Revista Perspectivas: Estudios Sociales y Educación Cívica
N.° 28. Enero-junio, 2024
ISSN electrónico: 2215-4728
Doi: http://dx.doi.org/10.15359/rp.28.04
URL: http://www.revistas.
una.ac.cr/perspectivas
Licencia CC BY NC SA 4.0
Diálogo das ideias de significância de estudantes portugueses com o contributo de Peter Seixas
Diálogo entre las ideas de significación de los estudiantes portugueses y la contribución de Peter Seixas
Dialogue of Portuguese Students’ Conceptions of Significance with the Contributions of Peter Seixas
Marília Gago1
Sara Oliveira2
Fecha de recepción: 30/06/2023 - Fecha de aceptación: 15/09/2023
Resumo: O presente estudo de investigação procura compreender de que forma os estudantes portugueses no fim da escolaridade obrigatória, de 12.º ano, atribuem significância histórica a acontecimentos e agentes históricos da história de Portugal dos últimos 100 anos. A recolha de dados foi efetuada por questões de resposta aberta, analisadas de forma indutiva inspirada nas propostas de categorização e análise da Grounded Theory, em linha com os estudos da investigação em educação histórica. Os estudantes apresentaram vários tipos de atribuição de significância, surgindo com mais frequência a significância Causal e a significância Padrão. Estas ideias sugeriram um modelo de ideias com 3 níveis, sendo o Nível 2 - Significância contextual emergente com tipos de atribuição, únicas ou várias, de Contemporânea e Causal, o mais frequente, seguido do Nível 3 - Significância contextual emergente com tipos de atribuição, únicas ou várias, de Padrão e para a Atualidade. Palavras-chave: educação histórica; significância histórica; consciência histórica; história de Portugal; agentes históricos; Estudos Sociais. |
Resumen: Este estudio de investigación pretende comprender cómo los estudiantes portugueses que están al final de la enseñanza obligatoria, en el 12º curso, atribuyen al significado histórico de los acontecimientos y agentes históricos de la historia de Portugal en los últimos 100 años. Los datos se recogieron mediante preguntas abiertas, analizadas de forma inductiva inspirada en las propuestas de categorización y análisis de la Teoría Fundamentada, en línea con los estudios de investigación en Educación Histórica. Los alumnos presentaron varios tipos de significado histórico, siendo la significación causal y la significación estándar las que aparecieron con mayor frecuencia. Estas ideas sugirieron un modelo de 3 niveles de ideas, siendo el Nivel 2 - Significado contextual emergente con tipos de atribución únicos o múltiples de Contemporáneo y Causal el más frecuente, seguido del Nivel 3 - Significado contextual emergente con tipos de atribución únicos o múltiples de Estándar y Actual. Palabras clave: Enseñanza de la Historia; Significación histórica; conciencia histórica; historia de Portugal; agentes históricos; Estudios Sociales. |
Abstract: This research study aims to investigate how 12th-grade Portuguese students, concluding their compulsory education, attribute historical significance to events and historical agents in the history of Portugal over the last 100 years. Data was collected using open-ended questions, analyzed through an inductive way inspired by the categorization and analysis methods proposed by Grounded Theory, in line with research studies in History Education. The students presented various types of attribution of significance, with Causal significance and Standard significance being the most prevalent categories. These findings suggested a 3-level model of ideas, with Level 2 - Emerging contextual significance with single or multiple attribution types of Contemporary and Causal being the most frequent level encountered, followed by Level 3 - Emerging contextual significance with single or multiple attribution types of Standard and Current. Keywords: history education; historical significance; historical awareness; history of Portugal; historical agents; Social Studies. |
Vista como uma das principais ferramentas do historiador (Seixas, 1994) a significância histórica apresenta-se como um conceito de segunda ordem fundamental para o desenvolvimento do pensamento histórico dos estudantes e para a “formação” de uma consciência histórica sofisticada. Ainda assim, no currículo em Portugal a referência a este conceito é escassa, não sendo mencionada nos documentos curriculares do ensino básico, onde grande parte dos estudantes portugueses termina os seus estudos sobre História porque no ensino secundário a disciplina de História apenas faz parte do currículo dos estudantes que seguem a área das Humanidades, e surgindo tenuemente no ensino secundário. A importância deste conceito relaciona-se com a importância da própria História, como refere Cercadillo (2000) é fundamental que os estudantes compreendam o porquê de ser importante estudar História, caso contrário, para que é que ela serve? Deste modo, a significância histórica tem de ser trabalhada na sala de aula, para que as realidades históricas estudadas não sejam, apenas, um acumular de informações, com ligações pouco claras entre si, cujo significado é desconhecido para os estudantes (Seixas, 1994). Devem ser criadas ligações entre fenómenos passados e a atualidade, visto que a História é uma interpretação do presente e o nosso interesse pela História está relacionado com o nosso interesse em contextualizar a atualidade (Cercadillo, 2000).
A significância histórica, assim como os restantes conceitos de segunda ordem, devem ser trabalhados em sintonia com os conceitos e conhecimentos substantivos nas aulas de História. Estas aulas devem ser pensadas e operacionalizadas com base em tarefas que envolvam e exijam um esforço mental complexo cognitivamente situado, por parte dos estudantes, transformando-se o professor num investigador social, centrando-se a sua ação no conhecimento do mundo conceptual dos seus estudantes e orientando-os para aprender a pensar historicamente (Barca, 2021). Para isso, é necessário transformar a sala de aula numa oficina do historiador, onde os estudantes devem desenvolver o ofício do historiador e “fazer história”, um processo fruto de constante construção, desconstrução e reconstrução. Neste processo são colocadas questões de investigação, desafios históricos a resolver que orientam o trabalho a ser desenvolvido, onde se questionam fontes diversas, em suporte, estatuto e mensagem, se interpretam as respostas que emergem das questões colocadas, se criam ligações entre fenómenos e materializa-se o conhecimento e pensamento histórico numa narrativa descritiva-explicativa naturalmente perspectivada (Gago & Ribeiro, 2022). Estas preocupações enquadram-se na Educação Histórica e colocam em prática o seu principal objetivo: ensinar e aprender a pensar historicamente.
