Número 70(1) • Julio-diciembre 2023
ISSN: 1011-484X • e-ISSN 2215-2563
Doi: https://dx.doi.org/10.15359/rgac.71-2.3
Recibido: 05/07/2022 • Aceptado: 17/11/2022
URL: www.revistas.una.ac.cr/index.php/geografica/
Licencia (CC BY-NC-SA 4.0)
Sistema de sesmarias e a fundação da colonialidade do território no Piauí
Sesmarias System and the Foundation of the Coloniality of the Territory in Piauí, Brazil
Sistema de sesmarias y la fundación de la colonialidad del territorio en Piauí
Paulo Gustavo de Alencar1
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Giovana Mira de Espíndola2
Universidade Federal do Piauí.
Maria Sueli Rodrigues de Sousa3
Universidade Federal do Piauí.
Resumo
Esse estudo tem como objetivo caracterizar o primeiro momento de construção da subjetividade da terra como mercadoria no estado do Piauí, umas das marcas da colonialidade conceituada por Aníbal Quijano. Utilizou-se das técnicas de pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. O regime de sesmarias foi a política utilizada como mediadora dos principais conflitos entre colonizadores, e pelo qual se garantia a apropriação sobre a terra e quase todas as riquezas do território dos povos nativos e da destruição de territorialidades. A fazenda de gado foi a mais importante unidade territorial no Piauí colonial, porque ela transcende a importância da sesmaria como lastro documental, transformando-se na territorialidade que ampara a apropriação sobre grandes extensões amparada na imprecisão dos limites da unidade produtiva. No período colonial a função da terra ainda incompatível com a função de mercadoria, mas o regime de sesmarias foi a instituição transportada da metrópole para impregnar as simbologias subjacentes do colonizador como algo não contestável, apagando as outras simbologias não reconhecidas ou desprezadas.
Palavras-chave: Regime de sesmarias; colonialidade; territorialidade; terra como mercadoria; Piauí.
Abstract
This study aims to characterize the first moment of construction of the subjectivity of land as a commodity in the state of Piauí, Brazil, one of the marks of coloniality Aníbal Quijano conceptualized. The study involved bibliographic research and documental research. It examines the sesmarias regime, a policy used as a mediator in the main conflicts between colonizers. Through this policy, the colonizers could ensure the appropriation of land and almost all the richness of the territory of native peoples and the destruction of territorialities. The cattle ranch was the most important territorial unit in colonial Piauí because it transcended the importance of the sesmarias as documentary ballast, transforming itself into the territoriality that supports the appropriation over large areas supported by the imprecision of the limits of the productive unit. In the colonial period, the function of land was still incompatible with the function of commodity, but the sesmarias regime was the institution transported from the metropolis to impregnate the underlying symbologies of the colonizer as something not contestable, erasing the other symbologies not recognized or despised.
Keywords: Sesmarias regime; coloniality; territoriality; land as a commodity; Piauí.
Resumen
Este estudio tiene como objetivo caracterizar el primer momento de construcción de la subjetividad de la tierra como mercancía en el estado de Piauí, una de las marcas de la colonialidad conceptualizada por Aníbal Quijano. Se utilizó la investigación bibliográfica y la investigación documental. El régimen de sesmarias fue la política utilizada como mediadora en los principales conflictos entre colonizadores, ya través de la cual se garantizaba la apropiación de tierras y casi todas las riquezas del territorio de los pueblos originarios y la destrucción de territorialidades. La ganadería fue la unidad territorial más importante en el Piauí colonial, porque trasciende la importancia de la sesmaria como lastre documental, transformándose en la territorialidad que sustenta la apropiación sobre grandes áreas sustentada en la imprecisión de los límites de la unidad productiva. En el período colonial, la función de la tierra aún era incompatible con la función de la mercancía, pero el régimen de las sesmarías fue la institución transportada desde la metrópoli para impregnar las simbologías subyacentes del colonizador como algo indiscutible, borrando las demás simbologías no reconocidas o despreciadas.
Palabras clave: Régimen de Sesmarias; colonialidad; territorialidad; tierra como mercancía; Piauí.
Desde o início do processo de colonização, a institucionalização dos mecanismos de controle da terra e do território estão associados ao controle do trabalho, da natureza, dos recursos naturais, e que operam também em função de outras hierarquias de raça, gênero e etnia (Quijano, 1992). A posse e propriedade da terra garantem em grande parte a apropriação sobre a natureza, porque desde o regime de sesmaria, como explica Lima (1990), o que se garante de controle em nome da Coroa, são apenas algumas exceções para o acesso entre as fazendas e vilas, bem como para as pedreiras, minas e fontes. Como se verá adiante, essas institucionalidades também vão ganhando novas configurações à medida que nascem novas imposições do sistema-mundo moderno/colonial, a exemplo das instituições criadas para transformar a terra mercadoria; para ocupação das novas frentes de expansão agrícolas, no processo de modernização conservadora do campo ou nos novos mecanismos de apropriação sobre a natureza e o território, como na financeirização da terra, que seguem excluindo todas as outras territorialidades externas a modernidade.
O regime de sesmarias, num primeiro momento, foi a política utilizada como mediadora dos principais conflitos entre colonizadores, já que era a partir desse sistema que se garantia a apropriação sobre a terra e quase todas as riquezas do território conquistado. Para os demais povos, a implantação do regime de terras, significou a instalação de uma guerra contra suas nações, a destruição de suas territorialidades e a apropriação sobre seus territórios, e que perdura até os dias atuais. Esses povos contam apenas com a mobilização e as poucas garantias inseridas (e lentas) nos aparelhos normativos que compõem a gestão territorial brasileira. Para os povos negros arrebatados da África, a criminalização e o combate a formação dos quilombos completam a negação territorial ancorada nas hierarquias de raça e etnia, conforme explicado por Quijano (1992).
A construção subjetiva da terra como mercadoria é lastreada por diversas estratégias: uma de destruição e invisibilidade das perspectivas territoriais do povos originários; uma de repressão as insurgências de novas territorialidades, com a repressão dos quilombos e o combate aos indígenas rebelados; e outra da imposição das perspectivas jurídicas de território importadas da Europa e reconstruídas na colônia, tanto no seu arcabouço jurídico, quanto no imaginário da sociedade em formação; todas ancorados em distintas institucionalidades, que vão surgindo na metrópole e sendo transposta ou adaptadas para a colônia, sempre sob o mesmo modo de construção do conhecimento. É sobre essa última estratégia de sublaternização territorial de que trata a presente discussão.
A área de estudo, recorte temporal e marco metodológico
O presente artigo tem como objetivo caracterizar esse primeiro momento de construção da subjetividade da terra como mercadoria no estado do Piauí, umas das marcas da colonialidade conceituada por Quijano (1992, 2007). A área de estudo compreende o território do Estado do Piauí, localizado na região Nordeste do Brasil, tendo como horizonte temporal, o período colonial, que na região dos “Sertões de Dentro” 4, começa efetivamente na década de 1660 e se estende até a década de 1820, marco da separação administrativa do Brasil do império português. O Estado do Piauí, compreende atualmente a maior porção do lado direito (considerando o sentido sul-norte) da bacia do rio Parnaíba.
A entrada dos colonizadores nessa região se deu por diversas frentes e finalidades. Ocorreu tanto pelo Norte, pelo delta do rio Parnaíba, onde a finalidade era de comercialização de produtos da terra com os indígenas; pelo centro-norte, através das expedições com a finalidade de captura e escravização de indígenas; e pela região Sudeste do atual território piauiense, através das bacias dos rios Gurguéia e Piauí, fomentado tanto pelas guerras contra os índios, quanto pela ganância sobre as terras para “fabricação” de fazendas de gado. Essa última corrente de colonizadores foi a que teve mais importância para o processo de colonização, tanto que definiu a configuração geopolítica inicial da capitania de São José do Piauí, inclusive a localização do primeiro centro político-administrativo, e contribuiu de forma significativa para moldar o território atual do Estado. (Nunes, 2014; Lima, 2016; Miranda, 2016).
Para coleta de dados visando a analisar a influência do sistema de terras para a fundação da colonialidade do território, ancorada no conceito elaborado por Quijano (1992, 2007), utilizamos técnicas de pesquisa bibliográfica, que considera fontes secundárias contidas em publicações que tratam da temática fundiária, como livros, revistas, artigos e outras publicações acadêmicas, auxiliados por fontes primárias oriundas de pesquisa documental (Oliveira, 2016). Foram analisadas publicações de autores que tratam da questão agrária e territorial, documentos e publicações históricas de autores piauienses, combinados com a análise de dados do acervo fundiário do Governo do Estado do Piauí.
A fundação das instituições da modernidade/colonialidade para gestão da terra
O colonialismo foi a ideologia e o período de tempo necessário para gestar muitas construções subjetivas da modernidade/colonialidade, inclusive para a construção da noção conceitual da terra como mercadoria, base da propriedade fundiária moderna (Quijano, 1992; Mignolo, 2003). Como explicado por Polanyi (2000), a expansão e conquista de territórios para formação do sistema colonial exportador, cujo objetivo era a produção para atender obrigatoriamente a metrópole, foi o terceiro estágio dessa construção subjetiva. Por isso, Grosfoguel (2008) explica que foi no sentido de dominação que foram criadas as novas identidades, noções de direitos, leis e fundadas as instituições da modernidade, na mesma intensidade da relação de dominação dos povos europeus com os demais povos, que representam a colonialidade.
