Perspectivas Rurales. Nueva época, Año 15, N° 30, EISSN 2215-5325
http://dx.doi.org/10.15359/prne.15-30.3
A Democracia Socialmente Modificada: As ONGs e a mobilização contra os Transgênicos no Brasil nos anos 90
Socially modified democracy:NGOs and mobilizationagainst transgenics in Brasil in the 1990s
Ronaldo Martins Botelho1
Recibido: agosto 2016 Aprobado: abril 2017
Resumo Nesse artigo, relacionamos o Participacionismo e o Minimalismo, dois paradigmas democráticos contemporâneos, com as vigentes transformações nas economias capitalistas. Com base nisso, analisamos o papel do Terceiro Setor na mobilização social contra a liberação comercial dos transgênicos2 no Brasil. O estudo se detém entre 1998 e 2001, ano em que o MPF/DF suspende as autorizações indiscriminadas para o cultivo de OGMs no País, e privilegia o Estado do Rio Grande do Sul, o qual consideramos pioneiro na mobilização contra os transgênicos. Como suporte teórico, adotamos Joseph SHUMPETER e outros três autores contemporâneos: Atílio BORÓN, José NUN e Bob JESSOP. Palavras chaves: Democracia; Terceiro Setor e Participação política. Abstract In this article, we relate the Participacionismo and the Minimalismo, two democratic paradigms contemporaries, with the effective transformations in the capitalist economies. With base in this, we analyze the paper of the Third Sector in the social mobilization against the commercial release of the transgênicos in Brazil. The study if it withholds between 1998 and 2001, year where the MPF/DF suspends the indiscriminate authorizations for the culture of OGMs in the Country, and privileges the State of the Rio Grande do Sul, which we consider pioneer in the mobilization against the transgênicos. As theoretical support, we adopt Joseph SHUMPETER and others three authors contemporaries: Atílio BORÓN, Jose NUN and Bob JESSOP. Keywords: Democracy; Third Sector and Participation politics
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Questões em torno da liberação do cultivo e comercialização de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no Brasil têm produzido, ao longo dos últimos anos, polêmicas discussões, na qual se envolvem cada vez mais atores sociais. Se na primeira metade dos anos 90, quando foram encaminhadas à Câmara dos Deputados as primeiras solicitações de liberação de cultivos transgênicos, o debate sobre esse tema se restringia às altas esferas científicas e políticas do País, progressivamente, conforme lideranças da sociedade civil assumem bandeiras de mobilização pela preservação da segurança sanitária e ambiental, os transgênicos adquirem maior cobertura pelos meios de comunicação e passam a despertar mais interesse da opinião pública. Em sentido inverso, na medida em que a imprensa amplia a sua abordagem sobre esse assunto, aumenta o contingente de interessados nos motivos e implicações da possível adoção definitiva dessa tecnologia em escala comercial no País, gerando-se assim novos enfoques e problemáticas a serem elucidadas.
Com o projeto de Biossegurança3, que está próximo a ser votado no Senado, o Governo Federal pretende superar esse assunto, que há quase uma década vem sendo motivo de controvérsias entre membros dos três poderes. Porém, a lei que irá regular a produção, pesquisa e venda de organismos geneticamente modificados no Brasil, para evitar que o Governo continue lançando mão de medidas provisórias para legislar sobre a Questão, não tem conquistado o necessário consenso entre os parlamentares da Câmara e do Senado. A polêmica em torno de sua aprovação, que pode depender do respaldo de quatro Comissões, reflete a complexidade do assunto, que exige a combinação de informação e prudência, já que não há ainda segurança absoluta sobre a existência ou não de riscos ambientais e sanitários para o ser humano e a natureza no cultivo e consumo de transgênicos.
Nesse artigo, nos concentramos em um dos atores principais do debate nacional desenvolvido em torno desse assunto, e que tem sido decisivo para inúmeras decisões judiciais favoráveis a precaução na desregulamentação dos transgênicos: o Terceiro Setor, instância formada por organizações não-governamentais e sem fins lucrativos, que tem se expandido significativamente como espaço de organização e de ação da cidadania entre os brasileiros. A análise privilegia os eventos ocorridos no estado do Rio Grande do Sul, durante a primeira metade da década de 90. Nesse período, atuamos na assessoria da subsede gaúcha da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação – CONTAC, entidade ativa na Questão dos Transgênicos. A partir da caracterização de duas diferentes tendências que marcam a construção da democracia representativa, desde o modelo clássico até a sua revisão crítica no século XX, avaliamos através desse estudo, algumas falhas e desequilíbrios que se apresentam na consolidação desse Regime no Brasil. Notamos que a deficiência nos instrumentos de controle, transparência e equilíbrio, em momentos de decisões estratégicas, fragilizam as condutas das autoridades políticas e podem prejudicar a necessária isenção do poder público oficial. Tais deficiências, tanto podem decorrer da orientação ideológica de um Governo, como de supostas certezas advindas de posicionamentos científicos imprudentes4.
Nesse sentido, a intervenção da sociedade civil organizada, através de instrumentos legais, políticos e recursos comunicativos, se constitui um fator de tensionamento do jogo político, capaz de redimensionar a ação dos governantes no sentido de contemplar os interesses majoritários de uma sociedade. Assim, pretendemos apontar alguns mecanismos que determinam a dinâmica dessa reconfiguração de forças no regime democrático representativo a partir da emergência do Terceiro Setor.
Minimalismo X Participacionismo
Um choque estrutural abalou no século XX o arcabouço teórico da concepção histórica da Democracia como forma de expressão legítima do Povo. A concepção Minimalista, desenvolvida por Joseph Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia será a base dessa contraposição à Democracia como ideal5. (Schumpeter, 1961:327). Ao fundamentar uma teoria que reduz esse modelo a um arranjo institucional onde os grupos disputam a escolha do eleitor, Schumpeter reduz a função do jogo democrático à esfera política, desafiando a concepção clássica até então hegemônica, que sustenta que a função da Democracia seria a concretização da vontade coletiva e o bem comum através da expressão soberania popular - ideais preservados desde autores clássicos como Hobbes e Rosseau.