Tendo em consideração a relevância da significância histórica para a própria História enquanto ciência e para uma aprendizagem significativa dos estudantes que seja útil para a vida prática, desenvolveu-se um estudo com os estudantes portugueses, com o objetivo de dar resposta à questão de investigação: “De que forma(s) os estudantes portugueses pensam e atribuem significância a acontecimentos e agentes históricos da História de Portugal?”. Esta questão engloba os seguintes objetivos orientadores: Compreender como é que os estudantes pensam a significância Histórica, se mobilizando contextualizadamente uma ideia de big picture ou se limitam a uma significância per si dos acontecimentos e agentes históricos; Mapear quais os critérios utilizados pelos estudantes para avaliar a significância de acontecimentos e agentes históricos.
Os historiadores têm de selecionar os fenómenos do passado que pretendem estudar, pois não é possível estudar-se todo o passado humano (Seixas, 1994), e ao selecionarem as realidades do passado a estudar, estão a considerá-las historicamente significantes. À semelhança dos historiadores, também os estudantes de História devem ser capazes de analisar fenómenos históricos à luz de critérios específicos. Partindo de vários estudos de investigação na área da Educação Histórica e da significância histórica, propõem-se critérios e etapas considerados relevantes para orientar o trabalho dos estudantes aquando da avaliação da significância de realidades históricas (em que acontecimentos e agentes históricos estão incluídos) (Oliveira & Gago, 2022):
A.avaliar a sua importância para as pessoas da época (Partington, 1980), sem cair em presentismos – atribuição de Significância Contemporânea (Cercadillo, 2000);
B.identificar as suas consequências a curto, médio e longo prazo, e identificar a quantidade de pessoas que afetaram, a profundidade e a durabilidade do seu impacto na vida dessas pessoas (Partington, 1980; Seixas, 1994) - atribuição de Significância Causal (Cercadillo, 2000);
C.perceber se constitui um ponto de viragem na História – atribuição de Significância Padrão (Cercadillo, 2000);
D.estabelecer uma relação com outra(s) realidade(s) do passado (Seixas, 1994) – a significância histórica deve ser contextualizada, analisada numa perspectiva que se aproxima da ideia The Big Picture proposta por Shemilt (2011), para que a sua significância seja além da intrínseca, da significância per si;
E.analisar o seu contributo para compreender a vida na atualidade (Partington, 1980) e criar hipóteses de horizontes de expectativa/futuro (Seixas, 1996). A relação com a atualidade pode ser realizada através de uma abordagem narrativista, ou seja, numa perspectiva que entende o presente como fruto do passado, e/ou através de uma abordagem contrastante e/ou em paralelo entre situações passadas e atuais (Boix-Mansilla, 2000). A História pretende trilhar caminhos que nos orientem temporalmente, nos passados, nos presentes que se lhe sucederam, na atualidade, e no futuro não definido e controlado, pelo que é importante que as realidades sejam analisadas de forma a deslindarmos possíveis pistas de ação que nos podem ajudar a compreender o que pode acontecer na atualidade e no futuro, tendo em atenção o passado, de forma contextualizada, sem cair em presentismos e com as devidas “distâncias históricas” – atribuição de Significância para o Presente e para o Futuro (Cercadillo, 2000);
F.criar uma relação entre a realidade histórica e as nossas próprias vidas, com a nossa realidade familiar e cultural e com a nossa experiência pessoal (Seixas, 1994) –Significância Reveladora, atribuição de significância que revela algo sobre quem a atribui e a sociedade em que vive (Cercadillo, 2006). A significância muda conforme o tempo histórico em que se encontra a pessoa que a avalia e conforme as questões colocadas por essa pessoa, pelo que a significância histórica, à semelhança da narrativa histórica, é multiperspectivada (Cercadillo, 2000; Alves, 2007).
As atribuições de significância a realidades passadas são sempre guiadas pelas preocupações atuais (Cercadillo, 2000), devendo debater-se com os estudantes a significância das realidades em estudo, não esquecendo que a significância é multiperspectivada e tem de ser contextualizada. Sendo que aquilo que mais importa nos estudos realizados sobre significância não são os acontecimentos e os agentes históricos que os estudantes consideram mais relevantes, mas sim quais são os seus argumentos para justificar a significância deles, contribuindo também desta forma para trabalhar e sofisticar as ideias dos estudantes acerca da explicação histórica. No que diz respeito a argumentos, existem argumentos mais e menos válidos para a atribuição de significância, os estudantes várias vezes apresentaram os seus próprios critérios e nem sempre vão ao encontro daquilo que se pretende ser histórico. Por exemplo, em estudos realizados por Seixas (1997) no Canadá e Monsanto (2004) em Portugal, os estudantes apresentaram ideias que fizeram emergir as categorias de significância Objetivista Básica e Subjetivista Básica, em que na primeira os critérios utilizados baseavam-se na atribuição de significância a realidades passadas validadas por autoridades, como professores, historiadores e manuais escolares, os estudantes consideraram que se essas realidades são mencionadas e valorizadas por essas autoridades é porque são importantes; pelo que nestes casos os estudantes não analisam a relevância nem refletem sobre ela, apenas repetem o que ouviram e aceitam sem questionar. Na categoria Subjetivista Básica os estudantes apresentam como critérios os seus gostos e interesses pessoais, ou seja, uma realidade histórica é relevante se lhes despertar interesse, não importando a relação entre eventos ou os contextos em que se inserem.