Como explica Quijano (1992), para além da colonização através do controle do território, o colonialismo europeu produziu construções intersubjetivas que fundaram diversas discriminações “raciais”, “étnicas”, “antropológicas” ou “nacionais”, levando em conta o momento histórico, os agentes discriminadores e as populações discriminadas. Estas últimas assumidas como categorias científicas e objetivas como se fossem categorias naturais e desvinculadas das influências da história do poder. Assim, a colonialidade seria as marcas subjetivas, simbólicas e epistemológicas impregnadas nas sociedades atuais, que torna o modelo eurocêntrico moderno como horizonte de vida para as demais sociedades. Ela está impregnada na própria existência humana: tanto na subjetividade humana que se articula com diferentes tipos de hierarquias, sejam étnicas, raciais, sexuais, de gênero, de conhecimento, de linguagem, de espiritualidade; quanto na institucionalidade, seja no modo de fazer científico moderno e na constituição do sistema escolar, quanto no trabalho (Almeida; Silva, 2015).
Os autores decoloniais explicam a importância da expropriação territorial e a destruição das territorialidades dos diversos povos para a subalternização. Quijano (1992) explica a importância da conquista do território para a fundação da modernidade/colonialidade, ancoradas no controle do poder. As construções de Dussel (1994), Mignolo (2003) e Escobar (1995), destacam o território com uma base singular de construção de um conhecimento único, e, portanto, da colonialidade do saber. As reflexões de Maldonado-Torres (2007) demonstram a importância ontológica do território, porque suas bases permitem a formação de seres e sociedades com a alteridade preservada. Já Coronil (1997) explica como a negação da centralidade do território e a importância do conhecimento construído sobre essa base exerceu influência para o controle da natureza e dos recursos naturais. Nesse sentido, entendemos que o território se constitui como um âmbito próprio da colonialidade, e a sua expropriação e controle de acesso, criam as condições para subalternização dos povos e sociedades.
Ao longo do desenvolvimento das características da matriz de poder colonial, e a partir da ideia de raça, foram se configurando novas identidades sociais da colonialidade, tais como, índios, negros, pardos, amarelos, brancos e mestiços, a partir das diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados. Também foram desde cedo construídas em torno das supostas diferenças biológicas existentes entre esses grupos, mais tarde transferidos para a cor da pele da categoria mais explorada do sistema colonial. Entretanto, essas diferenças que originam as classificações sociais, nada tem a ver com atributos biológicos pré-estabelecidos, mas estão na verdade “relacionados com a questão do poder na sociedade, pois se referem aos lugares e às posições que os indivíduos e grupos sociais ocupam (ou devem ocupar) no controle das dimensões da existência social” (Porto-Gonçalves; Quental, 2012, p. 300). A partir dessas diferenças, produziu-se também as geoculturas do colonialismo (América, África, Oriente Próximo, Oriente Extremo, Ocidente e Europa), que também passam a ser percebidas em correlação com a ideia de raça. Em paralelo, as relações intersubjetivas nas quais se fundaram as experiências do colonialismo e da colonialidade foram se fundindo com as necessidades do capitalismo, e dessa forma, foram nascendo novas configurações intersubjetivas de dominação sob a hegemonia eurocêntrica, que deram origem ao universo específico atualmente conhecido como modernidade (Quijano, 2007). Com base nessas hierarquias, criou-se um esquema extrativista de expropriação de natureza em função das demandas de acumulação do capital das sociedades imperiais, forjando perdedores, especializados em exportar natureza, e ganhadores, que importam natureza. Dessa forma, integrou-se à América, a Ásia e a África no mercado mundial, que ainda continua fornecedora de recursos primários a mais de 500 anos (Acosta, 2016).
As diferenças entre colonialismo e colonialidade permitem entender a continuidade dos processos de dominação sobre as nações colonizadas mesmo após a independência administrativa, demonstrando como as estruturas de poder e subalternização continuam a serem reproduzidas pelos mecanismos da matriz de poder colonial do sistema-mundo capitalista colonial/moderno (Assis, 2014). A partir dessa penetração da ideologia da colonialidade no controle do pensamento dos povos das colônias, difundindo inclusive o modelo de produção do conhecimento, começamos a compreender que nenhuma institucionalidade poderia fugir desse modelo discriminatório que se implanta no Brasil em relação a questão da terra e do território. Aliás, como bem explicam Holston (2013) e Secreto (2011), todo o aparato legal e normativo que se aplica a questão da terra e de território no Brasil seguem à risca a filosofia eurocêntrica, e não por acaso, neles se desprezam as territorialidades dos outros povos, porque são associadas a cosmologias de vida não compreendidas que são vinculadas a raças e etnias diferentes dos europeus.
Seja qual for a vertente de pensamento ocidental, terra é um mero fator de produção para a produção agrícola em combinação com trabalho e capital, ou uma simples mercadoria também capaz de gerar riqueza pela compra e venda. Para outras cosmologias de vida não é assim que funciona. Nesse sentido, a instituição da propriedade fundiária tem uma função decisiva para controle da natureza e dos recursos naturais como um dos eixos de controle da reprodução social dentro da matriz colonial de poder, que é consolidada pela transformação da terra em mercadoria (Quijano, 1992). Por isso, todos os arranjos jurídicos foram construídos sem considerar a diversidade sociocultural e as diferentes cosmologias, sempre no sentido de ocultar identidades, territorialidades e promover a homogeneização cultural a partir universalização da cosmologia eurocêntrico (Dussel, 1994; Quijano, 1992). A racionalidade do colonizador tratou de apagar diversas perspectivas de juridicidade dos povos originários, inclusive do ponto de vista territorial. Assim, todos os ordenamentos jurídicos, que servem como base para a formulação do direito de propriedade e da legislação fundiária nas colônias, incluindo o Brasil, também seguiram no mesmo diapasão, ou seja, construídos sob o manto da epistemologia e ontologia europeia (Sousa, 2020; Castro, 2018).
Nos tratados de Locke, o trabalho realizado pela pessoa e a obra produzida a partir de suas mãos justificam a propriedade sobre essa obras, de onde deriva o direito natural de apropriação sobre a terra e das coisas, ou seja, o direto de propriedade sobre as coisas transformadas, incluindo o uso da terra. Cada pessoa tem igualmente esse direito natural a propriedade (Holston, 2013). Nesse sentido, o homem se apoia na propriedade para existir enquanto indivíduo, apropriando-se da natureza transformando-a com o seu trabalho, sem depender de outra pessoa. A propriedade da terra dever sustentar a produção e a geração de renda no sentido de uma racionalidade específica que busca a maximização da produção (Secreto, 2011).
A natureza conectada de forma complexa com a vida em sociedade foi transformada em “terra”, o que desarticulou os equilíbrios sociais construídos durante séculos, e que davam sentido e identidade aos indivíduos bem como fundamentavam seus imaginários. Os diversos sistemas agroecológicos foram historicamente modificados tanto para a produção de alimentos e fibras, quanto para acumulação de riquezas, ocasionando perdas de saberes dos camponeses e indígenas, além de uma especialização alienante. Por isso, esse pensamento contrário a separação do mercado da natureza está tão presente nos movimentos de resistência indígena e camponesa, e é somente a partir dessa compreensão que conseguimos entender as diversas formas de ligação de cada povo ou cultura com a terra e o território (Alimonda, 2011).
Assim, a concepção de uso da terra para justificar o domínio tem uma relação direta com o cultivo para fins de lucro, com a realização de melhoramentos, com a introdução de novas técnicas agrícolas, o que se contrapõe aos costumes e práticas tradicionais dos povos autóctones, agora consideradas limitadoras dos usos produtivos da terra após o encontro com os europeus (Secreto, 2009, 2011). A teoria de propriedade de Locke se funda nas mesmas premissas que originam o sistema de sesmarias aplicado no Brasil, onde o direito sobre a terra é de usufruto, se baseia em transformá-la, ou seja, torná-la produtiva. Sem esta condição a terra é retomada pela Coroa com base nos códigos imperiais, tornando-se “devoluta” para sua redistribuição (Lima, 1990). Dessa forma, a posse e o domínio sobre a terra e natureza, se materializa no ato de tornar a terra produtiva, um dos pilares do sistema de sesmarias português, que é utilizado para subordinar as terras conquistadas ao sistema mercantil.
O regime de terras transportado de Portugal para o Brasil, já vigorava desde a idade média, originado na crise no sistema comunal de distribuição de terras do município, principalmente pelo crescimento das populações frente a escassez de terras resultante do domínio dos mais abastados. O ponto de partida para o instituto jurídico, foi a Lei de 26 de maio de 1375, baixada por D. Fernando I. Em socorro aos camponeses, a realeza transforma em lei régia o velho costume de reconhecer o domínio apenas pelo uso, desta feita abrangendo agora a retomada da terra não cultivada e sua redistribuição para cultivo de alimentos, inclusive as que haviam sido incorporadas pela igreja e pelos nobres. Assim, nasce o sistema de sesmarias com o objetivo de resolver o problema agrário de Portugal (Lima, 1990; Silva, 2008; Oliveira; Faria, 2009; Miranda, 2018).
