de perseguição, o ditador foi localizado e executado sumariamente.

A onda de protestos se expandiu pelo Magreb e na Argélia ocorreram muitos protestos na tentativa de depor o presidente Abdelaziz Bouteflika que governava o país havia 12 anos. Porém o governo agiu rápido, colocou a policia nas ruas e ordenou a prisão dos líderes do movimento. Passou a controlar mais ativamente o trabalho da imprensa que trabalha sobre um regime de liberdade controlada. E para contornar a situação, o presidente determinou o fim do estado de emergência e utilizou as receitas oriundas da exportação de petróleo para implantar medidas favorecendo a população.

A situação no Marrocos foi um pouco diferente, mas também ocorreram protestos, sobretudo em Casablanca, porém, o rei Mohammed VI, no comando do país havia 12 anos, contava com a simpatia da população, devido aos enormes subsídios dados aos produtos alimentícios e alguns bens de consumo. Para contornar a situação, em 01 de julho de 2011, o rei Mohammed VI autorizou a realização de plebiscito para promover mudanças na constituição, reduzir os poderes da monarquia e reforçar os poderes do parlamento e a eleição de um primeiro-ministro. Com essas medidas, o rei conseguiu a aprovação de 98% da população e o Marrocos voltou à normalidade.

Do norte da África os protestos chegaram ao Oriente Médio, na sequência da expansão, atingindo Síria, Iêmen, Omã, Bahrein, e Jordânia.

Na Síria o presidente Bashar al-Assad, (malauita), no poder a cerca de 15 anos, de forma ditatorial, devido ao seu relacionamento com o Hamas, o Hezbollah, a Jihad Islâmica e outros grupos palestinos radicais, sofre sansões estadunidenses, mas ainda assim conseguiu a reaproximação com diversos países, inclusive o próprio Estados Unidos e a União Europeia, mas novos confrontos internos foram pretexto para novas sansões estadunidenses.

Em março de 2011, como reflexo da onda de mudanças levantadas pela Primavera Árabe, na cidade de Da’ra, no sul do país, a população foi às ruas para pedir o fim do estado de emergência, a legalização dos partidos políticos e a expulsão de oficiais corruptos do governo. À semelhança da Líbia, os protestos se espalharam por várias cidades, e o governo reagiu com violência, o que não intimidou os manifestantes, levando-o a agir de forma ainda mais brutal. Entretanto com receio de que o país mergulhasse em uma guerra civil, o poder central concordou em fazer algumas concessões para compensar a insatisfação popular (por exemplo, suspendeu o estado de emergência em vigor por 48 anos). Apesar disso, as manifestações que já aconteciam há pelo menos dois anos não cessavam, mas o presidente continuou resistindo, segundo Visentini (2012, p. 147), “Alegando estar enfrentando gangues terroristas armadas e acusando parte da comunidade internacional de insuflar esses grupos contra a autoridade nacional e conspirar contra o país”.

Esta resistência de forma truculenta, mantinha a ordem malauita do Partido Baath, e apesar dos aspectos autoritários, era benéfica para a região. Isso ficou comprovado quando a rebelião se propagou por todo o país, e o governo perdeu o controle da situação, com a infiltração entre os revoltosos (na maioria sunita), de terroristas internacionais (ligados ao Estado Islâmico), o que levou a guerra civil, e ao fortalecimento do E.I., com a anexação da parte leste da Síria ao Califado.

As revoltas também chegaram à Jordânia, onde os manifestantes, em Amã, pediram mais democracia, mas não exigiram a saída do rei Abdullah II, do reino Hashemita, e no poder desde 1999, quando assumiu após a morte do pai o rei Hussem. O rei Abdullah II pertence ao clã Hashim, o mesmo clã do Profeta Maomé. Para apaziguar os ânimos dos manifestantes, o rei prometeu adotar o sistema de governo parlamentarista, com essa atitude o rei conseguiu controlar a situação no país.

Em Omã a população também foi às ruas para reivindicar reformas políticas, aumentos salariais e democracia, o país é governado por Qaboos Bin Said, que está no poder a 41 anos. Os protestos começaram na cidade portuária de Sohar (norte), e chegaram à capital, Mascat. Ao contrário dos protestos nos outros países árabes, em Omã os manifestantes não pediam a deposição do monarca e nem a queda do regime, mas melhores salários e um sistema mais democrático.