Estas duas categorias apresentam ideias de senso comum, que não sendo históricas implicam um trabalho de desconstrução e reconstrução, que só pode ser realizado através de tarefas orientadas em sala de aula, quer sejam tarefas escritas quer seja através do debate aberto em grupo turma, em que os estudantes são incentivados a apresentar e debater critérios, discutindo sobre a sua validade (ou falta dela). Aqui é necessário que os professores orientadores tenham consciência daquilo que implica “fazer” história, um processo complexo, fruto de construções, desconstruções e reconstruções, baseado na análise das evidências do passado, que nos chegam através das fontes históricas, e do cruzamento de várias perspectivas, tendo sempre em atenção a ideia de uma big picture, em que a História, para fazer sentido, tem de ser analisada e contextualizada de modo abrangente. Um processo complexo como este, que implica a transformação constante do nosso mundo de ideias (Gago & Ribeiro, 2022) não pode ser reduzido a simples questões de gostos e interesses pessoais. Esta problemática agrava-se quando se confunde a História ciência com uma “História” mais romantizada, voltada para o senso comum e para o entretenimento. Neste contexto o sentido da História e do ensinar História parece perder-se, valorizando-se a emoção em detrimento do racionalismo. Há espaço para os dois nas aulas de História, os gostos pessoais, a História mais ficcionada e a emoção podem ser utilizadas como um chamariz, mas não podem, em caso algum, ser um fim em si mesmas.
Nos estudos de Seixas (1997) e Monsanto (2004) surgiram também ideias mais sofisticadas e que se aproximam mais daquilo que é histórico, essas ideias originaram as categorias de significância Objetivista Sofisticada, Subjetivista Sofisticada e Narrativista. A categoria Objetivista Sofisticada emergiu de ideias que englobam noções de impacto e durabilidade dos acontecimentos na vida das pessoas, valorizando acontecimentos causadores de mudanças. A categoria Subjetivista Sofisticada surge quando os estudantes valorizam acontecimentos que tiveram impacto nas suas vidas ou na vida de grupos com que se identificam, vão ao encontro dos seus interesses pessoais, mas de uma forma contextualizada. Por fim, a categoria Narrativista e a mais sofisticada, nasceu das ideias de estudantes que escreveram uma breve narrativa e que apresentam os acontecimentos numa perspectiva aproximada da ideia de big picture, contextualizando e relacionando acontecimentos em diferentes segmentos temporais, articulando esses acontecimentos com os interesses pessoais dos estudantes, de forma contextualizada, e com perspectivas de futuro.
No estudo realizado por Cercadillo (2000) com estudantes ingleses e espanhóis, os estudantes apresentaram ideias semelhantes às ideias que surgiram dos estudantes canadenses de Seixas (1997) e que fizeram emergir as últimas três categorias mencionadas. A categoria Objetivista Sofisticada aproxima-se dos tipos de significância que Cercadillo nomeou de significância Contemporânea, significância Causal e significância Padrão. Na primeira os estudantes atribuem significância pela importância que os acontecimentos tiveram na vida das pessoas da época; no segundo a significância é atribuída devido às consequências que eles tiveram (a curto, médio e longo prazo); no último a significância é atribuída a acontecimentos que tiveram um papel preponderante na História representando pontos de mudança e/ou rutura.
Em 2006 Cercadillo acrescentou à sua análise de ideias um novo tipo de significância, a significância Reveladora, em que a significância é atribuída a acontecimentos por revelarem algo sobre quem a atribui e a sociedade em que vive, este tipo de significância aproxima-se da categoria Subjetivista Sofisticada. A atribuição se significância para o Presente e para o Futuro nasce de ideias que atribuem significância a acontecimentos que têm impacto na atualidade e que os estudantes perspectivam que continue a ter no futuro, relacionando-se com as ideias que fizeram surgir a categoria Narrativista de Seixas.
Para além disto, Cercadillo (2000) defende que a significância deve ser analisada quando à sua intrinsecalidade e contextualidade, defendendo que os estudantes podem fazer vários tipos de atribuição de significância (Contemporânea, Causal, Padrão, Reveladora, para o Presente e para o Futuro) e que esses tipos de atribuição podem ser realizados intrinsecamente, quando os acontecimentos são importantes por si só, sem que haja relação a outras realidades históricas, sendo que neste caso estamos a trabalhar com ideias pouco sofisticadas. Num nível mais sofisticado estão as ideias contextuais, em que os estudantes articulam diferentes realidades históricas aquando da explicação da significância dos acontecimentos que valorizam, estas ideias também se aproximam da categoria Narrativista que emergiu das ideias dos estudantes de Seixas.
Vários estudos posteriores aos de Seixas e Cercadillo mostraram que os estudantes apresentam níveis de ideias semelhantes aos que surgiram nos estudos dos dois investigadores: Alves (2007) em Portugal, Sanches (2008) em Cabo Verde e Ceccoli (2011) em Itália. Apesar de estes investigadores nomearem as suas categorias e os tipos de atribuição com os nomes criados por Cercadillo, todos eles remetem-se a Peter Seixas, pela relação anteriormente apresentada e pelo papel preponderante de Seixas para a compreensão do conceito de significância e da necessidade de esta ser trabalhada em sala de aula. Sobre esta necessidade é de destacar que, à semelhança da História também as aulas de História devem ser guiadas pelas preocupações atuais, na atualidade surgem vários discursos contraditórios e vários eventos ocorrem ao mesmo tempo e a uma velocidade elevada, sendo necessário preparar os estudantes para interpretar esses discursos e esses eventos. A significância histórica ajuda a compreender e a dar sentido àquilo que se passa à nossa volta, contribuindo para uma análise e uma tomada de decisão mais conscientes.
Barton e Levstik (2001) nos EUA, bem como Chaves (2006) em Portugal e no Brasil levaram a cabo estudos de investigação acerca da significância histórica, seguindo uma linha diferente dos outros investigadores já mencionados, em que procuraram compreender que valores estão implícitos nas escolhas dos estudantes sobre acontecimentos e agentes históricos significantes. Em Barton e Levstik (2001) destacaram-se valores e ideias centradas na origem e desenvolvimento dos EUA como entidade política e social; na criação e expansão das oportunidades e das liberdades, que os estudantes consideraram únicas da população dos EUA; e na evolução tecnológica e seus benefícios. Os estudantes fizerem referência ao incremento constante dos direitos e das oportunidades das pessoas, no entanto apresentaram dificuldades em relacionar alguns acontecimentos, como a Grande Depressão, a II Guerra Mundial e a Guerra do Vietname, com essa ideia de progresso. Ideias de discriminação racial e de género foram reconhecidas pelos estudantes, que as procuraram conciliar com a imagem de progresso. Os estudantes rejeitaram imagens associadas a momentos de mudança e de controvérsia. Os autores mostraram preocupação relativamente à ideia de progresso, uma vez que esta pode levar a que os estudantes ignorem os problemas da sua atualidade. Alertam que se deve enveredar por uma abordagem histórica mais complexa, atendendo a diversas perspectivas que devem dialogar entre si.