Entretanto, aqui no Brasil, o sistema de sesmaria sofre algumas distorções do regime original com o objetivo de atrair mais colonizadores com capacidade de investir nas culturas comerciais, a exemplo da eliminação do pagamento da renda, exceto o dízimo e a restrição de herança. Mas, a principal distorção referia-se ao tamanho das concessões, diferentes dos limites originais, cujas extensões deveriam ser proporcionais a capacidade de lavra do sesmeiro. Assim, se introduz o espírito latifundiário no regime de sesmarias no sentido de atender a ganância dos fidalgos que para cá se destacavam, ávidos pelo poder e domínio territorial, improváveis de galgarem na metrópole (Lima, 1990; Silva, 2008; Alencastre, 2015; Miranda, 2018). As terras eram concedidas em grandes latifúndios, de “10, 20 e até 100 léguas quadradas”, o que consagrava aos seus beneficiários “como uma classe dominante aristocrática, escravista e comercial”, ao mesmo tempo que dificultava os estabelecimentos de pessoas de poucas posses (Holston, 1993, p. 10).
Alencastre (2015, p. 166) explica que “era tão desmesurada a ambição de possuir vastos territoriais”, que as solicitações de sesmarias para criação de currais nos Sertões de Dentro eram despropositadas. Assim, em 13 de outubro de 1684, D. João de Sousa concedeu mais dez léguas de terras na margens dos rios Gurguéia e Paraim a quatros sócios da Casa da Torre, “com reserva de terras, caatingas e terras inúteis”, e outras sesmarias com dimensões variadas nas margens do rio Tranqueira. Já em 29 de dezembro de 1686 repetia a doação de mais 12 léguas em quadro5 aos mesmos sesmeiros nas margens do rio Parnaíba, englobando terras dos índios Muipurás, que iam das terras da tribo Aranis até a tribo Aimopiras, limitando-se ainda com a Serra do Araripe (Alencastre, 2015; Pereira da Costa, 2015). O primeiro regime de terras, no Brasil, fez parte de uma estratégia política da Coroa portuguesa para atrair colonizadores e capitais para financiar a produção e gerar riquezas, diferente da função inicial do sistema aplicado em Portugal, cujo objetivo era garantir a produção de alimentos. O objetivo aqui era colonizar e fazer o território incorporado ao patrimônio real produzir matérias primas de interesse da metrópole, além de difundir a cristianização.
É a partir dessa visão utilitarista que se funda a disjunção da terra como mercadoria em contraposição as concepções de território enquanto base para as vidas das comunidades tradicionais. O sistema de sesmarias ajuda a instalar uma estrutura de separação da sociedade natureza, pela justificação do seu domínio concebido na ciência e na vontade divina, o que se observa, tanto na sujeição da terra e da natureza ao homem contida na bíblia sagrada, quanto na razão da filosofia eurocêntrica (Lander, 2005; Secreto, 2011; Acosta, 2016). Entretanto, nem todo o território piauiense transformou-se em frações de terra compatíveis com a função de mercadoria, por isso ainda persiste a empreitada colonial para “libertar” a terra para o mercado, em nome das oportunidades de negócio, da exploração mineral e da produção de commodities para exportação, que segundo Assis (2014), caracterizam a colonialidade conceituada por Quijano (1992).
Sesmarias e a imposição da territorialidade do colonizador
As fazendas de gado e a colonaildiade do território
Se no regime de terras aplicado no Brasil se introduz o espírito latifundiário, no caso do Piauí ainda houve mais um agravante para a concentração da terras, visto que nossa colonização ocorreu no contexto da expansão da criação extensiva de gado, onde a concessão de sesmarias era para formação de grandes fazendas como suporte ao sistema colonial exportador. Essa peculiaridade no modelo de colonização, marcou decisivamente a formação territorial do Piauí e a organização da própria sociedade piauiense, tanto como uma base territorial extremamente excludente, quanto como constructo da subalternidade de nossa população (Mott, 2010; Sousa, 2015; Alencastre, 2015; Lima, 2016). De acordo com Lima (2016, p. 9), o território atual do Piauí foi sendo formado pela expansão das fazendas de gado, que marchando “em rebanho, sempre rumando para frente”, demarcavam novas posses e a fabricação de novos currais e fazendas, mesmo sobre os territórios dos povos pré-existentes. A atividade era extensiva e de baixo nível tecnológico, limitadas a exploração direta da natureza, através do controle dos vales úmidos, águas superficiais e dos campos de pastagem natural (agrestes e mimosos), que por sua vez alimentava a necessidade de expansão territorial das fazendas para o aumento da produção, em detrimento da introdução de novas tecnologias (Machado, 2002; Mott, 2010; Lima, 2016; Santos Neto, 2021).
Nesse sentido, as condições naturais, baseado no destacado potencial forrageiro e oferta de água, tido como suficiente para desenvolver a criação de gado, junto ao conservadorismo do latifundiário, justificavam o controle da terra e dos recursos naturais pelo contínuo processo de apossamento, face ao desinteresse em realizar outras inversões na pecuária. Tratava-se assim, de um apossamento utilitarista fictício suportado numa atividade de baixa densidade produtiva, onde a própria ideia de posse vai sendo construída no limite da imprecisão, alicerçadas no diagnóstico de inclinação para o pastoreio, que contribuiu para destacar a fazenda de gado como “impositora” da colonialidade da natureza e dos recursos naturais. Aliás, como explica Porto (2019, p. 87), a indicação de limites imprecisos pelos requerentes de sesmarias era uma estratégia para ampliação de seus domínios “na ocasião oportuna”, valendo-se do desconhecimento das autoridades sobre a geografia dessa parte da colônia.
No entanto, essa posse utilitarista “superestimada” já era um característica do branco europeu que veio colonizar o Brasil, fruto de sua ganância e avidez por poder (Lima, 1990; Alencastre, 2015). Aliás, foi como base nessa posse utilitarista fictícia que se redesenhou as novas fronteiras da colônia portuguesa para além da linha de Tordesilhas, através do acordo celebrado entre Portugal e Espanha no tratado de Madri, o que configurou a extensão territorial continental do Brasil. Assim, não se apoiou numa posse de fato, ou numa posse útil com base na ocupação por atividades produtivas, mas nas penetrações para interior por aventureiros na busca de ouro, índios para escravizar e almas para serem salvas: bandeirantes paulistas no Sudoeste, sertanistas no Nordeste, missionários no Norte e no Sul, e militares lutando contra nativos ao longo da costa (Holston, 2013).
Entretanto, longe de gerar efeitos apenas no devassamento e apossamento das terras nos tempos do regime de sesmarias, a posse com base nesse utilitarismo “fictício” vão aparecer nas descrições imprecisas das posses nos registros paroquiais durante o século XIX; nos registros de terras amparados nas legislações agrárias estaduais; nas descrições das posses “inventadas” nos processos de demarcações e divisões de datas no século XX; e na aceitação da posse pouco objetiva pelas autoridades judiciais nas ações de usucapião; tudo no sentido de garantir a apropriação sobre a natureza, e suas amplas possibilidades de se transformar em recursos futuros. Assim, além do espírito latifundiário que gera a concentração da terra, esse ingrediente da construção de um conceito impreciso de posse na nossa colonização, persistente nas outras fases administrativas, interfere diretamente na questão fundiária do Piauí, e tem uma relação direta com a fundação e tolerância com a grilagem de terras6. Marca também um aspecto peculiar na construção de todos os âmbitos da colonialidade do poder, do ser, do saber, da natureza e dos recursos naturais, bem como na colonialidade do território aqui no Piauí, porque talvez em nenhum outro estado, a grilagem de terras persistiu tanto na apropriação sobre os territórios e a natureza e na formação do mercado de terras.
No Piauí, a questão fundiária teve outro elemento complexificador: a duplicidade de gestão colonial do território e na concessão de sesmarias. Inicialmente, pela divisão das capitanias hereditárias que colocavam o alto-médio Parnaíba sob o comando de um donatário, da capitania de Pernambuco, e o médio-baixo Parnaíba, sob o comando da capitania do Maranhão. Com o fim da política das capitanias hereditárias, parte da bacia do Parnaíba ficou submetida administrativamente ao estado de Pernambuco e ao Governo Geral do Brasil, com sede em Salvador; e outra parte ficou administrada pelo estado do Maranhão e Grão Pará; ou seja, sob governos coloniais distintos. Isso gerou dualidades e desorganização na aplicação do regimes de terras na província do Piauí, porque embora as primeiras sesmarias tenham sido concedidas pelo estado de Pernambuco, na segunda metade do século XVII, quando se iniciou a colonização efetiva da bacia do Parnaíba; antes da constituição do Piauí como estado independente, houve também concessões de sesmarias pelo estado colonial do Maranhão e Grão Pará, tanto a partir de São Luis, quanto a partir de Belém (Santos Neto, 2021).
