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Revista de Teología
Revista de Estudios Sociorreligiosos

Volumen 15, Número 1, 2022
ISSN 2215-227X • EISSN: 2215-2482
Doi: https://doi.org/10.15359/siwo.15-1.2
Recibido: 9/04/2021 • Aprobado: 11/08/2021
URL: https://www.revistas.una.ac.cr/index.php/siwo
Licencia (CC BY-NC 4.0)

A vida-morte como ritual cotidiano: reflexões teológicas e sociorreligiosas em tempos de pandemia1

La vida-muerte como ritual cotidiano: reflexiones teológicas y sociorreligiosas en tiempos de pandemia

Life-death as everyday ritual: theological and socio-religious reflections in times of pandemic

Clélia Peretti2

Everaldo dos Santos Mendes3

Edilmar Cardoso Ribeiro4

Resumo

Neste artigo, refletimos sobre a vida-morte como ritual cotidiano frente à COVID-19. Na metodologia, delineamos uma pesquisa qualitativa, historiobiográfica, que reuniu os escritos de Edith Stein, Dulce Critelli e a narrativa de Osmair Cândido. Interessou-nos o modo como a filosofia alemã ajuda Cândido no enfretamento dos horrores da pandemia, como tirar o caixão de um filho das mãos da mãe ou enterrar doze pessoas no mesmo dia, sem ritos fúnebres. Perpendicular à parede que lhe surge, desvela-se outra, amparando os cadáveres por ele empilhados. Cândido confessa sentar-se à margem de tudo, à beira do mundo, onde até Deus termina.

Palavras-chave: Morte, Vida, Osmair Cândido, ritos fúnebres, ser finito e ser eterno.

Resumen

En este artículo, reflexionamos sobre la vida-muerte como ritual cotidiano frente al COVID-19. En la metodología, delineamos una investigación cualitativa, historiobiográfica, que reunió los escritos de Edith Stein, Dulce Critelli y la narrativa de Osmair Cândido. Nos interesó la forma cómo la filosofía alemana ayuda a Cândido a hacer frente a los horrores de la pandemia, como sacar el ataúd de un hijo de las manos de la madre o enterrar a doce personas en el mismo día, sin ritos funerarios. Perpendicular al muro que aparece, otro se desvela, sosteniendo los cadáveres por él amontonados. Cândido confiesa sentarse al margen de todo, en el borde del mundo, donde hasta Dios termina.

Palabras clave: Muerte, Vida, Osmair Cândido, ritos funerarios, ser finito y ser eterno.

Abstract:

We reflect on life-death as everyday ritual in front of COVID-19. In the methodology, we delineate a qualitative, historiobiographical research, which brought together the writings of Edith Stein, Dulce Critelli and Osmair Cândido. We are interested in how German philosophy helps Cândido to face the horrors of the pandemic, such as taking a child’s coffin from its mother ‘s hands or burying twelve people on the same day, ignoring funeral rites. Perpendicular to the wall that appears, another is unveiled, supporting the corpses he has piled up. Cândido sits on the edge of the world, where even God ends.

Keywords: death, life Osmair Cândido; funeral rites; to be finite and to be eternal.

Introdução

Suplico-te pela tua alma, pelos teus joelhos e pelos teus pais, que não me deixes ser devorado pelos cães nas naus dos Aqueus; mas recebe o que for preciso de bronze e de ouro, presentes que te darão meu pai e minha excelsa mãe.

Mas restitui o meu cadáver a mina casa, para que do fogo Troianos e mulheres dos Troianos me deem, morto, a porção. (Homero, Ilíada, XXII, 340).

Na década de 1980, instalou-se no mundo um permanente estado de crise, à medida que o neoliberalismo se impôs como a versão dominante do capitalismo selvagem, sujeitando-se à lógica do setor financeiro. No ensaio A cruel pedagogia do vírus (2020), o sociólogo português contemporâneo Boaventura de Sousa Santos reflete que a ideia de crise permanente é um oximoro. No sentido etimológico, a crise é excepcional e passageira - constitui a oportunidade de superação, vindo a dar origem a um melhor estado de coisas. No eixo do mundo, o objetivo — político — da crise permanente é não ser resolvida; o propósito deste objetivo é legitimar a escandalosa concentração de riquezas e boicotar medidas eficazes para impedir a iminente catástrofe ecológica (Santos, 2020).

Neste cenário, surge a COVID-19: doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que apresenta um quadro clínico com variações de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. Historicamente, o novo agente do coronavírus — uma família de vírus que causa infecções respiratórias — foi descoberto no dia 31 de dezembro de 2019, após casos registrados na China. Não obstante, os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No ano de 1965, o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa. Na verdade, a maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Na literatura das ciências da saúde, os coronavírus mais comuns que infectam os seres humanos são o alpha coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1. (Mendes et al. 2021).

No organismo humano, o novo coronavírus (SARS-CoV-2) — agente causador da pandemia de 2020 — revela-se mais agressivo do que todas as formas já vistas de coronavírus e já se tornou o mais desafiador agravo à saúde pública mundial do século XXI (Mendes et al. 2021). Na atual crise humanitária que mergulhamos, lamentamos ter de dizer que os governos de extrema-direita e de direita neoliberal cruzaram os braços diante da luta contra a COVID-19. Insistem — irresponsavelmente — no argumento falacioso de salvar a economia, como se a economia pudesse prosperar sobre as pilhas de cadáveres: EUA, Inglaterra, Brasil, Índia, Tailândia e Filipinas (Santos, 2020).