No estudo desenvolvido por Chaves (2006) emergiram valores e ideias associadas a agentes históricos com que os estudantes simpatizam e antipatizam. Aos agentes históricos com que simpatizam, os estudantes associam ideias de heroísmo (defesa da nação e do amor, aventura, coragem), progresso tecnológico e científico, assistência/luta por justiça social, cultura (literatura, ciência, arte e cinema), e religião. Aos agentes históricos com que antipatizam, os estudantes associam ideias de ditaduras, regimes autoritários e imperialismo, terror/violência, traição, autoritarismo nacional, entidades coletivas, crise económica, e temática aborrecida. As conclusões deste estudo apontam para a necessidade da significância ser de forma recorrente na sala de aula, proporcionando-se momentos de debate em que diferentes pontos de vista possam ser debatidos, de forma a que sejam desenvolvidos argumentos assentes numa maior validade e respeito pela dignidade humana.
Ideias de estudantes portugueses acerca da significância histórica
Objetivos e instrumentos de recolha de dados
O presente estudo foi desenvolvido com 45 estudantes portugueses, com idades entre os 17 e os 19 anos, de uma escola do concelho de Guimarães, numa localidade semiurbana, em que existem aldeias e atividades agrícolas, mas também pequenas empresas e indústrias. Os estudantes pertenciam a duas turmas de Línguas e Humanidades, que frequentavam a disciplina de História A no 12.º ano, que corresponde ao último ano de escolaridade obrigatória em Portugal. O estudo de investigação foi realizado em janeiro de 2021.
Como já referido este estudo pautou-se pela seguinte questão de investigação: “De que forma(s) os estudantes portugueses pensam e atribuem significância a acontecimentos e agentes históricos da História de Portugal?”, que deu origem a 2 objetivos:
1.Compreender como é que os estudantes pensam a significância Histórica, se mobilizando contextualizadamente uma ideia de big picture ou se limitam a uma significância per si dos acontecimentos e agentes históricos.
2.Mapear quais os critérios utilizados pelos estudantes para avaliar a significância de acontecimentos e agentes históricos.
Para a recolha de dados foi utilizado um questionário de resposta aberta, em que os estudantes teriam de responder por escrito e individualmente às seguintes questões:
3.Tendo em conta os últimos 100 anos que estudaste da História de Portugal, responde às questões
a)Na tua opinião qual é o(s) acontecimento(s) mais significante(s)? Justifica.
b)Na tua opinião qual é o(s) agente(s) histórico(s) mais significante(s)? Justifica.
Mais relevante que os acontecimentos e agentes históricos considerados significativos são as justificações dos estudantes para essas escolhas, pois é através das justificações que é possível compreender os critérios que utilizam, em linha com as propostas de Charmaz (2009) que foram a inspiração para este estudo e respetiva categorização das ideias dos estudantes.
No que diz respeito aos acontecimentos que os 45 estudantes consideraram mais significativos foram referidos doze acontecimentos, existindo no total 61 menções. Três estudantes não responderam a esta questão. Com grande margem de incidência mencionam o 25 de abril de 1974 (revolução que terminou a ditadura e restabeleceu a democracia) seguindo-se a Implantação da República de 1910 (que terminou a monarquia constitucional em vigor desde 1820-1822), dois momentos de mudança de sistema e/ou regime político, conforme a Tabela 1.
Para além destes foi ainda referido o Estado Novo, a Participação de Portugal na I Guerra Mundial, o Ultimato Britânico de 1890 e outros acontecimentos, com apenas uma menção, relacionados com a História portuguesa desde a sua formação até ao final do século XX.
Estudantes (N.º) |
% de Menções |
|
25 de Abril de 1974 |
33 estudantes |
54,1% |
Implantação da República |
13 estudantes |
21,1% |
Estado Novo |
3 estudantes |
5% |
Participação de Portugal na I Guerra Mundial |
3 estudantes |
5% |
Ultimato britânico de 1890 |
2 estudantes |
3,3% |
Outros31 |
7 estudantes |
11,5% |
Total |
42 estudantes |
100% |
Nota: elaboração própria, 2023.
Sobre os agentes históricos que os estudantes consideraram mais significativos foram realizadas 79 menções, surgindo 29 agentes históricos, cinco deles podem ser considerados como coletivos. Não responderam a esta questão quatro estudantes. Com um maior nível de menções surge Salazar (ditador que criou o regime do Estado Novo que vigorou em Portugal desde 1933 até o 25 de abril de 1974), de seguida Salgueiro Maia (capitão que se destacou no derrube da ditadura no dia 25 de abril de 1974) e os Capitães de Abril (grupo de militares que levou a cabo o golpe de estado que terminou com a ditadura e restabeleceu a democracia em Portugal no dia 25 de abril de 1974), pelo que se nota uma grande incidência nos agentes históricos relacionados com a ditadura do Estado Novo (Regime ditatorial criado em 1933 por Salazar) e o seu derrube, como é visível na Tabela 2.
Foram ainda referidos outros agentes históricos relacionados com a ditadura do Estado Novo e com o 25 de abril, para além disso fizeram ainda referência a agentes históricos relacionados com a formação de Portugal (há mais de 900 anos), com o período da Expansão Marítima (séculos XV e XVI), com o fim da monarquia e o período da Primeira República (1910-1926), com escritores e cantores do século XX, e com agentes históricos da atualidade.