Com a visibilidade de sua teoria, em meados do século XX, Schumpeter provocou um profundo debate nas ciências políticas, gerando uma divisão entre seguidores e contestadores. Seguindo a sua corrente, e a ela agregando novos conceitos analíticos, Dahl, Downs, e Olson se identificaram com a teoria Minimalista. Esses autores acrescentaram novas contribuições à corrente que se propôs distanciar a Democracia do compromisso com valores e objetivos, excluindo ou diminuindo o papel do Povo como sujeito no processo democrático.
Em um sentido diferente, trilharam outros teóricos, desenvolvendo estudos em direção a um aprofundamento crítico-propositivo da teórica Minimalista, compondo assim um outro grupo, que veio a ser denominado de participacionistas. Peter Bachrach, Carole Pateman e Crawford Brough Macpherson, entre outros, são identificados com esse campo. A idéia básica que guiou essa última orientação foi a de que a democracia deve ser entendida como meio de atingir fins públicos e como processo de participação, através do qual, é possível o homem comum desenvolver determinadas habilidades.
Por outro lado, entre os Minimalistas, Robert Dahl desenvolve o conceito de Poliarquia (Dahl, 1997:31) para demonstrar que nenhum dos modelos encontrado na realidade é totalmente democratizado ou totalmente responsivo aos cidadãos - sendo necessária uma classificação intermediária. Anthony Downs, por sua vez, em Uma teoria econômica da democracia, inaugura a teoria da escolha racional, que tem como pilares fundamentais para o entendimento acerca do funcionamento da democracia o caráter competitivo do método democrático e a pressuposição da racionalidade dos agentes políticos. Dando um passo a frente nesses estudos, em A lógica da ação coletiva (1999) Mancur Olson realiza uma análise onde o comportamento individual e coletivo é interpretado no contexto da democracia contemporânea a partir da teoria da escolha racional.
Em direção oposta à esteira teórica traçada por Schumpeter, que via o homem comum como limitado para o envolvimento em determinadas instâncias de poder – exclusivas aos mais capacitados – os participacionistas vão comungar o entendimento de que a participação é um canal, não apenas viável de integração dos indivíduos aos mecanismos de decisão pública, como necessário para que esses evoluam através da prática política. Nessa perspectiva, é possível conceber uma esfera da democracia que se situa em uma órbita muita mais complexa do que o simplificado modelo que reduz esse regime a uma concorrência de grupos privados capazes, através da manipulação da vontade coletiva, em vista da direção do controle burocrático-administrativo do Estado.
Em The Theory of Democratic Elitism – a critique, Peter Bachrach critica o que denomina de elitismo democrático construindo um modelo alternativo, que entende a participação como algo possível na democracia contemporânea. Carole Pateman, por sua vez, em seu livro Participação e Teoria Democrática sustenta a existência de um caráter pedagógico na participação. Conforme essa perspectiva, o indivíduo ao participar desenvolveria alguns atributos que o levaria a engajar-se cada vez mais (PATEMAN In: SAGE, 1989). Macpherson, finalmente, analisa a participação sob um olhar mais cauteloso e limitado. Sustentando a convivência desta com o modelo representativo, Macpherson propõe uma alteração na sociedade e nas consciências dos homens para a ampliação dos canais de ação direta na democracia (Macpherson, 1978:102-103).
Autores posteriores elaboraram novas críticas aos limites do modelo minimalista. Uma leitura sobre as origens dessa divisão no paradigma democrático remete a duas grandes significações que a Democracia assumira em um passado remoto, e que vieram a se fundir nos dias atuais: a Democracia do Povo e a Democracia dos Políticos. Conforme José Nun, o primeiro modelo teria a sua origem em Atenas, pensada como expressão efetiva da vontade geral. Já o governo dos políticos teria como berço a Grécia, onde a participação popular era inspirada como suporte ao governo dos políticos. Nos dias atuais, essas duas correntes teriam se confluindo em uma grande ‘família’, predominante nas sociedades ocidentais e que convivem, embora não de forma pacífica ou harmoniosa.
Observa esse autor que o pensamento único imposto pela democracia liberal no mundo, sustentado por uma aversão quase dogmática à intervenção do Estado na economia e na impossibilidade de reação contra a globalização, paralisou a reação mundial ao modelo hegemônico. Sem desconsiderar os avanços da Democracia representativa e as instituições desenvolvidas em seu bojo, Nun considera urgente uma retomada do senso crítico, pelos trabalhadores – que são os agentes mais legítimos para discutir o futuro da democracia – a fim de inserir na agenda política a conscientização sobre a necessidade de se ampliar a órbita de participação social, que excluiu milhões de trabalhadores, por imponência de uma lógica que separa a economia da política. (Nun, 2000:19-22; 167-175).
A partir desse recorte participacionista resgatado nos estudos políticos contemporâneos, examinamos a seguir a democracia representativa no panorama mundial, tendo em conta os novos contornos assumidos pelos estados nacionais diante da ampliação do poder de abrangência das grandes empresas transnacionais. Esse olhar é necessário para visualizarmos os limites que se impõem para a intervenção da sociedade civil nos assuntos públicos nas democracias capitalistas, bem como as possibilidades ainda existentes de reação à lógica excludente do capital sobre as instituições democráticas nos países emergentes.
Democracia, Estado e Capitalismo
A democracia liberal tem ampliado a sua hegemonia pelo mundo, em grande medida, através da expansão do Capitalismo. Embora se saiba que este sistema seja muito mais recente que a Democracia, é também reconhecido que o Capitalismo se desenvolva com mais plenitude nas sociedades democráticas. Mas a recíproca dessa sentença não é necessariamente verdadeira6. (Outhwait & Bottomore, 1996:179). Isso porque o Capitalismo, em sua fase global, dotou as instituições econômicas de instrumentos de planejamento e controle econômico que transcendem a esfera nacional, um poder político que gera influência nas instituições democráticas estrangeiras, promovendo desigualdades no jogo de forças entre os atores políticos nacionais e, conseqüentemente, o desequilíbrio nas democracias nacionais (Borón, 2001:174).