No Iêmen, país com predominância de populações rurais isoladas, distribuídas em 35 mil aldeias, e com apenas 30% de população urbana, contexto propicio para atuação de grupos radicais, viveu dividido por questões ideológicas, com governo central ignorando os reais problemas estruturais. A economia é altamente dependente do petróleo, cujas rendas correspondem a 92% das exportações. O país sempre teve grandes problemas internos, inclusive separatismo com guerra civil, sendo território de forte presença da Al Qaeda.

No rastro da Primavera Árabe, o povo ocupou, em junho, as ruas da capital iemenita Sana’a, durante quatro meses. Os protestos exigiam a saída do presidente que reagiu pela força, mas os manifestantes não se intimidaram, realizaram ataques que o feriram seriamente. Após recuperação e refúgio na Arábia Saudita, retornou ao país gerando novos protestos, agravando a instabilidade política e os problemas já existentes, sobretudo com o crescimento da Al Qaeda. Assim Saleh concordou em deixar o poder em novembro, ficando o vice-presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi, com a missão de formar governo provisório com a oposição, e convocar eleições presidenciais. Mohammed Basindwa foi nomeado Primeiro Ministro, com a missão de conciliar os interesses dos grupos do país e formar o governo de transição.

Em Omã, o governo vem modernizando o país, adotando medidas de melhorias sociais e de infraestrutura, produzindo um crescimento econômico, baseado na extração de petróleo, de padrão chinês, atualmente estabilizado em 4%. A economia vem sendo diversificada com investimentos no turismo e em novas indústrias.

O minúsculo sultanato insular do Bahrein é governado a 228 anos pela Família Al Khalifa, de origem sunita. Apesar de constituir a minoria numérica da população, ainda assim controla a maioria xiita que constitui 70% da população. Em 2006, o Rei Hamad Bin Isa Al-Khalifa, que comandava o país havia 8 anos, promoveu mudanças constitucionais, atendendo às reivindicações da maioria xiita que conseguiram eleger um representante legal na figura de um primeiro-ministro, porém na prática a eleição serviu apenas para acalmar os ânimos da oposição xiita, pois não diminuiu o poder do rei. Como a maioria dos países da região, 80% das receitas são provenientes da extração de petróleo, embora a sua produção seja muito menor que as apresentadas pelas outras petromonarquias. O crescimento econômico que vem ocorrendo na última década, não conseguiu resolver o problema da alta taxa de desemprego que atinge o mundo árabe como um todo. O problema afeta diretamente a maioria xiita que cansada de esperar por mudanças, também foi às ruas em fevereiro de 2011 para exigir o direito de maior participação política com um representante na figura de um primeiro-ministro com poder de decisão. Quando começaram os protestos, a Arábia Saudita enviou tropas para sufocar o movimento, aparentemente por solidariedade dinástica e para evitar contágios, pondo a situação sob controle.

Assim o movimento se expandiu porque durante décadas a realidade árabe se resumia à falta de democracia, falta de oportunidade, corrupção, urbanização descontrolada, exclusão social e política, pobreza, desemprego e subemprego. Os árabes precisaram apenas de um gesto de heroísmo, para promoverem “A Primavera Árabe”, que retrata a insatisfação com a realidade vivida durante décadas. Esse movimento certamente promoverá uma nova configuração geopolítica no Mundo Árabe.

Segundo Farah, (2011, p. 51), no artigo,

As revoluções árabes e a longa angústia da unidade”, Al-Faqih afirma que, “acima de tudo, trata-se de um momento histórico, política e culturalmente, que revigorou no Mundo Árabe a ideia de unidade árabe, sob a liderança dos próprios povos árabes desta vez. (...).

Porém, para Visentini (2012, p. 158):

A mídia mundial procurou passar uma imagem de que se tratava “de uma forma espontânea de luta política, possibilitada pela tecnologia da informação”. Mas chama atenção que os slogans, os logos, a adoção de uma cor ou flor padrão (com um kit completo que inclui camisetas, bandeiras, faixas e balcões, que lembram as convenções partidárias dos EUA) (...). Assim, como dizia o presidente norte-americano Franklin Roosevelt, “em política nada acontece por acidente. Se alguma coisa acontece, você pode ter certeza que foi planejado.