As primeiras sesmarias emitidas pela capitania de Pernambuco foram extremamente desregradas, com concessões de dimensões extravagantes, a exemplo das dadas para Domingos Afonso Mafrense, seus sócios da Casa da Torre e outros sesmeiros baianos7. Em apenas um dia concederam um território tão vasto, que compreendia desde a margem direita do rio Gurguéia, no Piauí, até o vale do Itapecuru, no vizinho Maranhão (Alencastre, 2015; Pereira da Costa, 2015; Santos Neto, 2021). Entre os anos de 1676 e 1686, toda a extensão centro-sul do atual território do Piauí, e mesmo parte do centro-norte, já haviam sido concedidas em grandes sesmarias pela capitania de Pernambuco8, mesmo sem ocupação pelos sesmeiros. As quatro primeiras concessões, dadas em 1676 para quatro sócios da Casa da Torre, nas margens do rio Gurguéia, tinham a extensão de 10 léguas em quadro9. Além disso, corroborando com o utilitarismo fictício, algumas cartas continham subterfúgios para sua expansão futura (Pereira da Costa, 2015; Miranda, 2018).
Como se observa no testamento de Mafrense, a estratégia de colonização e criação de fazendas se dava tanto por meio de recursos próprios, quanto por meio do arrendamento de terras, o que concorreu para atração de outros investidores para além dos sesmeiros primitivos. Também no referido texto, se observa a presença desse espírito latifundiário e ganancioso pela apropriação sobre novos espaços, o que fica bem delimitado através da exposição das estratégias para novos apossamentos entre sesmeiros, de forma a evitar conflitos nos futuros:
Declaro que sou senhor e possuidor da metade das terras que pedi no Piauí com o Coronel Francisco Dias de Ávila e seu irmão, as quais terras descobri e povoei com grande risco de minha pessoa e considerável despesa com adjutório dos sócios e sem eles defendi também muitos pleitos que se moveram sobre as ditas terras ou parte delas; e havendo dúvidas entre mim e Leonor Pereira Marinho, viúva do dito Coronel, sobre a divisão das ditas terras, fizemos uma escritura de transação do cartório de Henrique Valleusuella da Silva, no qual declaramos os sítios com que cada um havíamos de ficar, assim do que tínhamos ocupado com gados, com arrendados e várias pessoas, acordando e assentando juntamente a forma que havíamos de ir ocupando as mais terras por nós, ou pelo rendeiros que metéssemos como mais largamente se verá diante da escritura (Alencastre, 2015, p. 154).
Assim, o estabelecimento das fazendas se dava tanto pela administração direta e por parceria com prepostos, quanto pelo arrendamento, que representavam uma forma de aferição indireta de renda pelos sesmeiros. Além dos prepostos, que representavam os sesmeiros nas administrações das fazendas, à medida que a atividade pecuária de consolidava, atraia também novos empreendedores, e obrigava a introdução de vaqueiros para lida com o gado e defesa, tanto livres quanto escravizados, fator que foi responsável pela formação de novas categorias de vínculos com a terra no Piauí (Lima, 2010, 2016). Essa estratégia de “terceirizar” a instalação das fazendas sobre as extensas concessões, alinhada com o patrimonialismo dos sesmeiros baianos, vai ser o ponto fundante dos grandes conflitos fundiários do final século XVII ao início do século XVIII. As disputas ocorrem tanto em função da imposição rígida do pagamento da renda pelos sesmeiros aos arrendatários, considerada injusta, quanto pela construção de um vínculo com a terra pelos vaqueiros prepostos e arrendatários, despossuídos da propriedade formal, mas que vão constituindo novos currais para assentar suas crias . Assim, as disputas entre sesmeiros e seus descendentes absenteístas, e os exploradores diretos da terra10, vão materializar os conflitos de poder pelo controle da terra e pela emissão de sesmarias entre o Estado do Maranhão e a capitania de Pernambuco, questões que foram decisivas para a criação da capitania de São José do Piauí e para as primeiras medidas de revisão fundiária nesses sertões (Alencastre, 2015; Lima, 2010, 2016; Santos Neto, 2021).
Face a falta de influência dos posseiros do norte do Piauí em requerer sesmarias no Pernambuco, os fazendeiros dessa região, todos “senhores de importante linhagem, procedentes do Maranhão” (Melo, 2019a, p. 272), se articulam com o Governo colonial de São Luís para transferência da administração das terras do Piauí para o Maranhão. Até então, esses fazendeiros figuravam apenas como posseiros, pois não haviam sido agraciados com nenhuma sesmaria, embora explorassem diretamente as terras. Somente em 1699 vão ser concedidas sesmarias de terras a outros empreendedores não ligados à Casa da Torre, junto ao rio Igaraçu, fruto das “guerras” contra os indígenas (Pereira da Costa, 2015). Assim, os primeiros 100 anos de colonização do Piauí vão ser marcados pelos conflitos fundiários: de um lado fazendeiros brancos arrendatários, posseiros e autoridades locais, descendentes dos fazendeiros locais, apoiados junto Corte portuguesa pelo governo colonial do Maranhão; e do outro, os sesmeiros baianos, defendidos pela capitania de Pernambuco e o governo colonial do Brasil, com sede em Salvador.
Mesmo tendo sido um crítico da forma de como as primeiras sesmarias foram distribuídas, Alencastre (2015)11 assume a defesa dos sesmeiros baianos nas disputas fundiárias e controle do território piauiense por Pernambuco. Santos Neto (2021) enxerga um certo “bairrismo”, já que aquele historiador também era de origem baiana. Entretanto, há outra questão que deve ser considerada: a defesa do aspecto formal da territorialidade jurídica, ou seja, a defesa da sesmaria em contraposição à simples posse de arrendatários e prepostos, que realizavam a exploração direta, exigência inicial do velho regime de terras. Mesmo que a sesmaria ainda não tivesse os atributos completos de propriedade fundiária (Oliveira; Faria, 2009), a defesa em questão já demonstra a força do documento, a carta de sesmaria, como uma simbologia transitória na construção subjetiva da terra como mercadoria, já em plena consolidação no período dos oitocentos, época em que viveu Alencastre, e que representa uma das formas mais importantes de colonialidade.
Lima (2010, 2016) e Mott (2010) apresentam uma importante contribuição para a compreensão da fazenda com a unidade territorial colonizadora tanto do território, quanto do próprio imaginário da sociedade piauiense em formação. O termo currais, utilizado para designar a propriedade fundiária que se dedicava ao criatório de bovinos e equídeos, se aplica ao primeiro momento da colonização, ou seja, ao devassamento do Piauí, onde a passagem do rebanhos demarcavam novas posses, mesmo sobre os territórios de povos seculares. Mas num segundo momento, a fazenda toma uma conotação mais importante para designar terra, já que “fazenda” se torna um símbolo de poder, riqueza, porque interligada a atividade principal que se desenvolvia nesses sertões, em contraposição aos espaços subalternizados destinados as lavouras, os sítios, seja pelo pouca extensão do domínio ocupado, seja pelas hierarquias de raça e etnia de quem se relacionava com elas, e pela própria segregação das atividades secundárias (Lima, 2010, 2016; Mott, 2010). A diferenciação entre fazenda e sítio, contendo essa mesma ideia da última unidade como o espaço subalterno foi bem caracterizado na Descrição da Capitania de São José do Piauí de 1772, do ouvidor Antonio José de Morais Durão:
Fazenda se chama a de gado vacum ou cavalar ditas vulgarmente currais; sítios se toma pela fazenda que se cultiva, sendo separada das de gado; pela qual razão não numerei as roças, engenhocas de açúcar que se acham dentro daquelas porque seria isso multiplicar fantasticamente o número; as roças e engenhocas distintas vão compreendidas debaixo da palavra sítio.
Nesse sentido, a fazenda de gado se torna a mais importante unidade territorial no Piauí colonial, porque ela transcende a própria importância da sesmaria como lastro documental, transformando-se na territorialidade que ampara a apropriação sobre grandes extensões pelo apossamento. O limite vago criado pela ideia de mobilidade do pastoreio também se torna fundamental para o reconhecimento da posse justa, classificada como ocupação econômica útil, porque se ampara na contraposição entre o criador/posseiro versus o sesmeiro absenteísta (Mott, 2010; Borges, 2019). Assim, enquanto a posse para formação da fazenda se dá pela imprecisão do pastoreio, a roça, ou seja, a terra de lavoura, caracteriza uma ocupação de natureza objetiva e bem delimitada em função do seu uso fixo, proporcional a capacidade econômica do pequeno lavrador. Eram as braças de terras que cabiam aos pequenos agricultores, fora os sete palmos da cova, em caso de insurgência. Para além disso, ter o domínio da fazenda significava a principal forma de apropriação sobre natureza, os importantes campos piauienses de pastoreio, bem como sobre as ribeiras, suas águas superficiais e os seus vales férteis.
Ao mesmo tempo que a fazenda de gado contribuiu decisivamente para consolidação do território piauiense, também foi responsável pela reprodução de um sistema de exclusão territorial, concentração do poder e dos recursos naturais, que foi decisivo para perpetuação da pobreza da maior parcela da população piauiense (Machado, 2002; Nunes, 2014; Lima, 2016; Santos Neto, 2021). Nesse sentido, a fazenda de gado é o que simboliza o poder, a riqueza, o controle da natureza e dos meios de produção e atrai a cobiça pelo controle de grandes extensões de terras, e portanto, domina inicialmente o imaginário do ser em construção nos sertões piauienses, norteia seus desejos e horizontes futuros de prosperidade. Se transforma na principal simbologia para implantação da colonialidade do poder, do saber, do ser, da natureza e dos recursos naturais, que conta com o regime de terras inteiramente à disposição para a ação de todos os outros âmbitos da colonialidade (Quijano, 1992; Mignolo, 2008, Maldonado-Torres, 2007).