A emergência de novos campos e canais globais de relações comerciais no campo econômico, de fato, exigem níveis mais abrangentes de articulação da sociedade civil. Porém, a idéia de que essas transformações nas formas organizativas de resistência redefinam o espaço público como órbita de intervenção da sociedade civil é uma noção que não atribui o devido valor ao Estado na configuração do campo de conflitos que cercam as lutas pelo interesse público. Condizente com essa avaliação, Mattelart7 observa que <<a sociedade civil é indissociável do território nacional>>. Para esse autor, além de principal referencial na defesa do interesse geral, o Estado tem como principal função a de não deixar que o mercado total se instale.
Por outro lado, o Estado, enquanto ente conciliador dos conflitos sociais em prol do atendimento das demandas públicas, não é uma instituição neutra na órbita da disputa de interesses que marcam cada renovação dos quadros governamentais. Agentes políticos internos e externos dividem as atribuições de um Governo entre a atenção às questões sociais e as aspirações políticas típicas da carreira pública, contaminando o jogo eleitoral com a exclusão de alguns setores em detrimento de outros das benesses passíveis de distribuição através do aparelho administrativo estatal.
Cedendo a políticas de ajuste estrutural impostas pelos Países centrais, através da negociação de dívidas monumentais intermediadas por organizações supostamente multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, os governos nacionais dos Países periféricos abrem os seus mercados à interferência direta e indireta de transnacionais estrangeiras. Isso se traduz em forte influência nas economias nacionais a partir de matrizes centrais dessas empresas, sediadas nacionalmente, mas investidas de quase ilimitada mobilidade geográfica.
O livre fluxo dos mercados e a mobilidade crescente dessas mega-corporações, que se estende ao plano político nas democracias capitalistas, contribui para o desenvolvimento de uma cultura institucional marcada pela preponderância do privado sobre o público. Essa mercantilização da vida social tem na filosofia do Estado Mínimo a sua principal ideologia de expansão, e no controle dos mercados nacionais pelas mega-corporações privadas o seu principal meio de difusão. Tal ordenamento constrói sistemas de valores, que privilegiam o consumo em detrimento da cidadania e legitima, por intermédio das próprias instituições democráticas – ora enfraquecidas pelos Novos Leviatãs8 – uma espécie de ditadura burguesa. Nela, o voto do mercado tem mais mobilidade, atualidade e eficácia que as formas de manifestações políticas do cidadão comum, já que, os mercados, diferentemente dos eleitores, “votam todos os dias”. (Borón, 2001: 193-194).
Foi nesse panorama marcado pela emergência dos Novos Leviatãs que no final dos anos 80 começou a surgir no País uma forte pressão internacional, capitaneada pelo Acordo Geral de Preços e Tarifas (GATT), favorável a aprovação do novo Código de Propriedade Intelectual. Apesar da intensa discussão no Congresso Nacional, o Brasil acabou cedendo a pressões externas, especialmente dos Estados Unidos, e aprovando esse novo código. Nessa nova legislação, foram propostas três grandes mudanças nas áreas de software, indústria farmacêutica e patenteamento de seres vivos9.
Explorando um discurso baseado na necessidade do “aumento da produtividade por área” para evitar uma ameaça a humanidade com um futuro “déficit na produção mundial de alimentos”10 e a suposta conquista de novos mercados externos, proporcionada pela produção dos transgênicos, a transnacional norte-americana Monsanto logrou êxito em conquistar o apoio de importantes parcelas da Comunidade Científica brasileira e de representantes públicos – como o Ministério da Agricultura e o próprio então presidente Fernando Henrique Cardoso, durante as suas duas gestões (1995-1998 e 1999-2002).
Declarações veiculadas na imprensa em setembro de 1998 por duas importantes autoridades científicas governamentais atestam esse respaldo. Nesse período, o então presidente da Embrapa, Alberto Duque Portugal, declarava estar “convencido de que o Brasil deve seguir os passos de outras regiões do mundo que já experimentaram as plantas transgênicas “é uma questão de se ajustar a uma tecnologia que deve se consagrar no próximo milênio”11. Praticamente uma semana depois, era a vez do então presidente da CTNbio, Luiz Antônio Barreto de Castro, anunciar o seu parecer favorável a soja da Monsanto, que declarava “não haver risco de alopolinização com outras espécies de sojas produzidas no Brasil”, ao mesmo tempo em que técnicos de entidades como o Instituto de Defesa do Consumidor - Idec e o Greenpeace denunciarem vários problemas que esse tipo de cultivo poderia suscitar, como o de alergias ao corpo humano e de futura dependência tecnológica dos agricultores brasileiros12.
Analisamos melhor a seguir essa investida das transnacionais alimentícias sobre o Estado brasileiro, visando a expansão de seus mercados, assim como as conseqüentes reações da sociedade civil. Nesse propósito, iremos primeiramente caracterizar brevemente o chamado Terceiro Setor, já que, no caso da mobilização contra a liberação comercial dos Transgênicos, consideramos ser essa a principal instância por onde os cidadões brasileiros se organizam e ampliam a sua participação no jogo democrático.
Os Transgênicos e o Terceiro Setor
Na definição de Lester Salamon, o Terceiro Setor representa “uma virtual revolução associativa que está em curso no mundo, fazendo emergir um Terceiro Setor Global, que é composto de: a) Organizações estruturadas; b) Localizadas fora do aparato formal do estado; c) que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com suas atividades entre os seus diretores entre o conjunto de acionistas; d) autogovernadas e) envolvendo indivíduos num significativo esforço voluntário” (Fernandes, 1994:19 e 88). As ONGs, que juntamente com os movimentos sociais constituem-se hoje a principal alavanca de mobilização das classes populares no Terceiro Setor, tornaram-se um fenômeno massivo no Continente Americano a partir da década de 70. Entretanto, de acordo com Montenegro (1994:7), a denominação ‘ONG’ ampliou efetivamente a sua popularização no Brasil a partir da ECO 92, quando várias ONGs com fins ecológicos realizaram um encontro paralelo com alguma cobertura na mídia.