É importante observar que a mobilização pacífica foi um dos elementos da Primavera Árabe, com inspiração na Estratégia de Mudança de Regime (Regime Change) as chamadas “Revoluções Coloridas”, que já fora utilizada anteriormente de forma bem planejada para provocar mudanças de regimes políticos desgastados, que se tornaram indesejáveis às grandes potências. Inicialmente essa estratégia foi utilizada para derrubar os regimes comunistas do leste europeu que perderam o apoio de Gorbachov, especialmente na Alemanha Oriental e na Tchecoslováquia (Revolução de Veludo). Posteriormente, a estratégia foi empregada com sucesso na Sérvia em 2000 (Revolução Bulldozer), na Geórgia em 2003 (Revolução Rosa), na Ucrânia em 2004 (Revolução Laranja), no Líbano (Revolução Cedro) e no Quirquistão (Revolução Tulipa) em 2005. Em 2011 chegou aos países árabes com maior abrangência, recebendo o suporte da divulgação através da internet, da telefonia celular e das redes sociais.

Segundo os professores G. Sussman e S. Krader, da Portland State University/EUA, (apud Visentini, 2012, p. 158):

“as Revoluções Coloridas não são espontâneas, mas resultado de uma vasta planificação. Os Estados Unidos, em particular, e seus aliados exerceram nos Estados pós-comunistas uma impressionante gama de pressões e utilizaram financiamentos e tecnologias a serviço de ‘apoio à democracia”.

Reforçando esta afirmativa, existe no Catar um canal de televisão via satélite, que teve e tem papel fundamental na abertura política do mundo árabe, e que é financiado pelo governo. Para os governos autoritários da região, o canal foi um dos culpados pela instabilidade de onde surgiu a Primavera Árabe. Tendo em vista a forte aliança do país com o EUA, é possível a influência deste no levante promovido pela onda de mudanças de 2011.

Avaliando as implicações geopolíticas

No começo da Primavera Árabe, ninguém poderia imaginar que os protestos na Síria, se prolongariam por tanto tempo, um país-chave do equilíbrio geopolítico do Oriente Médio, localizado entre Turquia, Jordânia, Israel e Iraque. É quase impossível determinar qual será o desfecho da guerra civil que se instalou na Síria, pois o presidente Bashar al-Assad se mantém inflexível. Segundo Visentini (2012, p. 147) “o presidente não afirma ter a intenção de se afastar do poder até o fim do seu mandato, alegando estar enfrentando gangues terroristas armadas e acusando parte da comunidade internacional de insuflar esses grupos contra a autoridade nacional e conspirar contra o país.” Em junho de 2014, Bashar al-Assad, foi eleito para o seu terceiro mandato como Presidente da Síria. Atualmente, se tornou um aliado contra o Estado Islâmico. No Conselho de Segurança, Estados Unidos, França e Reino Unido apoiaram em 2013, a resolução proposta pela Liga Árabe sobre a renúncia de Assad e transição pacífica na Síria, porém enfrentam resistência por parte da Rússia e China, geopoliticamente mais próximos à Síria. Em março de 2015, os conflitos completaram dois anos, e ao longo deste período os combates entre o governo sírio e os opositores evoluíram para uma sangrenta guerra civil. Nos últimos meses deste mesmo ano, o governo de Bashar al-Assad passou a combater os insurgentes, utilizando mísseis de alta letalidade - incluindo os Scuds, bombas de fragmentação e incendiárias, que provocaram mortes tanto de civis quanto de militares, com saldo total até o presente momento de mais de 200 mil pessoas desde o início do conflito em março de 2011, segundo a ONU.

Os conflitos também provocaram um grave problema social para a região, pois, no relatório (dezembro/2014) do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR, Intitulado “Living in the Shadows” (“Vivendo na Sombra”, em português), consta 3,8 milhões de sírios já registrados como refugiados e outras 12 milhões de pessoas deslocadas precisando de assistência dentro da Síria. Estes refugiados buscaram proteção na Turquia, Líbano, Jordânia (que desde o fim de 2014 estão fechando as fronteiras) e outros países, o que agravou ainda mais a situação. As mudanças provocadas pela Primavera Árabe geraram uma delicada situação para a região do Oriente Médio.

Na intenção de combater o Exército Nacional Sírio, formado por desertores das Forças Armadas Oficiais e também por opositores jihadistas, ligados a Al-Qaeda, o governo sírio conta com a ajuda dos iranianos e integrantes do grupo libanês Hezbollah. Os opositores ampliaram o seu peso militar e político, e ocuparam Aleppo e outras cidades no norte do país, intensificando os atentados a bomba em regiões urbanas.