Também cabe aqui uma reflexão sobre a existência de uma colonialidade do território, porque é majoritariamente para formação de fazendas de gado que se destinam as sesmarias, que vão apagar as territorialidades pré-existentes. Nesse sentido, a fazenda redireciona a construção do poder, o pecuarista versus o agricultor, os pequenos posseiros ou os vaqueiros da lida diária, subalternizados com base nas hierarquias de raça e etnia; dos saberes, porque se impõe uma aprendizagem em torno dessa atividade dominante e o desprezo da agricultura e do extrativismo; da formação dos seres na lida com o gado, desde os colonizadores aos povos subalternizados, como negros escravizados, indígenas cooptados, e os diversos mestiços que vão surgindo da interação colonial, que invariavelmente passam a ser denominados simplesmente de vaqueiros, encobrindo suas identidades anteriores (Lima, 2010); e da natureza e dos recursos naturais, já que o território passa a ser definitivamente utilizado para a produção agropecuária, desconectado das relações complexas dos povos pré-existentes (Machado, 2002; Bispo dos Santos, 2019).
Como explica Mott (2010), também foi a fazenda, construída sobre uma ideia de Piauí como espaço de vocação limitada apenas para o pastoreio, excluindo-se desde os primeiros séculos, a implantação das importantes monoculturas de exportação e da própria agricultura de subsistência, que vai construir uma nova relação de subalternização do território tendo como referência o litoral açucareiro, que se confirma posteriormente na subalternidade tendo como referência a região Nordeste e ao Brasil. Essa própria visão das condições naturais como um aspecto limitador da produtividade dos rebanhos, devido a existência de terras secas ou falsamente imprestáveis, provavelmente associada as chapadas, vai sendo utilizado para justificar o requerimento de concessões de terras ilimitadas. Assim, diversos autores, com destaque para Lima (2016), Mott (2010), Machado (2002) e Santos Neto (2021) trazem importantes contribuições para compreensão da diferença colonial.
Sesmarias, mediação de conflitos fundiários e a criação da capitania do Piauí
Os conflitos por terras não se resumiram entre os grandes fazendeiros de gado, embora os grandes debates entre posseiros e sesmeiros se refiram a eles. O domínio de extensas áreas pelos sesmeiros absenteístas baianos, abarcando todas as áreas de pastoreio e vales de rios, não deixava outra saída aos produtores, posseiros e moradores do que se fixar nas sobras de terras, nos terrenos entre as fazendas, ou disputar terras concedidas, mas não ocupadas pelos sesmeiros (Nunes, 2014; Lima, 2016; Santos Neto, 2021). Considerando que o regime de sesmarias era racialmente e etnicamente seletivo, os homens que não tinham o “sangue limpo”, como filhos bastardos de fazendeiros, os mestiços de brancos e índias, marginalizados e destituídos do direito de herança, se obrigavam também a ocupar novos territórios, devido a sua constante expulsão das terras já apropriadas. Entretanto, quando as fazendas (e concessões de sesmarias) chegavam até as áreas de expansão, os posseiros se transformavam em agregados ou moradores, pelo menos enquanto conviesse para o sesmeiro (Martins, 1980; Lima, 2016).
O primeiro século de colonização efetiva da bacia do rio Parnaíba, foi um período de guerras abertas entre posseiros, arrendatários, vaqueiros e jagunços patrocinados pelos sesmeiros, além da guerra de todos contra os indígenas (Machado, 2002; Miranda, 2016; Nunes, 2014; Santos Neto, 2021). Em torno dessa situação insustentável, arrendatários e posseiros, em aliança com a administração do Estado do Maranhão, do judiciário e forças políticas locais, se mobilizam para pôr fim a cobrança de renda pelos sesmeiros e pela regularização de suas posses, muitas delas, sobre concessões não utilizadas diretamente pelos primeiros sesmeiros (Lima, 2016; Porto, 2019). As questões de jurisdição entre as administrações coloniais do Brasil e do Maranhão dão uma ideia da dimensão que as disputas pelo controle da terra assumem nessa região, marcando a instabilidade frente a opressão dos sesmeiros que passam a fazer valer seu poder, inclusive por meio da violência armada (Santos Neto, 2021). Aliás, dadas as distâncias dos centros urbanos que detinham alguma estrutura de administração, o que vigorava nesses sertões era uma verdadeira gestão territorial privada, marcada pelo autoritarismo e pela falta de conexão com a aplicação das leis e regras da sociedade. A fazenda de gado se constitui como uma unidade territorial quase autônoma, inclusive com a formação de milicias para sua proteção, ou para dar apoio ao avanço sobre outras terras. A violência e ação criminosa de pistoleiros dos sesmeiros contra posseiros e outros opositores, tomam tamanha dimensão, que o assassinato de pessoas nas fazendas dos Sertões de Dentro é informada a Coroa portuguesa pelo Bispo de Pernambuco, em visita a essas terras, como a principal causa de morte do Piauí no início do século XVIII (Nunes, 2014; Pereira da Costa, 2015).
Na “Descrição do sertão do Piauí”, o Pe. Miguel de Carvalho já denunciava a situação sobre a terceirização da utilização terra por meio de arrendamento, o que igualava os sesmeiros a verdadeiros donatários, fato que será reconhecido também pela realeza em cartas régias posteriores (Carvalho, 2018). O conhecimento das reclamações fez a Coroa emitir uma Carta Régia em dezembro de 1695 limitando a dimensão das sesmarias a quatro légua de comprido por uma de largura. Valeu também a perseguição dos sesmeiros baianos da Casa da Torre ao Pe. Carvalho, que o forçaram o abandonar a freguesia da Vila da Mocha, e arrasaram as construções da paróquia erguidas por ele (Nunes, 2014; Porto, 2019). O teor da Carta Régia de 20 de janeiro de 1699, dirigida pela autoridade real para ao governador de Pernambuco, dá uma percepção da insatisfação da corte com a situação fundiária do Piauí, principalmente por julgar que a não ocupação das terras concedidas aos sesmeiros baianos causavam prejuízos ao progresso da capitania e comprometiam a geração de renda para a própria metrópole. De acordo com Nunes (2014), também recomendava que os conflitos de terras fossem assistidos pela justiça de Pernambuco, de forma a não gerar rompimentos causadores de estragos ainda mais graves, ou seja, a perda por morte de colonizadores brancos.
Assim, além da perda de jurisdição sobre as terras do Piauí por Pernambuco, as medidas fundiárias decretadas pela Coroa na citada Carta Régia de 1699 diminuíam o poder dos sesmeiros absenteístas. Em repostas ao clamor das populações do Piauí, as seguintes medidas fundiárias foram adotadas: recusa em confirmar concessões ilimitadas; restrição do tamanho das sesmarias a uma légua de comprimento por uma de largura; devolução das sesmarias não cultivadas diretamente, mesmo que cultivadas; anulação das sesmarias questionadas; e preferência de concessão a quem oferecesse a denúncia sobre o não cultivo (Pereira da Costa, 2015; Santos Neto, 2021). Porém, como explica Pereira da Costa (2015), os conflitos de jurisdição permanecerão ainda por mais alguns anos, o que fica comprovado pela emissão de ordens da capitania de Pernambuco sobre questões relacionadas ao Piauí, bem como de ordens da própria Coroa, dirigidas a Pernambuco.
Também nesse sentido, como se tornou praxe na administração colonial, as regras na concessão impostas na Carta Régia de 1699, logo seriam quebradas, gerando posições dúbias e repetições de ordens emanadas em documentos anteriores, devido a incapacidade de administrar os territórios mais distantes da faixa litorânea. De acordo com Porto (2019), a própria ordem de anexação do Piauí ao Estado do Maranhão não surtiu efeito imediato, e uma grande parcela da bacia do Parnaíba ficou sob influência e o poder de Pernambuco. Contrariando as regras de limitação de sesmarias e de jurisdição sobre o nosso território, em 15 de junho de 1705, foram lavradas diversas cartas de sesmarias pelo governador de Pernambuco, concedendo terras com quatro léguas de comprimento e outras tantas de largura, a moradores de Pernambuco, da Bahia e a fazendeiros já instalados no Piauí, todas no sertão de Parnaguá (Pereira da Costa, 2015, p. 70). Aliás, outra medida adotada pelo Ouvidor do Maranhão, declarando devoluta todas as terras do Piauí em 1714, teve que ser revogada, tamanha foi revolta gerada entre os sesmeiros, obrigando-se pela corte, a pedido da administração de Salvador, o reconhecimento das primeiras sesmarias emitidas concedidas por Pernambuco aos baianos.
Em 1715, o Piauí foi separado de Pernambuco, selando a vitória em mais uma batalha pelo Estado do Maranhão no plano formal. Em 1718, o governo colonial desse estado decreta a criação da capitania do Piauí, que só foi instalado 40 anos depois. Mas, em 31 de março de 1730 ainda foi emitida outra Carta Régia que disciplinava sobre a questão dos limites entre o Piauí e Pernambuco (Pereira da Costa, 2015; Porto, 2019; Santos Neto, 2021). Contudo, em 1724, o governo do estado colonial do Maranhão e Grão Pará retoma a emissão de sesmarias, sendo a primeira concedida nas margens do Parnaíba. Também em 1725 foi emitida uma data de terras entre o Igaraçu e o Parnaíba (Pereira da Costa, 2015).