Mais recentemente, a participação popular da sociedade civil organizada nos três primeiros Fóruns Sociais Mundiais, realizados em Porto Alegre, RS, demonstraram a imensa amplitude do papel político das ONGs no mundo. Esse evento demarcou também a disposição dessas organizações de consolidarem políticas nacionais e planetárias, por intermédio da intervenção local, parcerias com Governos progressistas e, sobretudo, através de uma rede mundial contra-hegemônica capaz de ampliar os limites da democracia representativa.
Diante das pressões de grandes multinacionais do setor alimentício pela liberação dos transgênicos no Brasil as ONGs têm tido um papel exemplar de independência e vigilância do cumprimento das normas de segurança da saúde pública e do meio ambiente, papel este não poucas vezes insatisfatoriamente cumprido por parte do Estado. Ao contrário, importantes setores governamentais, dotados dos seus meios burocráticos formais e, sobretudo, apoiados pela sua legitimidade, lançaram mão de recursos disponíveis para desqualificar as reações da sociedade civil organizada contra a pressa pela desregulamentação dos transgênicos.
É preciso observar, entretanto, que em uma sociedade capitalista a garantia de liberdades políticas equivalentes em um espectro de meios materiais desigualmente distribuídos (Saes, 1993:72-73) possibilita também que setores do Terceiro Setor se convertam em canais de intervenção voltados para o interesse estritamente privados. No Brasil, em particular, há um campo fértil para isso, considerando que a cidadania é caracterizada em nosso País por uma espécie de divisão social entre os “cidadãos doutores”, os “simples cidadãos” e os “cidadão elementos” (Nun, 2001:131).
Todavia, independentemente do perfil político das organizações que se integram a sua esfera, o Terceiro Setor já é reconhecido como uma instância de alto potencial político. Particularmente nos países periféricos, onde as demandas sociais inadequadamente atendidas pelo Estado abrem múltiplas brechas para a intervenção da sociedade civil através da organização voluntária, a extensão e a profundidade de mobilização do Terceiro setor é crescente13.
Uma das mais polêmicas solicitações de autorização para o plantio comercial de cultivo de natureza transgênica no Brasil foi encaminhada à Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia (CTNbio)14 em 1998, pela empresa norte-americana Monsanto, requerendo a desregulamentação de sua soja Roundup Ready15. Desde então, visando capitanear apoio político na empreitada se expandir comercialmente, a Monsanto desencadeou uma pesada campanha política e jurídica direcionada a instituições de pesquisa, universidades, cientistas, agricultores e, especialmente, à parlamentares brasileiros vinculados às chamadas bancadas ruralistas. A alta patente dos pesquisadores selecionados para compor a CTNbio não impediu que esse organismo fosse criticado desde a sua origem. Um dos questionamentos realizados com relação àquele órgão era o vínculo institucional do mesmo com o Ministério da Ciência e Tecnologia, quando se considera os Ministérios da Saúde e da Agricultura muito mais competentes para esse tipo de atribuição.
A partir de 1998, em resposta à pressa e quase nenhuma cobertura da imprensa no debate científico sobre esse assunto, lideranças ambientalistas iniciam um debate paralelo ao das altas instâncias científicas, buscando difundir informação sobre essa Questão entre outros interessados, além dos executivos de Multinacionais, dos altos escalões do Governo Federal e dos pesquisadores que lhes assessoravam. Em 19 de fevereiro daquele ano, a Monsanto do Brasil realiza no Everest Hotel - um dos mais suntuosos da capital gaúcha – um coquetel de lançamento de sua soja Rondup Ready. Lideranças da área sindical e ambiental são convidadas para a cerimônia, mas poucos se fazem presentes. Entre os participantes, constrói-se o consenso sobre a necessidade de uma ação imediata que garantisse uma maior democratização da informação sobre os transgênicos.16
É também a partir desse período que começa a se intensificar no País a guerra jurídica em torno dos transgênicos, com decretos, liminares, recursos e processos contra e a favor a liberação do cultivo e comércio desse tipo de alimento. Desde então, os representantes do Estado, em seus vários poderes, de certa forma dividiram-se em torno de identificações comerciais, ambientais, políticas, religiosas e ideológicas. Entre os anos de 1997 e 1998, a CTNbio deferia cerca de oitocentos pedidos de liberação de OGMs no meio ambiente17. No caso do pedido de liberação comercial da soja Rondup Ready, da Monsanto, o engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro, pesquisador do GIPAS, aponta falta de seriedade e questiona a independência da CTNbio na avaliação já no primeiro pedido dessa multinacional, em junho de 1998, para a liberação de sua soja Rondup Ready:
Não estranhamos quando a CTNbio recebeu apressadamente o processo (...) O mais estranho é que o processo começa por um ofício resposta a uma carta da CTNbio, que não consta no mesmo, nem se conhece o teor, mas pode-se suspeitar que o presidente da comissão avisasse a empresa, para dar andamento, antes que alguma medida legal impedisse a tramitação (Pinheiro, 96:1999)
Em resposta ao forte apressado looby de empresas estrangeiras – como a Monsanto, Du Pont, Novarts, Syngenta... - para a liberação do cultivo e comércio de alimentos transgênicos, inúmeras entidades adotaram como estratégia esclarecer a opinião pública sobre a postura flexível do Governo do Brasil com relação a essa Questão, denunciando a suposta conivência da CTNbio com o setor privado. Ainda em setembro de 1998, após longos debates nos meios científicos, políticos e na sociedade civil organizada - ainda que com muito pouco reflexo entre a grande massa da população - a CTNbio determina a liberação comercial da soja Rondup Ready, considerando não haver risco ambiental para a saúde e meio ambiente.