Em matéria publicada em 10 de Março/2013 em O Estadão, Simon relata que,

“Segundo o último relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, supervisionado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, é crescente a presença nas fileiras rebeldes de fundamentalistas islâmicos vindos do Norte da África e mesmo do Ocidente. Analistas estão certos de que esses grupos são armados e financiados por países da Península Arábica”. (O Estado de São Paulo, 10 Março/2013, 02h04).

Esses grupos terminaram dominando uma parte do país que foi incorporada ao Estado Islâmico, califado estabelecido por Abu Bakr al-Baghdadi, composto e apoiado por vários grupos terroristas sunitas insurgentes.

Neste contexto a situação da Líbia, durante quatro décadas governada por Muammar Kadhafi, que controlava a população e grande quantidade de recursos do petróleo, nãofoi diferente. A Guerra Civil Líbia ou Revolução Líbia, como foram denominados os conflitos no país, foi marcada por muita violência. O Coronel Kadhafi, lançou mão das forças leais e contratou mercenários nos países vizinhos para combater os insurgentes. Devido à gravidade da situação fez-se necessária a intervenção das forças militares da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), comandadas, principalmente, pela frente da União Europeia.

O assassinato de Muammar Kadhafi em outubro de 2011, mergulhou a Líbia num caos e provocou muitas mudanças, entre elas a queda do exército, o desequilíbrio da administração pública e das instituições. O vazio foi preenchido a duras penas por um novo governo que vem encontrando muita dificuldade para restabelecer a paz no país, pois precisa combater a forte presença de todos os tipos de milícias locais e regionais, muitas infiltradas por grupos islamitas radicais que orquestraram vários atentados e ataques contra os serviços de segurança e contra representações de países ocidentais.

A Líbia agora tem um novo nome “Estado da Líbia”. O Conselho Nacional de Transição (CNT) realizou eleições no ano de 2012, e a Aliança Força Nacional, do ex-premier Mahmoud Jibril, sagrou-se vitoriosa e passou a controlar 39 das 80 cadeiras do Parlamento e planejando formar um grupo de 60 pessoas para redigir a nova Carta. No entanto, a falta de experiência dos congressistas, não conseguiu resolver velhos problemas que persistem no novo/velho país, tais como a ação de milícias, a presença de jihadistas, as rixas tribais e o enorme fluxo de armas. Em junho de 2014 foi realizada a segunda eleição nacional desde a derrubada de Kadhafi, porém, os islamitas e as milícias tribais que se espalharam pelo país, expulsaram o Parlamento da capital Trípoli, poucos meses depois deste ser eleito.

Segundo James Robbins, Correspondente para Assuntos Diplomáticos da BBC News, “A Câmara dos Deputados foi forçada a um exílio interno, reunindo-se na cidade de Tobruk, perto da fronteira leste da Líbia. Os islamitas têm a sua própria legislatura alternativa em Trípoli, o Conselho Nacional Geral”.

Segundo Ian Pannell, Correspondente internacional da BBC. "(A Líbia) Tem um primeiro-ministro que representa o governo reconhecido pela comunidade internacional, no leste do país. E tem outro primeiro-ministro (...), que não é reconhecido pela comunidade internacional e que governa no oeste, sob a bandeira (da coalizão) 'Amanhecer'".

Os desdobramentos da Revolução no Egito, denominada Dias de Fúria, Revolução de Lótus e Revolução do Nilo, também foram tumultuados. A população tinha como objetivo principal acabar de uma vez por todas com a longa ditadura de Hosni Mubarak. Os protestos se iniciaram em 25 de Janeiro de 2011 e se encerraram em 11 de Fevereiro do mesmo ano. Em uma tentativa frustrada, Mubarak anunciou que não se candidataria em novas eleições e dissolveu todas as frentes de estruturação do poder, porém não conseguiu convencer os opositores das suas reais intenções, sendo deposto, e em Junho de 2011.