A persistência dos graves conflitos fundiários podem ser compreendidas a partir da Provisão do Conselho Ultramarino de 03 de dezembro de 1743, dirigida ao governo de Pernambuco pela autoridade real, e oriunda de representação da Câmara da Vila da Mocha. No referido documento, a Coroa explicita os danos causados aos moradores do Piauí a partir da concessão desordenada de sesmarias pelo governo de Pernambuco aos sócios da Casa da Torre; o não cultivo de todas as sesmarias concedidas, e o reconhecimento de parte delas como devolutas; reconhece a situação de ocupação de posseiros e arrendatários como verdadeiros desbravadores, além da injusta cobrança de renda, e determina que as terras fiquem sobre suas posses; ordena a cessação imediata da cobrança de renda e reverte a renda das fazendas para a administração colonial, via conselho da câmara e da fazenda real; determina a averiguação da situação de ocupação das fazendas, registrando as informações em livros próprios da câmara; reconhece o conflito e a grave crise fundiária e determina que as intrigas sejam dirimidas pelos juízes ou pelo ouvidor e provedor real da fazenda daquela capitania (Pereira da Costa, 2015; Lima, 2016).
Todavia, somente em 1753, a coroa vai dar bases legais para uma solução definitiva que contemple sesmeiros e posseiros, de forma a “serenar os ânimos” (Nunes, 2014), embora mais uma vez levando em conta a repetição de regulamentos em normas sequenciadas. Pereira da Costa (2015, p. 119) explica que através de provisões de 11 e 23 de abril e mais outra de 02 de agosto de 1753, “foram cassadas, anuladas e abolidas todas as datas, ordens e sentenças dos negócio de terras no Piauí, em que se achavam envolvidos os antigos e novos possuidores”. Em 20 de outubro do mesmo ano, a coroa portuguesa se manifesta definitivamente sobre a questão de terras em torno das velhas sesmarias:
Para evitar as opressões e prejuízos que se me têm representado haverem padecido os moradores do Piauí, sertão da Bahia, e dessa capitania de Pernambuco por ocasião que se lhe moveram os chamados sesmeiros de um excessivo número de léguas de terra de sesmaria que nulamente possuem por não cumprir o fim para que se concederam, e foram dadas naqueles distritos a Francisco Dias de Ávila, Francisco Barbosa Cam, Bernardo Pereira Gago, Domingos Afonso Sertão, Francisco de Sousa Fagundes, Antonio Guedes de Brito e Bernardo Vieira Ravasco, experimentando os dito moradores grandes vexações nas execuções das sentenças contra eles alcançadas para expulsão das suas fazendas, cobranças de rendas, e foros das ditas terras, sobre o que mandei tirar as informações necessárias [...]. Fui servido, por resoluções de onze de abril e dois de agosto deste presente ano tomadas em consultas do meu Conselho Ultramarino, anular, abolir e cassar todas as datas, ordens e sentenças que tem havido nesta matéria para cessarem os fundamentos das demandas que pode haver por umas e outras partes, concedendo aos mesmos sesmeiros por nova graça todas as terras que eles tem cultivado por si, seu feitores, ou criados ainda que estas se achem de presente arrendadas a ouros colonos, nas quais não se devem incluir as que outras pessoas entraram a rotear, e cultivar ainda que fosse a título de aforamento, ou arredamento, por não serem dadas as sesmarias senão para os sesmeiros as cultivarem, e não para as repartirem, e darem aos outros que as conquistem, roteiem, e entrem a fabricar o que só é permitido aos capitães donatários, e não aos sesmeiros [...] e achando-se ainda incultas e despovoadas em que se devem pôr cláusulas com que ao presente se passam declarando léguas que compreenderem, e as suas confrontações, e limites; com declaração que cada uma das cartas não há de ser mais de uma data de três léguas de cumprido e uma de largo, e não serão contíguas umas a outras, porque deve medear entre elas ao menos uma légua de terra, e as três léguas da data serão continuadas, e não interceptas com nenhum pretexto porque lhe é lícito escolher as terras capazes de cultura de que se lhes passe carta sem incluírem maior extensão que as três léguas com o motivo de entrar nelas terras incultas tudo na forma de repetidas ordens que há para se evitarem as fraudes na extensão das fazendas e as perturbações e contendas que há, quando se não acautelam nas cartas essas cláusulas (Pereira da Costa, 2015, p. 120-122).
De acordo com Lima (2016), essa decisão da coroa consolidou a organização do espaço e a organização social, ambas em torno da classe latifundiário-escravista, de forma a consolidar o poder sobre o território. O ordenamento do espaço, mesmo com o controle da dimensão de concessão de sesmarias, com três léguas de comprimento e uma de largura, inseria-se uma zona intermediária de uma légua entre as sesmarias, para favorecer a continuidade do criatório extensivo, e evitando-se a ocupação de forma legal desses espaços comuns, onde não poderiam ser erguidas benfeitorias. Essa medida, no entanto, serviu para garantir a expansão dos latifúndios, porque embasava a expulsão e perseguição aos pequenos posseiros, que sem acesso à terra legal, buscavam se estabelecer ou pelos menos fazer algum tipo de uso nesses espaços vazios. E com o tempo essas áreas comuns, utilizadas como extensões dos latifúndios, foram divididas entre as fazendas, caracterizando mais uma forma de apropriação sobre a natureza que naturaliza a grilagem de terras. A nova organização social foi inaugurada com a amenização dos conflitos e o reconhecimento das duas categorias de latifundiários, os sesmeiros absenteístas, com a garantia de manutenção das terras já por eles utilizadas e o direito de requisição de novas sesmarias para serem exploradas a suas expensas; bem como garantiam a concessão de terras para os posseiros e arrendatários, já grandes fazendeiros e criadores de gado.
A cultura de tentar exercer o poder do Estado pela constante repetição de normas, quase sempre descumpridas, estava relacionada diretamente com as dificuldades de aplicação direta da autoridade da coroa num território vasto, pouco conhecido, pouco consolidado, e com significativas assimetrias populacionais entre a costa e o interior. Soma-se a isso a estratégia de concentração da administração em núcleos urbanos, o que foi decisiva para entregar os poderes nas mão das elites locais, pois a maioria das vilas não dispunham de autoridades policiais, judiciais e legislativas. Essas funções eram exercidas por pessoas leigas ligadas aos latifundiários, o que minava os poderes da coroa frente aos interesses locais. Assim, a incapacidade do governo em exercer sua autoridade foi compensada pela constante edição de ordens repetidas, frente a “dependência obsessiva” de demonstrar poder através da burocracia como solução aos problemas locais, hábito da coroa portuguesa que se perpetuou no Brasil (Holston, 2013, p. 100). Como se observou, tal repetição de ordens, ficou bem caracterizada nas constantes emissões de documentos referentes ao regime fundiário.
Entretanto, a ação mais incisiva de ordenamento fundiário foi adotada na instalação definitiva da capitania do Piauí, já na era pombalina, sob o comando do governador João Pereira Caldas, quando foram designados e o desembargador de Lisboa Francisco Marcelino Gouveia, auxiliado pelo engenheiro militar e cartógrafo Henrique Galúcio, para realizar o complexo trabalho de levantamento da situação fundiária e demográfica da capitania de São José do Piauí, além de fazer a revisão das demarcações das sesmarias e o sequestro dos bens dos jesuítas (Miranda, 2018; Santos Neto, 2021). Além de dividir a capitania em mais 6 municipalidades, foram produzidos dois importantes documentos de forma articulada, a carta geográfica de Galúcio e a relação de todos os possuidores de terras da capitania de São José do Piauí (Gouveia, 2018), com o objetivo de “referenciar o ordenamento territorial piauiense” dali em diante (Santo Neto, 2021, p. 72). De acordo com Miranda (2018, p. 261), esse documento concluído em 1762, “passou a servir de suporte em todas as decisões reais sobre a concessão de sesmarias e posse de terras na capitania de São José do Piauí, enquanto durou a fase colonial”.
É essa nova base de concessão sesmarial, fundada a partir das anulações das sesmarias desmedidas e da confirmação das que os colonizadores realmente tornaram produtivas, tanto sesmeiros e seus descendentes, quanto prepostos, arrendatários e novos colonizadores, que vai “lastrear” a base jurídica e a dominialidade da terra aqui no Piauí, inclusive para subsidiar as confirmações e demarcações futuras, seja no período imperial, seja no período republicano (Santos Neto, 2021). Nesse sentido, é essa base documental que vai possibilitar a acomodação de todos os colonizadores para fundar a subjetivação da terra como mercadoria, protegendo-a, dos povos subalternizados, como pequenos posseiros, indígenas, escravizados e mestiços, tendo como manto, as perspectivas jurídicas de território importadas e reconstruídas na colônia, mesmo que ainda baseada incialmente no utilitarismo. Essa documentação significa também a base para ocultação das territorialidades dos povos pré-existentes, inclusive para o apagamento de suas relações territoriais da memória coletiva e documental, já não se referem as nações indígenas como limitantes das extensas concessões, como ocorriam nas sesmarias iniciais. A diminuição das referências na literatura sobre a concessão de novas sesmarias após o ano de 1751, dão indícios que ocorreu um declínio nas dadas de terras, provavelmente porque os disputados vales úmidos dos rios principais já estavam ocupados. Em Pereira da Costa (2015) encontramos informações sobre emissões de 07 sesmarias no sertão do Parnaíba, sendo quatro em 1753, uma em 1759, e duas em 1760; além de duas na sub-bacia do Gurguéia/Paraim, sendo uma em 1760, e outra em 1766.