Tabela 2
Agentes históricos portugueses mencionados pelos estudantes
Agentes Históricos |
Estudantes (N.º) |
% de Menções |
Salazar |
18 estudantes |
22,8% |
Salgueiro Maia |
11 estudantes |
14% |
Capitães de Abril |
8 estudantes |
10,1% |
Manuel de Arriaga |
5 estudantes |
6,3% |
População portuguesa que derrubou a ditadura |
4 estudantes |
5,1% |
D. Afonso Henriques |
3 estudantes |
3,8% |
Fernando Pessoa |
3 estudantes |
3,8% |
Marcelo Caetano |
3 estudantes |
3,8% |
Almada Negreiros |
2 estudantes |
2,5% |
Humberto Delgado |
2 estudantes |
2,5% |
Zeca Afonso |
2 estudantes |
2,5% |
Outros42 |
18 estudantes |
22,8% |
Total |
41 estudantes (79 menções) |
100% |
Nota: elaboração própria, 2023.
Os estudantes mencionaram mais agentes históricos do que acontecimentos. A nível de acontecimentos destacou-se o 25 de abril de 1974, o fim da ditadura em Portugal, e a nível de agentes históricos destacou-se Salazar, ditador português. Apesar de Salazar surgir como o mais frequente, quando somadas as menções feitas a agentes históricos relacionados com o fim da ditadura em Portugal, estas são em maior número às menções realizadas a agentes históricos relacionados com a ditadura, mas que apontam para uma acepção mais coletiva do que pessoalizada, ou seja, menos numa lógica de culto da personalidade e mais numa lógica coletiva.
Analisando as justificações dos estudantes surgiram ideias de acontecimentos e agentes históricos positivos, negativos e sem valoração, quando os estudantes não atribuem valoração ou quando não justificam a sua resposta. Destaca-se que as ideias de positivo e negativo são fruto da análise das ideias dos estudantes, nada tendo a ver com a nossa opinião pessoal, no entanto considerou-se que ideias de democracia são positivas e de ditadura negativas. Relativamente aos acontecimentos, a grande maioria surgiu associada a uma valoração positiva (81%), como está representado na Tabela 3, seguindo-se a não atribuição de valoração (21,4%) e a atribuição de valoração negativa (16,7%).
Segue-se um exemplo de respostas para cada valoração que emergiu da resposta à questão aberta quanto à justificação da escolha do estudante:
Exemplo de resposta com valoração positiva: “Na História de Portugal creio que o 25 de Abril foi o momento mais significativo, pois todos conseguiram deixar de viver sob os olhos da PIDE. Conseguiram obter liberdade de expressão e vários outros direitos aos quais não tinham acesso.” (Ágata).
Exemplo de resposta sem valoração: “O acontecimento mais significante tendo em conta os últimos 100 anos que estudei da História de Portugal, é o 5 de outubro de 1910, pois começou a existir em Portugal um novo regime.” (Marco).
Exemplo de resposta com valoração negativa: “A entrada de Portugal na I Guerra Mundial, pois considero que foi um acontecimento para o qual o país não estava preparado e que causou traumas e tornou vários portugueses “incapazes”. (Teresa).
No que diz respeito aos agentes históricos, a maioria dos estudantes faz uma atribuição de valoração positiva (68,3%), seguindo-se a atribuição de valoração negativa (36,6%) e a não atribuição de valoração (26,8%). Em várias ideias presentes nas respostas dos estudantes sobre os agentes históricos considerados como “positivos” parece transparecer uma ideia de heroísmo, associada a expressões de “coragem”, “libertação” e ações “heroicas”.
Segue-se um exemplo de ideias presentes nas respostas dos estudantes e categorizadas como espelho de diversas valorações:
Exemplo de resposta com valoração positiva: “Considero significativa toda a população portuguesa, mais o MFA que, ambos, se juntaram para derrubar um regime autoritário.” (Andreia).
Exemplo de resposta com valoração negativa: “O agente histórico mais significativo foi Salazar, o nosso grande ditador que massacrou bastantes pessoas.” (Melissa).
Exemplo de resposta sem valoração: “Os agentes históricos significativos são Fernando Pessoa e António Salazar.” (Dulce).
Tabela 3
Valoração dos agentes históricos e dos acontecimentos da História de Portugal.
Positivo |
Negativo |
Sem valoração |
||||
Acontecimentos |
Agentes Históricos |
Acontecimentos |
Agentes Históricos |
Acontecimentos |
Agentes Históricos |
|
Estudantes |
81% 34/42 |
68,3% 28/41 |
16,7% 7/42 |
36,6% 15/41 |
21,4% 9/42 |
26,8% 11/41 |
Nota: elaboração própria, 2023.
Nas justificações dos estudantes estão implícitas e explícitas ideias que apontam para tipos de atribuição de significância que são muito semelhantes às ideias que emergiram dos estudos realizados por Cercadillo (2000), Alves (2007), Sanches (2008) e Ceccoli (2010): Significância Contemporânea, Significância Causal, Significância Padrão e Significância para o Presente e para o Futuro (aqui apresentada como significância para a Atualidade pois as ideias dos estudantes não apresentam noções de futuro). Estes tipos de significância têm diferentes graus de sofisticação, quando no mesmo nível de desenvolvimento, considera-se que a Significância Contemporânea é a menos sofisticada, seguindo-se a Significância Causal, a Significância Padrão e por fim, a mais sofisticada, a Significância para a Atualidade. Apesar de diferentes graus de sofisticação, considera-se que todos eles são necessários para a avaliação e a atribuição de significância a realidades históricas. Como já mencionado na introdução estes tipos de atribuição de significância relacionam-se com as ideias que já tinham emergido de estudos realizados por Seixas (1994, 1996, 1997).
Apresenta-se de seguida uma breve descrição sobre cada uma dessas valorações, acompanhadas de respostas de estudantes que as fizeram emergir. Realça-se que nas respostas dos estudantes estão presentes atribuições únicas ou várias de significância, e que para exemplificar cada atribuição apenas apresentamos a parte da resposta que a ela diz respeito.