Foram realizadas eleições e Mohammed Morsi conseguiu vencer duas eleições: aquela que o colocou no poder e a que aprovou a sua nova Constituição. Entretanto teve de enfrentar uma insatisfação da oposição heterogênea e fortalecida, um poder Judiciário rebelde, e um exército poderoso que se considerava como garantia da segurança no país e que interviu, promovendo a queda de Morsi, reprimindo manifestações, rasgando a constituição e elegendo em agosto de 2013, o general golpista como presidente. Desde 1991 com o fim da URSS, não aconteciam significativas mudanças na geopolítica do Oriente Médio, quando surgiram novos países na Ásia Central e no Cáucaso e suas incorporações ao Grande Oriente Médio. Com essa nova configuração a região deixou de ser apenas um ponto geográfico de contato entre três continentes, ganhando destaque como uma zona desorganizada e rica em petróleo, que desperta o interesse das grandes e médias potências, devido a esse bem mineral, e a localização estratégica que podem assegurar o desenvolvimento asiático, os interesses europeus e a influência americana.

Com essa nova configuração geopolítica, a Turquia agora precisa competir com o Irã e Israel para ocupar a posição de potência regional, uma situação que desagrada aos EUA que considera Israel, mais um problema regional do que um aliado útil, e vêm tentando impedir o avanço europeu no Oriente Médio. A crise econômica americana e europeia vem fortalecendo a rivalidade entre Estados Unidos e a Europa.

A atuação do BRICS nos últimos anos no Oriente Médio e África despertou o interesse dos estrategistas americanos, que não consideravam uma ameaça a ascensão dos BRICS. Entretanto um novo cenário se configura em um jogo de poder e na disputa por liderança que podem ameaçar o equilíbrio mundial. É preciso cautela, pois essas rivalidades podem resultar em uma guerra de maiores proporções. Entretanto, as grandes decisões não serão baseadas somente em conspirações e na grande diplomacia, porque as transformações, provocadas pela Primavera Árabe, estão modificando as populações do mundo árabe, e as interferências externas tem provocado resultados desastrosos, como o surgimento do Estado Islâmico.

Considerações finais

À medida que se avançava na pesquisa, mas claro se delineava que a “A Primavera Árabe” era uma orquestração direta ou indireta dos Estados Unidos, ao contrário do que a mídia procurava divulgar no inicio do movimento, de tratar-se de uma iniciativa do povo árabe para reclamar os seus direitos. Na verdade a estratégia era anular regimes desgastados e adversos ao contexto político vigente, utilizando tecnologia (mídias digitais, facebook, internet, celulares, redes sociais), uma nova roupagem, mas extremamente evidente de que existiu “algo propulsar” e dois pontos devem ser destacados. Primeiro essas tecnologias não são de fácil acesso nestes países, segundo, como haver um levante intercontinental sem a existência de um líder? Na primeira questão, podemos tomar o exemplo do Iêmen, onde a grande maioria da população é pobre, vive na zona rural, em locais isolados e de difícil acesso, portanto, não teria como organizar movimentos tão grandiosos e com efeitos tão imediatos. Com relação a segunda questão, como os Estados Unidos não queriam assumir o fomento aos conflitos, porque havia o risco da situação fugir ao controle o que realmente aconteceu em alguns países (Afeganistão e Iraque), teriam que assumir o prejuízo da perda de importantes parceiros no mundo árabe e precisariam conquistar novos aliados, muito provavelmente, através da utilização da tecnologia, fomentaram o levante dos jovens das cidades que serviram de multiplicadores, já que a insatisfação era latente.

Os países árabes tiveram a sua formação como estados iniciadas muito recentemente, em alguns casos no pós Primeira Guerra Mundial e pós Segunda Guerra Mundial, quando conquistaram a independência da França ou da Grã-Bretanha, porém, muitos dos governantes desses países recebiam apoio político, militar e/ou financeiro dos Estados Unidos e de países europeus. Em todos eles, os governantes assumiram o poder através de golpes de estados ou foram elevados à condição de governantes sob a tutela dos Estados Unidos, se sentiam seguros para governar com autoritarismo, camuflando o descaso com o alto nível de pobreza, desemprego, injustiças sociais e falta de liberdade impostas à população. Para assegurarem a permanência no poder, era comum a construção de acordos firmados entre os governantes e pequenos grupos de privilegiados que gozavam da amizade e da generosidade do governo em troca de favores e apoio político. O governo por sua vez, fazia uso das benesses conquistadas com as receitas do petróleo e praticavam livremente as atrocidades e desmandos, sem sofrer nenhuma censura, e ao mesmo tempo mantinha o controle da população, não lhes permitindo se expressassem livremente. As pessoas sentiam insatisfação e desconforto, mas não demonstravam, pois se sentiam inseguras e temiam a presença de agentes do governo infiltrados entre as pessoas comuns, prontos para denunciar os insurgentes que ousassem demonstrar insatisfação com as condições impostas pelo governo central. Embora insatisfeitas com as condições em que viviam, com a falta de oportunidade, empregos, melhores condições de vida, e liberdade de expressão, ainda assim, todos se submetiam à tirania, e assistiam ao enriquecimento dos governantes, de forma pacífica, pois sabiam que nada poderiam fazer para mudar a situação. As pessoas não se manifestavam por temerem as punições, na forma de prisão ou mesmo o ‘desaparecimento’ de maneira inexplicada (eliminação sumária), visto que para muitos deles, essa realidade era a única da qual tinham conhecimento.