Todavia, as informações sobre a emissão de sesmarias na bibliografia não são absolutamente precisas, eis que muitas concessões podem ter sido passadas despercebidas pelos pesquisadores. Os dados catalogados na biblioteca virtual do Instituto de Terras do Estado do Piauí (INTERPI) sobre as sesmarias contemplam 496 registros de concessões de terras entre os anos de 1723 e 1760 a partir de cópias dos arquivos públicos localizados em Belém e São Luis, além de 279 registros de concessões entre 1798 e 1823, sendo estas informações obtidas a partir do livro índice das cartas de sesmarias registradas na Junta Real da Fazenda (ÍNDICE, s.d.). Assim, entre a última concessão de sesmaria destacada por Pereira da Costa (2015), em 1766, e a primeira contida no referido livro índice, em 1798, há um lapso temporal extenso de 32 anos, frente a importância que simbolizavam as sesmarias para o empoderamento sobre o território. A relação de possuidores organizada por Gouveia (2018), deixa transparecer que, a partir daquele ordenamento fundiário, finalmente se adquiria a segurança necessária para continuar a concessão de sesmarias, o que faz Santos Neto (2021) interpretar que as concessões foram refreadas por conta da ocupação de todo espaço fundiários da capitania do Piauí:
Relação de todos os possuidores de terras desta Capitania de São José do Piauí, com declaração das porções que atualmente cada um possui, e das que lhe tinham sido concedidas pela datas que se acham anuladas; [...] e extraídas de muitas informações que mandei fazer pelas pessoas de maior conhecimento da ditas terras, e das notícias que pessoalmente solicitei e adquiri em toda a Capitania, a qual há de ter princípio pela certeza que se pode dar das poções de terras concedidas pelas datas anuladas, à vista destas, depois do que se seguirá e das porções de terras de que as mesmas pessoas, a quem as ditas datas dizem respeito, se acham de posse, e ultimamente as dos mais possuidores (Gouveia, 2018, p. 265).
Levando em conta que as primeiras sesmarias foram concedidas ao longo dos principais cursos d’água da bacia do Parnaíba, pode se compreender que muitos espaços ainda não haviam sido concedidos, ou foram desprezados por se localizarem afastados das ribeiras. Provavelmente é o que ocorreu nas sobras de terras próximas aos riachos de menor importância e mesmo nos fundos das sesmarias confirmadas, cujos limites demarcados nunca seguiam a poligonal concedida, além das próprias terras abandonadas e tornadas devolutas. É o que nos leva a compreender a leitura do índice das cartas de sesmaria registradas na Junta da Real Fazenda. No referido documento, muitas concessões tomam como referência ribeiras e cursos d’água secundários, como riachos, brejos, veredas, ou outros referenciais de recursos hídricos, como lagoas, nascentes e olhos d’água. Também se referem a termos que dão uma ideia de relevo, divisão de bacias ou expressam uma ideia de lugar mais remoto, como cabeceiras12, sacos13, chapadas e divisores de água com capitanias 14. Por fim, se referem a concessões em sobras de terras entre outras sesmarias, sobras de terras de fazendas, sobras e terras devolutas, e terras com limites com outras fazendas (ÍNDICE, s.d.). Assim, interpretamos que o refreamento na concessão de sesmarias se deu mais como medida de acomodação do trabalho de revisão fundiária realizado pela administração da capitania a partir de sua instalação, e da extensa apropriação sobre os vales dos cursos principais, do que por falta de espaço para novas concessões.
Embora as sesmarias representassem apenas concessões de terras, isso não quer dizer que não existissem vendas de terras no período colonial. Lima (2016) observa que no primeiro quartel do século XVIII encontrou uma referência a compra e venda de terras entre fazendeiros no ano de 1721, no vale do rio Poti, mas que não foi validada justamente por tratar-se de sesmaria inculta. Todavia, segundo se extrai da relação dos possuidores de terras da capitania de São José do Piauí, no segundo quartel do mesmo século, a venda de terras no período que antecedeu a criação da capitania se torna um fato comum (Gouveia, 2018). No referido documento, cita-se a compra e venda para referendar os domínios dos possuidores sobre fazendas em todas as freguesias, sendo 19 delas localizadas apenas na Freguesia de Nossa Senhora do Livramento da Vila de Parnaguá, e 14 na Freguesia de Santo Antonio da Goroguea da vila de Jerumenha do Piauhy, a título de exemplo.
Ignácio de Mello Rezende possui a fazenda das Guaribas, sita no riacho do Contrato, com quatro léguas de comprido e duas de largo, a qual lhe pertenceu por falecimento de seu pai Gonçalo de Mello Rezende, que tinha comprado de Manoel da Silva, como constou de um escrito particular de compra e venda apresentado pelo atual possuidor, que declarou não ter outro título da dita fazenda (Gouveia, 2018, p. 273).
Segundo pode se extrair desse documento histórico, a compra e venda da fazenda de gado era aceita pela Coroa portuguesa, embora subtenda-se que essa operação só poderia ser realizada por quem detivesse o usufruto direto da terra. No mesmo sentido da compra e venda, a herança era um meio comum para transferência de domínio, mas fica subtendido que também era necessário que os herdeiros tivessem sobre a posse das terras, pois o mesmo não ocorria com as terras abandonadas ou deixadas por falecidos em herdeiros, as quais eram postas para arrematação em praça pública, numa operação conduzida pelo juízo dos ausentes e órfãos. Nesse sentido, fica claro que a carta de sesmaria não representava o título que simbolizava a propriedade por si mesmo, capaz de gerar valor, pois precisava ser referendada pelo uso, o que demonstra claramente que em meados do século XVIII a subjetividade da terra como mercadoria ainda estava em plena construção.
No período colonial, assim como no período imperial, não existia um órgão único com a função de registro de terras. Assim diversas instituições são reconhecidas como sedes para os registros das transferências de terras, como a escrivania vicarial da vara, com sede na Vila da Mocha; os livros da Câmara de Vereadores, ouvidorias e provedorias. Nesse tempo, a câmara de vereadores tinha função administrativa auxiliar junto a Ouvidoria-Geral (Santos Neto, 2021). A Provisão do Conselho Ultramarino de 03 de dezembro de 1743 dá uma ideia da importância desse órgão para o registro das informações fundiárias, já que determina que todo o diagnóstico fundiário daquele período fosse registrado em seus livros. Paranaguá (1985) também apresenta com bastante precisão, uma ideia de espaço-tempo que determinava o funcionamento do regime de sesmarias nessa parte do sertão nordestino, dado o lapso das respostas às demandas por sesmarias, frente a distância ultramarina entre a colônia e a metrópole e aos transportes da época; a subalternidade administrativa e a própria desorganização do sistema que esses fatores em conjunto determinavam:
A primeira data demarcada no município de Parnaguá, a data Jacaré, foi requerida por Baltazar Carvalho da Cunha e não se sabe bem em que época. Sabe-se, porém que, concedida pelo Governador do Maranhão em 1721, só se confirmou em 1747, e já beneficiando uma sobrinha e herdeira, isto porque o primeiro requerimento, indo a Portugal, para a necessária confirmação, na 1ª vez, se perdera, por naufrágio ou desvio qualquer, sendo necessário novo processado, após longos anos de espera. Assim mesmo, só em maio de 1754 demarca-se essa data e, simultaneamente, sua vizinha paralela, Fazenda do Meio, requerida por um Gaspar Carvalho da Cunha, talvez irmão ou parente próximo de Baltazar, que requerera a data Jacaré (Paranaguá, 1985, p. 49).
Autores como Lima (1990), Holston (2013) e Miranda (2018) destacam que esse regime de terras foi uma legislação aplicada de modo descontinuado, sem coesão, marcado pelas contradições e repetições de ordens, e ainda dispersas numa diversidade de tipologias normativas, como cartas, alvarás, provisões, forais e outros textos. A repetição de normas com antigas ordens emanadas se tornam praxe na Coroa portuguesa, criando mais caos no regime de sesmarias. Em 03 de março de 1702, foi emitida uma Carta Régia ordenando que todos os sesmeiros, donatários e povoadores do Piauí, demarcassem duas terras no prazo de 02 anos, ou seja, a repetição de uma ordem já constante nas próprias cartas das conceções iniciais. Já em 1741, também por Carta Régia, o Governo Português determinou ao Ouvidor da vila da Mocha que as terras deixadas pelo falecido Domingos Afonso Mafrense fossem demarcadas por agrimensor, fixando-se seus limites através de marcos naturais, tais como rios, montanhas, encostas, lagos, matas, entre outras. E em 14 de outubro de 1744, foi novamente emitida uma Provisão estabelecendo o limite de três léguas para cada sesmaria que se desse no Piauí, ordem que foi repetida na Provisão de 20 de outubro de 1753 (Alencastre, 2015).