Significância Contemporânea: Quando é atribuída uma significância aos acontecimentos e agentes históricos (centrada nas suas ações) relacionada com a importância que, na opinião dos estudantes, tiveram na época em que ocorreram, por vezes colocando-se na posição das pessoas da época e tirando as suas conclusões, apresentando ideias sobre os seus sentimentos, desejos e necessidades. Considera-se ser um tipo de atribuição menos sofisticado, visto que a significância dos acontecimentos e agentes históricos não é imediata, é necessário compreender as ocorrências que se seguem e ter em atenção que a visão das testemunhas da época é menos abrangente do que a visão de historiadores de épocas posteriores. Ex.: “O agente histórico mais significativo foi o Salazar pois instaurou uma ditadura que fez com que as regras fossem mais rígidas para o povo.” (Antónia). Neste exemplo é possível ver que a estudante se limitou à significância do acontecimento para as pessoas da época, não equacionando o seu impacto nos futuros que se sucederam e que se sucederão.
Significância Causal: Quando é atribuída uma significância aos acontecimentos e agentes históricos (centrada nas suas ações) relacionada com as consequências imediatas, a médio, e a longo prazo que causaram. Manifestando-se ideias de profundidade, durabilidade e quantidade de pessoas afetadas pelas consequências desses acontecimentos e das ações desses agentes históricos. As ideias que surgiram são maioritariamente consequências imediatas e a médio prazo. As consequências a longo prazo que indiciam um nível de sofisticação considerado mais elevado surgem pontualmente e apenas ligadas ao caráter intrínseco da significância. Ex.: “O acontecimento mais significativo nos últimos 100 anos da História de Portugal, na minha opinião, foi o 25 de abril de 1974. Nesse mesmo dia deu-se uma revolução que pôs fim à ditadura salazarista, à censura e sofrimento que a ditadura impunha e com o fim dessa mesma ditadura a sociedade portuguesa conseguiu ter a liberdade que não tinha durante esse período ditatorial.” (Aurora). Neste exemplo podemos ver que a significância do acontecimento está nas suas consequências a curto e médio prazo, faltado uma ligação clara à continuidade dessas consequências na atualidade.
Significância Padrão: Quando é atribuída uma significância aos acontecimentos e agentes históricos (centrada nas suas ações) por se considerar que estes são pontos de viragem na História, sendo muitas vezes visível a existência de um antes e de um depois, de um passado-presente, que várias vezes surge aliado a uma significância contextual. Por vezes, os estudantes utilizam expressões como “criou uma nova era” e “marcou a História”. Surge frequentemente associada a inícios e fins de sistemas e de regimes políticos, e a ideias de evolução. Ex.: “Na minha opinião, o 25 de abril de 1974 foi o acontecimento mais significativo para Portugal devido à sua libertação de uma ditadura para o começo de uma democracia.” (Andreia). Nesta resposta vemos a presença de um antes do acontecimento, regime ditatorial, e um depois do acontecimento, regime democrático.
Significância para a Atualidade: Quando é atribuída uma significância aos acontecimentos e agentes históricos (centrada nas suas ações) pelo impacto que têm no mundo atual. Criando ligações entre o passado e a atualidade, aqui emergem ideias de continuidade e do presente como fruto do passado. Em alguns casos, os estudantes utilizam a expressão “nós”, no sentido de um “nós portugueses” ao longo do tempo e/ou de um “nós portugueses” na atualidade. Ex.: “A meu ver os acontecimentos mais marcantes são o 5 de outubro […] e o 25 de abril de 1974 que pôs fim ao Estado Novo, podendo viver-se desde então livremente.” (Rosana). Através da justificação ao 25 de abril vemos a relação que a estudante estabelece entre o acontecimento e a atualidade “podendo viver-se desde então livremente”.
Nas suas respostas, os estudantes fazem atribuições únicas ou várias de significância, surgindo mais atribuições nos acontecimentos do que nos agentes históricos. Relativamente aos acontecimentos, o tipo de atribuição mais frequente é a significância Padrão, já nos agentes históricos o mais frequente é a significância Causal. Na Tabela 4 estão representados os tipos de atribuição de significância que emergiram das respostas dos estudantes.
Tabela 4
Tipos de atribuição de significância histórica
Tipos de atribuição de significância |
Acontecimentos |
Agentes históricos |
||
Estudantes (N.º) |
% |
Estudantes (N.º) |
% |
|
Significância Contemporânea |
15 estudantes |
37,5% |
2 estudantes |
5,9% |
Significância Causal |
11 estudantes |
27,5% |
28 estudantes |
82,4% |
Significância Padrão |
30 estudantes |
75% |
13 estudantes |
38,2% |
Significância para a Atualidade |
6 estudantes |
15% |
2 estudantes |
5,9% |
Total |
42 estudantes (62 atribuições de significância) |
155% |
41 estudantes (45 atribuições de significância) |
132,4% |
Nota: elaboração própria, 2023.
De forma a dar sentido ao modo como os estudantes pensam e justificam a significância histórica, é fundamental compreender se a significância atribuída é intrínseca ou contextual. Considera-se que a significância é intrínseca quando nas suas justificações os estudantes não fazem ligações entre acontecimentos e/ou agentes históricos, por vezes os estudantes fazem uma descrição e/ou uma tentativa de explicação, mas sem conseguirem criar ligações e permanecendo dentro do seu contexto. Quando existem ligações entre os acontecimentos e/ou agentes históricos com outros acontecimentos, ou quando existem ligações explícitas entre tempos, considera-se que a significância é contextual. Desta forma, partindo das ideias dos estudantes e tendo em consideração as propostas de categorias que emergem dos estudos realizados por Cercadillo (2000) e Alves (2007), construiu-se o modelo de perfil de ideias, organizado da categoria menos à mais sofisticada.