Apesar de tal parecer, uma liminar concedida pela Justiça Federal à ONG norte-americana Greenpeace e ao Instituto de Defesa do Consumidor – Idec, proibiu o Governo Federal de liberar a comercialização da soja transgênica da Monsanto. Indo mais longe, o Idec entrou com uma ação contra a União exigindo, entre outros pedidos, que a CTNbio anulasse o parecer técnico-científico que concedera àquela empresa. Entre os principais questionamentos do Idec em sua liminar protocolada contra a decisão da CTNbio, favorável à Monsanto, destacava-se a falta de instruções normativas sobre segurança alimentar, rotulagem e comercialização. Segundo aquela entidade, tais questões não teriam sido discutidas e aprovadas pela CTNbio antes da emissão de seu parecer a respeito desse tema18.
Há circunstâncias em que as instâncias fiscalizatórias formais com que conta a democracia representativa, que integram a órbita institucional do Estado – o Senado, o Congresso e o Poder Judiciário - se apresentam vulneráveis à contaminação por influências de interesses contrários ao interesse público. Esse desequilíbrio no poder fiscalizatório das instituições democráticas constituídas pode ocorrer por vias que vão, desde campanhas de orientação da opinião pública através dos meios de comunicação de massa nacionais – que com facilidade tendem a reproduzir as vozes políticas hegemônicas no panorama internacional19 - até pesados lobbys internos realizados por corporações transnacionais.
À parte o reconhecimento dessa vulnerabilidade do aparelho estatal e seus agentes nas democracias capitalistas, é reconhecido por autores contemporâneos que há uma natureza plural nas sociedades capitalistas que não admite a mera imposição de uma agenda uniforme por parte das instâncias públicas institucionais, havendo, inclusive possibilidades concretas da realização de transformações substanciais desde dentro ou fora de sua estrutura. (Jessop, 1990: 170-195). Nesse contexto, o denominado Terceiro Setor ocupa um espaço estratégico no sentido de encurtar as distâncias existentes entre os indivíduos excluídos do processo de tomada de decisões.
Na Questão dos Transgênicos no Brasil, desde início de 1998 ganhava adesão no País a mobilização de diferentes setores sociais, prós e contra a liberação do cultivo de alimentos geneticamente modificados. Ambientalistas, produtores rurais, sindicatos, entidades empresariais, movimentos de donas-de-casa e outras organizações sociais, passaram a constituir Fóruns de discussões, conforme níveis de interesses específicos20. Assim, se consolidava no País uma forte rede nacional, que influenciou, apoiou e fiscalizou a condução de políticas públicas voltadas para a segurança alimentar: A Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.
Articulada naquele período, essa iniciativa é integrada por várias Organizações Não Governamentais, entre elas: o Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC; a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa - AS-PTA (coord.); a ACTIONAID BRASIL (coord.); o Centro de Pesquisa e Assessoria - ESPLAR (coord.); o Instituto de Estudos Sócio-Ecnômicos - INESC (coord.); o GREENPEACE; o Centro de Criação de Imagem Popular - CECIP; o Centro Ecológico Ipê - CE-IPÊ e a Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE. Esse movimento se propunha a “disseminar idéias e informações sobre os impactos e riscos dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no meio ambiente, na saúde do consumidor e na agricultura”.21
Quando o Estado assume posturas independentes, contrariando pressões econômicas e primando pelo interesse público, pode se constituir em uma instância legítima da vontade das vozes desassistidas, sendo assim, um suporte importante às ações das organizações civis representantes da vontade popular. Em novembro de 1998, o governador gaúcho Olívio Dutra encaminha projeto de lei à Assembléia Legislativa decretando o RS como ‘Área Livre de Transgênicos’. Apesar da mobilização de importantes setores da sociedade civil organizada, Deputados ligados ao agronegócio se articulam e impedem aprovação desse projeto.
Em janeiro de 1999, atendendo aos apelos de várias organizações civis, Dutra realiza um circuito de Seminários Regionais sobre transgênicos. Com base nas manifestações decorrentes desses eventos, e endossando o interesse de organizações civis, o Deputado Estadual gaúcho Elvino Bohn Gass apresenta à AL do RS o projeto 16/99, propondo a proibição, no Estado, do cultivo e da comercialização de organismos geneticamente modificados. Ainda em maio deste ano, reunidos em Recife, 27 Secretários estaduais presentes no Fórum Nacional de Secretários de Agricultura decidem, por unanimidade, aprovar uma moratória para a aprovação da transgenia no Brasil enquanto não fosse resolvido o impacto sobre os orçamentos nos estados e as incertezas nas pesquisas22.