Como se extrai das discussões anteriores, a capitania de São José do Piauí nasce da necessidade de apaziguar conflitos fundiários entre colonizadores latifundiários que se materializa pela aplicação de uma importante medida de gestão fundiária determinada pela Coroa portuguesa, a revisão das sesmarias exageradas concedidas por Pernambuco. O conflito, neste caso, foi por terra, em torno do mesmo uso e dentro da mesma raça, ou seja, homens brancos colonizadores (ou mestiços aceitos como brancos pela ascensão de poder), todos fazendeiros e criadores de gado, mesmo que em terras não documentadas. Como se tratava de “iguais”, a Coroa portuguesa, ao contrário de negligenciar tal conflito, como fez entre o colonizador e o indígena, que resultaram em verdadeiras carnificinas, tratou de intervir via medidas fundiárias e de gestão territorial, para diminuir seus danos à empresa colonial. Não havia aberturas no imaginário do europeu e seu universo colonial para reconhecimento dos outros e de suas territorialidades, por isso promoveram as guerras de extermínio, a dispersão dos povos anteriores e o combate aos quilombos. Entretanto, a perda de vida do fazendeiro colonizador branco ou do mestiço “branqueado”, seus “iguais” na colônia, causariam prejuízos para o povoamento com o branco e sua genética, o único enxergado (falsamente) como capaz de conduzir o progresso da nova capitania.
Para colonizar o território e subalternizar os outros povos foi necessário transportar as instituições da metrópole e ao mesmo tempo impregnar suas simbologias subjacentes como algo verdadeiro ou não contestável, apagando as outras simbologias não reconhecidas ou desprezadas. Isso ocorreu sempre amparado numa razão dominante, seja em relação ao divino, que justifica o domínio sobre a natureza; seja pela ciência, como no caso da filosofia e o direito, que ampara a construção da terra como mercadoria; seja pelo livre mercado, que se apoia na volatilidade da terra como oportunidade de progresso e se apresenta com solução para todas as crises, inclusive de desenvolvimento pessoal e da própria crise ambiental, todas criadas pela própria economização do mundo e seus regramentos excludentes.
Com base nas discussões apresentadas, compreende-se que a fazenda de gado foi elemento que contribuiu para a fundação da construção conceitual da terra como mercadoria no Piauí, e para a subalternização dos que não a possuíam aqui dentro. Foi nela que se construiu a diferença colonial desde o devassamento: quem pode ser o fazendeiro, mesmo que posseiro ou arrendatário, ou seja, homens brancos; e quem deve ser eliminado e subalternizado por suas diferenças étnicas e raciais, os indígenas e negros. Nesse sentido, é a base jurídica do regime de sesmarias e que ampara a instalação da fazenda de gado, que vai dar sustentação à colonialidade do território, porque se sobrepõe sobre os mesmos espaços dos povos pré-existentes, agora “limpos”, apagando as marcas territoriais anteriores, inclusive da memória coletiva, e que se impõem como a territorialidade dominante e quase inquestionável. Todavia, nem todos os espaços vão ser “dragados” pelo mercado de terras, e que muitas relações territoriais diferenciadas, embora subalternizadas e não dominantes, vão sobreviver, ativas ou latentes, as investidas do capital, o que vai marcar diversas insurgências de lutas pelo território, inclusive na atualidade.
Considerando que as atividades econômicas estavam quase que totalmente ligadas a terra, o regime de sesmarias poderia ser considerado com um sistema de gestão territorial misto, com ascendência administrativa pública na Coroa, mas com o controle local e de repressão pelos latifundiários. Na colônia, o latifúndio surge do mau uso do regime de sesmarias, fruto do sentido único de exploração da colônia e da falta de preocupação com os povos que construíram a sociedade brasileira. Através desse regime se garantia a retomada e redistribuição da terra em função do utilitarismo, ainda incompatível com a função de mercadoria. Entre a disjunção inicial e a consolidação da subjetividade da terra como mercadoria no Piauí, houve um percurso de tempo e conjugação fatos e ações que partem do período colonial e se estendem inclusive até o período republicano, porque a formação dos mercados de terra no Brasil não ocorrem na mesma temporalidade. Eles vão seguindo a instalação de arranjos produtivos criados a partir de necessidades do capitalismo global, que vão dominando o cenário econômico e conduzindo a abertura das novas frentes agrícolas, de forma a incorporar novas terras e territórios ao circuitos capitalistas, sedimentando a colonialidade do território como explicam Assis (2014), Barbosa e Porto-Gonçalves (2014).
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1 Engenheiro Agrônomo (1995). Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (2018). Discente de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí. Servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. E-mail: pgalencar@yahoo.com.br. https://orcid.org/0000-0002-7860-6374.
2 Engenheira Cartógrafa (2002). Mestrado e Doutorado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto nacional de Pesquisas Espaciais (2006 e 2012). Profa. Dra. do Centro de Tecnologia e da Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Piauí. E-mail: giovanamira@ufpi.edu.br. https://orcid.org/0000-0003-2691-8496.
3 Graduada em Ciências Sociais (1996) e Direito (2003). Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (2005). Doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (2009). Estágio pós-doutoral pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Profa. Associada do Departamento de Direito e da Pós-Graduação em Sociologia e o de Gestão Pública, Universidade Federal do Piauí. E-mail: mariasuelirs@ufpi.edu.br. https://orcid.org/0000-0003-4611-2262.
4 “Sertão de Dentro” era o termo aplicado para designar as regiões mais interioranas do sertão nordestino alcançadas pelas correntes colonizadoras que partiam da Bahia, após transpor o vale do rio São Francisco, em contraposição a denominação de “Sertão de Fora”, que designava a expansão pecuária colonizadora de áreas mais próximas ao litoral, no Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará (Miranda, 2016).
5 Doze léguas em quadro corresponde a aproximadamente 627,3 mil hectares, ou 6.273 Km². Para fins de comparativo, corresponde a 4,5 vezes a extensão territorial do município de Teresina, capital do Piauí.
6 O uso do termo grilagem para caracterizar a terra irregularmente apropriada e registrada ilegalmente, vem de um antigo artifício utilizado pelos fraudadores para dar uma aparência envelhecida aos documentos novos. Consistia em colocar os documentos falsos junto com diversos “grilos” (Insetos da Ordem Orthoptera, da Família Gryllidae) em um recipiente fechado, de forma a modificar o aspecto inicial do papel pelo contato com as fezes do inseto. Assim, como o tempo as folhas apresentavam manchas ferruginosas, corrosão nas bordas e orifícios na superfície, indicando uma falsa ação do tempo (BRASIL, 1999).
7 A Casa da Torre foi a principal empresa de expansão colonial nos Sertões de Dentro, responsável inclusive, pela colonização da região que origina a primeira capital do futuro Estado do Piauí. Chefiada pelos D’ávilas, tiveram como sócio Domingos Afonso Mafrense, considerado um dos pioneiros no devassamento do Piauí, na guerra genocida contra os indígenas, pela introdução do trabalho escravizado e pela instalação das principais fazendas de gado nos primeiros 50 anos de colonização efetiva (LIMA; 2016; SANTOS NETO; 2021).
8 Nessa primeira levadas de concessões por Pernambuco, Pereira da Costa (2015) cita as quatro dadas de sesmarias nos anos em 1676, na margens do rio Gurguéia; diversas em 1681, nas margens do rio Parnaíba, rio Paraim, afluente do rio Gurguéia, as terras entre o Itapecuru (Maranhão) e Gurguéia; em 1684, nas margens do rio Gurguéia e Paraim, nas margens do rio Tranqueira, afluente do rio Piauí; e mais quatro em 1686.
9 Dez léguas em quadro correspondem a aproximadamente 435 mil hectares, quase dez vezes a extensão territorial do município de Parnaíba, principal município da região litorânea do Piauí.
10 Embora os primeiros historiadores do Piauí tratem os conflitos entre fazendeiros brancos colonizadores como conflitos entre vaqueiros e sesmeiros, Lima (2010) explica que a figura do vaqueiro que encabeçou as disputas contra os sesmeiros, se refere ao preposto ou administrador das fazendas. São homens de confiança, e às vezes, até com parentesco com os sesmeiros, cujo os vínculos vão se rompendo com as sucessões de gerações e com a ideia da posse utilitária, que vigorou ainda mais forte nessa fase de transição da construção subjetiva da terra como mercadoria no sertão ganadeiro. Ainda segundo Lima (2016), a figura do vaqueiro se refere-se tanto ao criador que tem a função de administrar a fazenda do sesmeiro absenteísta, portanto, seu preposto, quanto a do vaqueiro auxiliar do proprietário presente. Ambas são relações de parcerias, remuneradas pela “sorte”, um direito a um percentual sobre as crias do rebanho.
11 Alencastre foi funcionário do alto escalão do governo imperial. Além de ter sido promotor e fiscal da fazenda no Piauí, foi presidente das província de Goiás e Alagoas (Pereira da Costa, 2015).
12 Áreas acidentadas, localizadas geralmente em encostas de chapadas, serras e morros.
13 O termo “saco” se refere a uma porção de terras encravada entre morros, serras ou chapadas.
14 Associados as chapadas da caatinga, que dominam toda extensão leste de divisa do Piauí.
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