Nível 1: Significância intrínseca – Quando as ideias dos estudantes apontam, explicitamente ou implicitamente, tipos de atribuição de significância, sobretudo Contemporânea e/ou Causal, mas também, em algumas situações, tipos de atribuição de Padrão e/ou para a Atualidade. Qualquer que seja a(s) atribuição(ões), as ideias dos estudantes centram-se na significância intrínseca dos acontecimentos e dos agentes históricos. No caso dos acontecimentos descrevem o contexto em que se inserem, mas não os interligam a outros acontecimentos e a outros contextos. No caso dos agentes históricos descrevem algumas das suas ações, mas não fazem uma ligação ao contexto em que se inserem nem a acontecimentos ou outros agentes e outros contextos.
Ex.: “Na minha opinião o acontecimento mais significativo da História de Portugal foi o 25 de abril de 1974, devido à enorme luta pela liberdade e pelos direitos dos portugueses.”. (Roberto).
Nível 2: Significância contextual emergente com tipos de atribuição, únicas ou várias, de Contemporânea e Causal – Quando nas respostas dos estudantes surgem, explicitamente ou implicitamente, tipos de atribuição de significância Contemporânea e/ou Causal. Os estudantes apresentam ideias além da significância intrínseca dos acontecimentos/agentes, interligando os acontecimentos a outros acontecimentos e contextos, e interligando os agentes ao contexto em que se inserem e/ou a acontecimentos e outros contextos ou agentes. Estas interligações surgem, mas na sua maioria não são exploradas, pelo que consideramos existir uma significância contextual emergente.
Ex.: “O agente histórico mais significante foi Salazar pois
instaurou uma ditadura que fez com que as regras fossem
mais rígidas para o povo.” (Antónia).
Nível 4: Significância contextual emergente com tipos de atribuição, únicas ou várias, de Padrão e para a Atualidade – Quando das respostas dos estudantes surgem, explicitamente ou implicitamente, tipos de atribuição de significância Causal e/ou Padrão e/ou para a Atualidade. À semelhança do nível anterior os estudantes apresentam ideias além da significância intrínseca dos acontecimentos/agentes, interligando os acontecimentos a outros acontecimentos e contextos, e interligando os agentes ao contexto em que se inserem e/ou a acontecimentos e outros contextos ou agentes. Mais uma vez estas interligações surgem, mas na sua maioria não são exploradas, pelo que consideramos existir uma significância contextual emergente.
Ex.: “No caso português identifico a ditadura do Estado Novo pela sua duração e medidas radicais e o 25 de Abril de 1974 pela
liberdade e igualdade restauradas, assim como por ter sido responsável pelo regresso da democracia que dura até aos nossos dias.” (Leonor).
Relativamente aos acontecimentos, a maioria dos estudantes apresenta ideias que fizeram emergir o nível 3 (60%), seguindo-se o nível 1 (35%) e depois o nível 2 (5%). No que diz respeito aos agentes históricos, o nível que engloba mais ideias dos estudantes é o nível 2 (44,1%), seguindo-se o nível 3 (32,4%) e depois o nível 1 (23,5%), conforme a Tabela 5.
Tabela 5
Modelo de perfil de ideias de significância histórica
Níveis |
Acontecimentos |
Agentes históricos |
||
Estudantes (N.º) |
% |
Estudantes (N.º) |
% |
|
Nível 1 |
14 estudantes |
35% |
8 estudantes |
23,5% |
Nível 2 |
2 estudantes |
5% |
15 estudantes |
44,1% |
Nível 3 |
24 estudantes |
60% |
11 estudantes |
32,4% |
Total |
42 estudantes |
155% |
41 estudantes |
132,4% |
Nota: elaboração própria, 2023.
Considerações finais
As ideias que emergiram neste estudo aproximam-se das ideias que surgiram noutros estudos de investigação em Educação Histórica, destacando-se os estudos de Seixas (1994, 1996, 1997), nomeadamente às propostas de significância Objetivista Sofisticada e significância Subjetivista Sofisticada. Atendendo às ideias colapsadas na primeira categoria referida, os estudantes revelaram ter em atenção o impacto e a durabilidade dos acontecimentos na vida das pessoas, sendo que, quanto maior for esse impacto e essa durabilidade temporal, mais significância é atribuída ao acontecimento. Estas ideias vão ao encontro das conceções dos estudantes portugueses que nas suas seleções e justificações revelam ideias que apontam para uma decisão assente na significância Causal. Na categoria Subjetivista Sofisticada a significância é atribuída, tendo em consideração o impacto que os acontecimentos tiveram na vida dos estudantes ou de grupos com que se identificam, aproximando-se estas ideias às ideias dos estudantes portugueses que fazem atribuições de significância para a Atualidade.
Peter Seixas (1994, 1996, 1997) desenvolveu vários estudos de investigação no âmbito da significância histórica, que são fundamentais para que se compreenda este conceito de segunda ordem e a forma como os estudantes podem fazer sentido dele. Seixas (1994), procurando como se pode inferir a significância de um acontecimento, apresenta alguns critérios dando especial relevância ao impacto e à durabilidade de um evento e à quantidade de pessoas que por ele foi afetado, relacionando-os com a nossa atualidade e com as nossas vidas, enfatizando que o que torna algo significante são as suas relações com outros acontecimentos, com quem atribui a significância e com horizontes futuros (Seixas, 1996).
Os vários estudos sobre significância histórica, realizados por diversos investigadores em várias partes do Mundo, destacando-se as propostas de Seixas (1994, 1996 e 1997) no Canadá, que podem ter inspirado outros estudos subsequentes com os de Cercadillo (2000) em Inglaterra e Espanha, de Barton e Levstik (2001) nos Estados Unidos da América, de Monsanto (2004) em Portugal, de Chaves (2006) em Portugal e no Brasil, de Alves (2007) em Portugal, de Sanches (2008) em Cabo Verde e de Ceccoli (2011) em Itália, alertam para a necessidade de trabalhar, de forma complexa e recorrente na sala de aula, a significância histórica para que os estudantes possam ter oportunidade de desenvolver o seu pensamento histórico e de criar relações entre os diversos passados e presentes com a sua vida na atualidade com noções de futuro. Este estudo de investigação que se distancia em cerca de 25 anos do estudo de Seixas (1997) parece corroborar que os estudantes, acerca de significância histórica, lidam com ideias associadas ao seu contexto e aos média, que podem estar relacionadas com um passado prático e com uma consciência histórica/exemplar na linha de Oakeshott (1933) e Rüsen (2015), respetivamente.