Em julho de 1999, a polêmica sobre os transgênicos se torna a tônica na 51.ª reunião anual da SBPC, realizada em Porto Alegre. Mas será somente em agosto daquele ano que a 6.ª Vara Federal, de Brasília confirmará a sentença que suspende o plantio de soja transgênica no País até que seja apresentada o Eia-RIMA. Apesar dessa decisão, e de outras impeditivas à introdução de Organismos Geneticamente Modificados na agricultura e nas prateleiras dos supermercados brasileiros, os diferentes vieses que esse debate assumiu em variadas instâncias jurídicas em um País de dimensões continentais como o Brasil, não permitiu os órgãos de fiscalização do governo federal dispusessem de recursos financeiros nem humanos para fiscalizar todo o território brasileiro. Assim, em novembro de 1999 treze equipes de fiscalização da Secretaria da Agricultura do RS – em visita a 200 propriedades rurais – apreenderam 3588 sacas de soja transgênica. Esse era um dos primeiros sinais, de que a flexibilidade das autoridades públicas federais, em momentos estratégicos, poderia comprometer qualquer política séria e unificada, direcionada à construção de um projeto tecnológico, eficaz e independente no campo da biotecnologia. Estigmatizados pelas suas posturas críticas à onda transgênica, muitos pesquisadores conceituados foram excluídos do centro das discussões sobre os transgênicos por discordar da orientação hegemônica no Governo Federal. Conforme LEWGOY,
Tais cientistas acreditam que, no devido tempo, amparada por pesquisas básicas já em andamento, e quando e onde se fizerem necessárias, surgirá uma nova geração de organismos geneticamente modificados, que não trará servidão aos agricultores nem riscos desconhecidos à saúde e ao meio ambiente. Essa nova geração de organismos deve ser desenvolvida em instituições públicas, e não em empresas transnacionais.23
Após sucessivas denúncias de cultivos transgênicos ilegais, em julho de 2000 o governo federal divulga nota oficial – assinada pelos ministros da Casa Civil, da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde – em que defende a adoção de organismos geneticamente modificados no País. Será a formalização, ainda no Governo Fernando Henrique, da alienação do Estado brasileiro de sua função de vigilância sanitária e ambiental, sob o princípio da precaução24. Porém, depois de uma longa e acirrada batalha jurídica e de informação, com liminares contras e prós, em 27 de abril de 2001 o juiz substituto da 14.ª vara Federal do Distrito Federal deferiu liminar ao Ministério Público Federal suspendendo todas as autorizações para cultivo de qualquer sementes geneticamente modificadas, sem o Registro Especial Temporário (RET).25
A partir de março de 2003, Lula assume procurando administrar os interesses conflitantes na Questão dos transgênicos. Todavia, as agudas diferenças políticas visíveis entre Ministérios estratégicos da ampla frente partidária que dá sustentação ao governo – como, por exemplo, o estímulo ao agronegócio na pasta da agricultura, em contraponto ao fortalecimento da agricultura familiar, através da pasta do Desenvolvimento fundiário – têm impedido a adoção de uma política clara, uniforme e eficiente na área de biotecnologia. Mais uma vez o Terceiro Setor assume a dianteira através de ações prepositivas em níveis ainda passíveis de controle público, como o cultivo seguro, estabelecendo-se co-responsabilidade dos fabricantes de sementes transgênicas por possíveis danos sanitários e ambientais e a rotulagem, que possa permitir que o consumidor identifique e tenha a liberdade de escolher produtos de natureza transgênica.
Considerações finais
A polêmica dos transgênicos demonstra que a sociedade civil organizada, expressada através do Terceiro Setor, assume um potencial de intervenção política que pode atuar sobre as instâncias de representação pública oficiais, de modo a fiscalizar ações de duvidoso interesse público, provocar o debate e inserir questões pertinentes na agenda política. Com isso a sociedade civil assume um nível não mais passivo ante às instituições democráticas, mas altamente participativo, capaz de propor, barrar ou reajustar determinações governamentais.
Ao elaborar uma teoria democrática que concebe o jogo político como um processo em que os indivíduos comuns têm um papel restrito ao ato da escolha, Schumpeter ignora essas possibilidades de ação social. Esse potencial dinâmico das Ongs pode influenciar, inclusive, na indicação dos representantes públicos como outra forma de expressão, independente do voto e envolve outros agentes, além dos concorrentes e eleitores, nas escolhas públicas. Uma participação ativa da sociedade civil permeia e influencia nas eleições, mas também se estende ao âmbito dos governos eleitos.
Em vista de sua abordagem, que considera a democracia um arranjo institucional onde os grupos disputam a encolha do eleitor, é comum identificar Schumpeter com a teoria dos pluralistas, dominante na literatura anglo-saxônica das décadas de 50 e 60. Entretanto, ao conceber essa identificação, os pluralistas fizeram ressalvas a respeito das limitações impostas por seu enquadramento da democracia como governo dos políticos.
A corrente pluralista também destacou a existência de um ofuscamento na concepção de Schumpeter, considerando essa como dicotômica por resumir a abrangência do cenário democrático aos cidadões e aos políticos, sem considerar o leque de instituições e organizações que estão integradas na expressão da cidadania. (Nun, 2000: 37). Por outro lado, Jessop observa que o marxismo também não considerou suficientemente essa dimensão extra-econômica na reprodução da relação do capital, que foge do âmbito das relações de troca e que se encontra refletida em instituições como as ONGs.26
Um outro aspecto limitado na concepção minimalista de democracia é a combinação igualdade / liberdade. Para Schumpeter, a igualdade pode ser medida no nível de competição. Ou seja, quanto mais igualdade houver na competição entre os grupos que disputam o voto do eleitor, mais democrático será o governo. (Schumpeter, 1961:327). O status fundamental que a cidadania detêm a partir do século XVII, tem como elemento fundamental à igualdade. Entretanto, a sociedade de classes que caracteriza o capitalismo emergente nos séculos XIII e XIX, impediu que a expressão da cidadania viesse a abalar a desigualdade econômica entre as classes. Para Marshall, ao impor direitos civis sob uma perspectiva universalista, a cidadania acabou por criar o indivíduo empreendedor e deixado à própria sorte na condução de sua vida. Assim, ainda que tenha abalado a estrutura de classes fundada na diferença de status entre os indivíduos, a cidadania não afetou as diferenças de classes impostas pela desigualdade econômica. (Marshall, 1967:78-79).
É sob a luz do fenômeno da desigualdade nas sociedades capitalistas contemporâneas, que Borón equipara os traços que caracterizam uma organização sob a égide do mercado e da democracia. Em um nível mais profundo e abrangente que a teoria procedimentalista, a noção de igualdade desse autor se refere à conquista de direitos sociais da sociedade civil através da participação popular – elemento inexistente na teoria schumpeteriana de democracia. A lógica da democracia é, nessa perspectiva, incompatível com a dos mercados. A primeira, ascendente, se legitimaria no povo e se constitui a partir da base. A segunda, descendente, se baseia no consumo e tem os interesses moldados por oligopólios privados. (Borón, 2001: 176).