Dos países envolvidos na Primavera Árabe existem aqueles onde houve queda do regime e aqueles onde os antigos governantes permaneceram no poder. No primeiro grupo, a Tunísia depois de um período de instabilidade, o partido mais religioso Enhada e os partidos mais seculares chegaram a um acordo para uma Constituição liberal para padrões do mundo árabe, e pode-se considerar que está em uma transição para a democracia. O Egito tem uma nova ditadura militar, ainda mais repressiva do que o antigo regime de Mubarak. Apesar disso, o novo regime do general Sissi é popular. Por enquanto, estão distantes da democracia. Na Líbia – Há um governo em transição para a democracia. Mas o Estado é fraco e incapaz de manter a ordem em uma nação controlada por milícias radicais, sendo algumas delas ligadas à Al Qaeda. O Iêmen também segue em direção à democracia e tem muito mais liberdade do que nos tempos de Abdullah Saleh. Os problemas do país já existiam no antigo regime – rebeldes houthis no norte, presença da Al Qaeda em áreas rurais do país e separatismo no sul.

Entre os países do segundo grupo, a Síria está imersaem uma violenta guerra civil, com parte do território tomado pelo Estado IsLãmico - EI, completamente destruída e sem rumo. O Líbano única democracia do mundo árabe antes de 2011, está instável com a guerra civil no país vizinho, conflitos sectários e a presença de 1 milhão de refugiados. As divisões políticas seguem acentuadas, mas segue democrático. No Marrocos importantes reformas foram implementadas pela monarquia, mas a democracia ainda é uma realidade distante. A Argélia apesar do susto do movimento de 2011, mantem o regime militar que controla firmemente as investidas dos fundamentalistas. Em Omã a monarquia autocrática do sultão Qaboos serve hoje como o mediador dos conflitos na região, mas internamente não há liberdades democráticas. No Bahrain a monarquia sunita dos Al Khalifa praticamente entregou a segurança do país para os sauditas, reprimindo com violência a maioria xiita e grupos pró-democracia. Por fim, na Jordânia depois de protestos contra o regime do rei Abdullah, houve uma estabilização devido ao temor da população de transformar o país em uma nova Síria ou Iraque.

Ainda não é possível prevê como e nem quando a situação será “normalizada” ou qual será a nova configuração no mundo árabe. Os povos do mundo árabe estão vivenciando uma situação totalmente nova para eles, pois milhões deles estão vivendo pela primeira vez em situação de liberdade. Talvez demore alguns anos até se acostumarem com essa nova condição, visto que ao longo da história eles foram subjugados pelos colonizadores, pelas monarquias ou por governos ditatoriais. Seja qual for o desfecho da Primavera Árabe, no balanço final as populações desses países, formada na sua grande maioria por jovens desempregados e sem esperança de um futuro digno, serão os grandes beneficiados, pois terão conquistado a independência de fato, é verdade que irão contabilizar algumas dezenas de milhares de mortos e desaparecidos, mas sairão fortalecidos e preparados para lutarem por seus direitos e não se submeterem mais a governos ditatoriais.

No nosso ponto de vista, a simbiose entre religião e Estado é um dos grandes problemas do mundo árabe. Para manter o “status quo”, os ditadores usam a religião para manipular a população, se perpetuar no poder, e coibir o surgimento de oposição e de cabeças pensantes.

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1 Licenciada e Bacharel em Geografia pela UCSAL. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Geografia Politica e Geopolitica.(GEPOGEO), Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Email:

nizete.bomfim@gmail.com

2 Prof. Dr. IFCH/UCSAL/Curso de Geografia, Coordenador do GEPOGEO/UCSAL, Prof. Colaborador da Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Urbano da Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Brasil. Email: dasegu@gmail.com


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