Num mundo em que a diversidade de explicações e, consequentemente, de narrativas pode oscilar entre o emocional, o tradicional e o popularismo em articulação com estratégias de propaganda em que o fundamental seja omitido e o acessório sublinhado, urge que a História e as aulas de História promovam o debate acerca da significância atribuída à evidência histórica suportada por fontes históricas, que não seja construída com base em omissões, “verdades alternativas” e/ou assunções várias assentes, por exemplo, em apenas “imaginação histórica” e/ou teorias de conspiração.
Alves, M. (2007). Conceções de professores e alunos sobre significância histórica: um estudo no 3º Ciclo do Ensino Básico [Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho]. Repositório institucional da Universidade do Minho.
http://hdl.handle.net/1822/7522
Barca, I. (2021). Educação Histórica: desafios epistemológicos para o ensino e a aprendizagem da História. In L. A. M. Alves & M. Gago (Eds.), Diálogo(s) Epistemologia(s) e Educação Histórica (pp. 55-69). CITCEM-Edições Afrontamento.
Barton, K. & Levstik, L. (2001). Explicações da Significância Histórica em alunos do Ensino Básico. O Estudo da História, 4, pp.207-236.
Boix-Mansilla, V. (2000). Historical Understanding. Beyond the Past and into the Present. In P. N. Stearns, P. Seixas & S. Wineburg (Eds.), Knowing, Teaching & Learning History. National and International Perspectives (pp. 390-418). New York University Press.
Ceccoli, P. (2011). Learning historical significance in Como (Italy): a critical conceptual study. [Dissertation, University of London]. https://www.academia.edu/3777956/learning_historical_significance
Cercadillo, L. (2000). Significance in history: student’s ideas in England and Spain [Doctoral Thesis, University of London]. Global University London Repository. https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/10006632
Cercadillo, L. (2006). Maybe they haven’t decided yet what is right: English and Spanish perspectives on teaching historical significance. Teaching History, 125, pp. 6-9. https://www.history.org.uk/secondary/resource/562
Charmaz, K. (2009). A Construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Artmed.
Chaves, F. (2006). A Significância de Personagens Históricas na Perspectiva de Alunos Portugueses e Brasileiros [Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho]. Repositório institucional da Universidade do Minho.
http://hdl.handle.net/1822/6716
Gago, M. & Ribeiro, A. I. (2022). História e Educação Histórica: que diálogos e desafios? Revista Portuguesa de História. Universidade de Coimbra.
Monsanto, M. (2004). Concepções de alunos sobre significância histórica no contexto da História de Portugal. Um estudo com alunos do 3.º Ciclo do Ensino Básico e do Secundário [Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho]. Repositório institucional da Universidade do Minho. https://hdl.handle.net/1822/2862
Oakeshott, M. (1933). Experience and Its Modes. Cambridge University Press.
Oliveira, S. & Gago, M. (2022). “Heróis” e “Vilões” da II Guerra Mundial – ideias de estudantes de 12.º ano de escolaridade no âmbito da significância histórica [Relatório de Estágio, Universidade do Minho]. Repositório institucional da Universidade do Minho.
Partington, G. (1980). The Idea of an Historical Education. NFER Publishing Company Ltd.
Rüsen, J. (2015). Teoria da História: uma teoria da história como ciência. Curitiba, Editora UFPR.
Sanches, G. (2008). Concepções de alunos sobre a significância da História contemporânea: um estudo com alunos de uma escola secundária de Cabo Verde [Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho]. Portal do conhecimento de Cabo Verde. http://hdl.handle.net/10961/1577
Seixas, P. (1994). Students’ understanding of historical significance. Theory and Research in Social Education, 22(3), pp. 281-304. https://doi.org/10.1080/00933104.1994.10505726
Seixas, P. (1996). Conceptualizing the Growth of Historical Understanding. In D. R. Olson & N. Torrence (Eds.), The Handbook of Education and Human Development (pp. 765-783). Blackwell.
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Shemilt, D. (2011). The Gods of the Copybook Headings: Why Don’t We Learn from the Past? In L. Perikleous & D. Shemilt (Eds.), The Future of the Past: Why History Education Matters (pp. 69–127). Association For Historical Dialogue and Research.
1 Portuguese. PhD in Education, History and Social Sciences Methodology and post-doctorate in History Education. Professor at Institute of Education in University of Minho, Braga, Portugal. Intregrated Researcher on CITCEM - Transdisciplinary Research Centre «Culture, Space and Memory», Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, Portugal.
Email: mgago@ie.uminho.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3109-8915
2 Portuguese. Master Degree in History Education, University of Minho, Braga, Portugal. History Teacher at Elementar and Secondary Schools, Braga, Portugal.
Email: oliveira.saramachado@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0009-0002-2327-3039
3 1 Acontecimentos com apenas uma menção: Descolonização das colónias portuguesas, Ditadura militar, Expansão marítima, Guerra colonial, Falência da Primeira República, Independência de Espanha e Quando D. Afonso Henriques se tornou rei.
4 2 Os agentes históricos com uma menção foram: António Guterres, Cristiano Ronaldo, Óscar Carmona, Quem chefiou a revolução do 25 de Abril, Quem chefiou a revolução do 5 de outubro, Quem tornou possível o 5 de outubro, Soldados portugueses na I Guerra Mundial, Vasco da Gama, Afonso Costa, António José de Almeida, Brito Camacho, General Gomes da Costa, General Spínola, José Relvas, O povo português, Paulo de Carvalho, Rei D. Carlos e Sidónio Pais.
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