Essa articulação nacional da Sociedade civil ocorrida no Brasil contra os transgênicos, que tem seu ápice durante os anos 90, ainda que não tenha atingido o seu objetivo pleno, que era o estabelecimento de uma moratória ou proibição imediata da comercialização dos alimentos dessa natureza no País, terá grande mérito na recente medida provisória do governo Lula. Esta, reconheceu a soja transgênica como ilegal e estabeleceu que a aquela que se encontra no mercado tenha um prazo de validade até início de 2004. Ainda que não tenha consolidado uma vitória da Sociedade Civil brasileira na luta contra a liberação indiscriminada dos transgênicos, essa lei pode ser considerado um grande avanço para os que posicionaram pela precaução sanitária e ambiental, já que a mesma determinou ainda instrumentos de penalização àqueles que, passado o período estipulado, não tenham se adaptado à legislação.27
Mesmo que o discurso do atual Governo sustente na área agrícola um modelo econômico alternativo à agricultura ‘industrial’, predatória e custosa, que tem predominado em países como o nosso, seria algo muito mais complexo uma definição formal contra o cultivo dos transgênicos sem o engajamento e apoio intenso de setores importantes do Terceiro Setor, tendo em vista a forte influência do agronegócio na economia e na política brasileira, e a simpatia expressada por esse setor no debate sobre os transgênicos que se desenvolveu ao longo da década de 90.28
Todavia, o reconhecimento do poder de mobilização do Terceiro Setor no alargamento das instâncias de participação popular em uma democracia capitalista como a brasileira, é preciso que se ressalte, não alivia a responsabilidade de todos os cidadãos no plano da eleição formal de representantes públicos coerentes com o interesse público. Uma conquista concretizada a partir da contribuição da intervenção direta da sociedade civil é salutar, especialmente em Países como o Brasil, onde ainda há inúmeros mecanismos de restrição que separam os indivíduos do exercício da cidadania. Mas a dinâmica eleitoral transforma cenários e frustra expectativas tão rapidamente quanto lhes constrói.
Portanto, paralelo ao reconhecimento da legitimidade do Terceiro Setor como ator político fortalecedor das democracias liberais, é preciso não menosprezar o valor das instituições de representação oficiais do modelo democrático que dispomos. Compreendidas como parte integrante de um rol de conquistas da sociedade civil nas últimas décadas, a serem consolidadas, ampliadas e aperfeiçoadas, estas instâncias são, ao mesmo tempo, um ponto de chegada e um ponto de partida da emancipação social.
Referências
Borón, Atílio. (2001). Os novos Leviatãs e a polis democrática. In A coruja de Minerva. Mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo. Petrópolis: Vozes.
Dahl, Robert. (1997). Poliarquia. São Paulo: Edusp.
Fernandes, Rubem César. (1994). Privado, porém público – o Terceiro Setor na América. Latina. RJ: Relume-Dumará.
Jessop, Bob. (1990). The Democratic State and the National Interest. In State Theory. Putting Capitalist States in their Place Cap. VI, pp. 170-195). Uniersity State Pensylvania: The Pensylvania State University Press.
Macpherson, C.B. (1978). A Democracia Liberal. RJ: Zahar.
Marshal, T.H. (1967). Cidadania e classe social. In Cidadania, classe social e status. RJ: Zahar.
Montenegro, Thereza. (1994). O que é ONG? SP: Brasiliense, Col. Primeiros Passos, 24, 7-27.
Nun, José. (2000). ¿Democracia, gobierno del pueblo o gobierno de los políticos? Buenos Aires: Fondo de Cultura.
Olson, Mancur. (1999). A lógica da ação coletiva. SP: Edusp, (Clássicos; 16).
Othwaite, Bottomore, Tom. (1996). Dicionário do pensamento social do século XX. Trad. Alves, Eduardo Francisco e CABRAL, Álvaro. RJ: Jorge Zahar Ed.
Pinheiro, Sebastião. (1999). Transgênicos: o fim do gênesis. Porto Alegre: Fundação Juquira Candiru.
Pateman, Carole. (1989). The Civic Culture: a philosophic critique. In Gabriel Almond & Sidney Verba (Orgs.), The Civic Culture Revisited. London: Sage.
Saes, Décio. A democracia como regime político burguês. In Democracia (pp.61-65). SP: Ática.
Schumpeter, J. A. (1961). Capitalismo, socialismo e democracia. RJ: Fundo de Cultura.
1 Universidade Federal de São Carlos, Brasil. ronaldomartins@far.br.edu
2 Transgênico é um vegetal em que foi implantado um gene (segmento celular) de outro ser vivo, que com isso, transfere algumas de suas qualidades para a planta inoculada.
3 Projeto que irá regular a produção, pesquisa e venda de OGMs no Brasil. PINHEIRO explica que há dois tipos de conceitos sobre biossegurança: a de processo e a de produto. Embora repare que o primeiro tipo seja mais interessante aos países em desenvolvimento, por privilegiar o meio, esse autor observa também que “diante do avanço do Mercado sobre a Ciência e conseqüente diminuição da influência do Estado Nacional” a sua adoção se torna “ultrapassada e benéfica às empresas privadas internacionais” (op.cit,1999:69). A biossegurança dos OGMs é prevista em vários tratados internacionais, como a Convenção de Diversidade Biológica (CDB), assinada pelo Brasil em 1992, e o Protocolo de Montreal, elaborado em 2000.
4 Nesse ponto, é importante destacar um discurso difundido por pesquisadores que consideram o cidadão comum como desinteressado ou inapto para posicionar-se sobre Questões complexas. Trata-se da queixa de que a resistência à liberação comercial dos transgênicos significa um “impedimento ao progresso da ciência”. No caso em questão, essa se configura uma sentença simplista e suspeita, visto que, não raras vezes, tem sido utilizada para apoiar o interesse comercial de empresas privadas. Como se a Ciência fosse seguramente alienada de interesses políticos e dispensada de prestar contas à sociedade e às futuras gerações.
5 Para sustentar o seu conceito, Schumpeter realiza uma crítica à definição clássica, que atribui à democracia o papel de expressão da vontade coletiva. Primeiramente, ele observa que a vontade coletiva não é fruto de uma escolha racional, mas obedece a impulsos emotivos. Em função da desigualdade cultural, os indivíduos têm interesses diferenciados. Além do mais, esse autor transpõe para a política noções econômicas de formação da demanda para justificar sua tese de que as decisões individuais na democracia sofrem interferência de fatores extras. Supondo, a partir disso, que não existe essa vontade individual, o autor sustenta igualmente a impossibilidade de existência de vontade geral.
6 Assim é, se entendermos o conceito de Democracia a partir de sua significação genuína, onde o Demos, desde Heródoto, implica em possibilitar ao povo decidir sobre o essencial naquilo que lhe diz respeito. Em termos mais claros, traduzidos nas palavras de A. Lincoln, o “governo do povo, pelo povo e para o povo” .
7 Utopia planetária X Globalização. In: Caros Amigos (Entrevista), pp.40-43, n.39, jun/2000.
8 De acordo com Borón (2001), os Novos Leviatãs são atores políticos de primeira ordem nas economias capitalistas contemporâneas. Diferentemente do Leviatã hobesiano, que garantia a ordem social através de um contrato entre os indivíduos, os Novos Leviatãs, representados pelas grandes transnacionais, orienta as políticas nacionais e desequilibram as democracias.
9 Essa política, caracterizada pela abertura comercial, correspondia à grandes interesses de transnacionais do setor agro-alimentar. A empresa Monsanto, por exemplo, através da liberação comercial de suas sementes patenteadas, poderia impor aos agricultores brasileiros os seus pacotes tecnológicos, com a venda de suas sementes transgênicas condicionalmente ‘casadas’ a um respectivo herbicida, sendo ambos produtos de propriedade comercial de um mesmo e único fornecedor. Em outras palavras, significa isso a dependência absoluta do agricultor com relação a uma empresa específica. Ver: Transgênicos: uma questão estratégica. Adverso, Jornal da ADUFRGS, Porto Alegre, n.67, ago/2000, pp.6-7.
10 O mesmo discurso serviu de base para a defesa dos agrotóxicos durante a ‘Revolução Verde’ nas décadas de 60 e 70. Ver: PATERNIANI, Ernesto & AZEVEDO, João Lúcio. Salvando o planeta com alta tecnologia agronômica. In: Ciência Hoje, v.21, n. 122, Jun / 1996 e Transgênicos: Problema técnico e não político (carta aberta de José A. Lutzemberger à CTNbio). Fundação Gaia, 14.8.1998. In: www.Agirazul.com.br - Artigos.
11 Zero Hora, Caderno Campo & Lavoura, Porto Alegre ,14.9.1998, p.26.
12 Zero Hora, Caderno Campo & Lavoura, Porto Alegre, 25.9.1998, p.36.
13 Conforme dados de um estudo feito pela Hopkins University e o Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), haveria no Brasil 220 mil entidades, institutos, associações, fundações e organizações diversas atuando no Terceiro Setor. Nesse universo, destinado a prestação de serviços à Comunidade, estariam engajados 12 milhões de voluntários, número suficiente para povoar todo o Equador. Ver: Revista Problemas Brasileiros, Jan-Fev, 2000.
14 A CTNbio, criada no Governo Fernando Henrique, em janeiro de 1995, é o órgão do governo federal que fiscaliza a pesquisa sobre organismos geneticamente modificados (OGMs) no Brasil.
15 Conforme o processo protocolado a CTNbio pela Monsanto em 29.6.1998, a desregulamentação implica “a livre prática de atividades, de cultivo, registro, uso, ensaio, testes, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, importação e descarte da referida soja”. Ver www.mct.gov.br – Documentos.
16 Um das iniciativas mais ilustrativas dessa mobilização nesse período foi o seminário Biotecnologia e produtos transgênicos, realizado através de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Ufrgs; a União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação UITA; a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação - CONTAC e Grupo de Pesquisa e Ação em Agricultura e Saúde – GIPAS. O evento reuniu, entre os dias 07 e 08 de abril de 1998, aproximadamente 800 pessoas no hotel Embaixador, em Porto Alegre. Ali, estudantes, cientistas, executivos, sindicalistas e ambientalistas puderam aprofundar o debate e esclarecer dúvidas sobre esse tema com os mais diversos setores interessados.
17 MENASCHE, Renata. Uma cronologia a partir de recortes de jornais. In: História Ciências, Saúde – Dossiê Transgênicos. p. 524, v.7, n.2, jul-out/2000.
18 Zero Hora, Porto Alegre, 25.9 e 17.10.1998.
19 Para uma abordagem mais profunda sobre o papel da imprensa na definição de agendas, ver: MIGUEL, Luis Felipe. Um Ponto Cego nas Teorias da Democracia: Os meios de Comunicação. In: BIB, Rio Janeiro, n.49, 1.º semestre de 2000, pp.51-77.
20 Ver: Ver. Amanhã, Porto Alegre, Out de 1997.
21 Ver: http://www.idec.org.br/paginas/campanha_transgenicos_livre.asp. Durante o ano de 1998, outras organizações se engajaram direta ou indiretamente nessa causa. Entre essas, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação – CONTAC/CUT. Essas entidades tiveram papel estratégico na inserção desse tema na agenda política brasileira e no conseqüente redimensionamento da legislação brasileira sobre essa Questão.
22 MENASCHE, op.cit. p.9.
23 LEWGOY, Flávio. A voz dos cientistas críticos. In: História Ciências, Saúde / Manguinhos – Dossiê Transgênicos. p. 508, v.7, n.2, jul-out/2000.
24 Este orienta que, quando uma atividade ameaça causar danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas , mesmo que relações de causa e efeito não estejam plenamente estabelecidas cientificamente.
25 Ver o Estado de S. Paulo, p. A-14, 08 de julho de 2001.
26 Ver: Globalização, regionalização, mercado e o Estado: entrevista com Bob Jessop Currículo sem fronteiras. Volume 2 - Número 2- Julho/Dezembro 2002. http://www.curriculosemfronteiras.org/artigos.htm
27 ‘Marina vai à luta’. Entrevista com a Ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva. Isto é, n.1762, 09.7.2003, pp.7-11.
28 Transgênicos – Disputa acirrada. In: Globo Rural, Ano 16, n.191, set/2001, p.14.
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