No projeto da modernidade, os três princípios de regulação das sociedades são o Estado, o mercado e a comunidade. Nos últimos quarenta anos, priorizou-se — absolutamente — o princípio do mercado em detrimento do Estado e da comunidade. Na vida política, o Estado e a comunidade passaram a ser geridos e avaliados pela lógica do mercado e por critérios de rentabilidade do “capital social”. No século XXI, revela-se notório que as pandemias mostram — cruelmente — como o capitalismo neoliberal incapacitou o Estado para responder às emergências (Mendes, 2020b, p. 895).

Politicamente, desconfiamos do número exato de pessoas que tiveram suas vidas ceifadas pela peste de COVID-19, que ainda se alastra sobre a Terra. No ONU News: Perspectiva Global Reportagens Humanas, lê-se que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou no dia 06 de outubro de 2021 que novos casos de infecção de COVID-19 caíram em todo mundo. De acordo com a OMS, globalmente, o declínio foi de 9%. No que diz respeito ao número de mortes, permanece estável (ONU, 2021). No Brasil, o Ministério da Saúde registrou até 14 de outubro de 2021: [a] casos novos: 14.288; [b] casos acumulados: 21.612.237; [c] casos acumulados 100mi: 10.284; [d] óbitos novos: 525 [e] óbitos acumulados: 602.099; [f] óbitos acumulados 100mi: 287 (Brasil, 2021).

Na Revista Piauí, 18 de junho de 2021, Osmair Cândido narra:

Assim que a pandemia começou, eu já estava escolhendo o samba que ia tocar no meu enterro. Não consegui decidir. Meu preferido sempre foi Aldir Blanc, e eu senti muito a morte dele, foi muito difícil. Todo mundo estava morrendo de Covid-19 e eu tinha certeza de que ia morrer também. Afinal, era eu quem pegava os caixões. Nós, coveiros, não tínhamos EPI [equipamentos de proteção individual] nem vacina, então a gente trabalhava improvisando. Eu fazia os sepultamentos com as mãos tremendo de pavor. Tanto que tomava cinco, seis banhos por dia. Minha vida virou um inferno desde então. Pior mesmo é quando chega o nome do falecido e eu reconheço que era um vizinho ou amigo. Já enterrei muitos amigos por Covid-19 e cada vez que eu via um deles ir embora sentia que o mundo diminuía um pouco. Minha capacidade de entendimento também diminuiu. Mas eu levo comigo um mote da filosofia kantiana: a minha liberdade está no cumprimento do meu dever. Sou sepultador, eu tenho de sepultar. Não há mais nada que possa ser feito. Eu posso lamentar, me sentir amargurado, triste e despedaçado, mas tenho de sepultar. A vida de um coveiro parece simples, mas não é (Cândido, 2021, s/p).

No presente artigo, objetivamos refletir sobre o fenômeno sociorreligioso da vida-morte como ritual cotidiano em tempos de pandemia de coronavírus (COVID-19) — sem perdermos de vista o constrangimento da teologia contemporânea, como profeticamente reconheceu o teólogo alemão Karl Rahner no que diz respeito à remoção do morrer: “[...] ao contrário do que ocorria no passado, nos dias de hoje, quando o doente morre agora em hospitais totalmente anônimos, o morrer não conhece mais um estilo” (Rahner, 2009, p. 33). Para tanto, ocorreu-nos a ideia de elegermos o método fenomenológico, que nos possibilitou o delineamento de uma pesquisa qualitativa de impostação historiobiográfica, a partir de interlocuções entre os escritos das filósofas fenomenólogas Edith Stein, Dulce Critelli e as pesquisas atuais sobre o nosso objeto de estudo, culminando numa singela historiobiografia de Somar Cândido.

As Origens dos Rituais Fúnebres

Um dia em que ‘Preocupação’ atravessava um rio, vê um lodo argiloso: pensativa, pega um tanto e começa a modelá-lo. Enquanto reflete sobre o que fizera, Júpiter intervém. ‘Preocupação’ lhe pede que empreste espírito ao modelo, no que Júpiter consente de bom grado. Mas, quando ‘Preocupação’ quis impor-lhe seu próprio nome, Júpiter a proíbe e exige que seu nome lhe deveria ser dado. Enquanto ‘Preocupação’ e Júpiter discutiam sobre o nome, a Terra [Tellus] surge também a pedir que seu nome fosse dado a quem ela dera seu corpo. Os querelantes tomam, então, Saturno para juiz, o qual profere a seguinte decisão equitativa: ‘Tu, Júpiter, porque deste o espírito, deves recebê-lo na sua morte; tu, Terra, porque o presenteaste com o corpo, deves receber o corpo. Mas, porque ‘Preocupação’ foi quem primeiro o formou, que ela então o possua enquanto ele viver. Mas, porque persiste a controvérsia sobre o nome, ele pode se chamar homo, pois é feito de humus [terra]’. (Heidegger, 2012, p. 551-553).

Historicamente, as mais antigas gerações — anteriores ao surgimento dos filósofos da Grécia — acreditavam na existência humana após a morte. Nos primórdios de cultura ocidental, a morte era encarada não como uma dissolução do ser, mas como uma simples transformação da vida. Nos espíritos das populações greco-itálicas, a crença na metempsicose nunca pôde se enraizar; não constituiu a mais antiga crença dos arianos do Oriente, uma vez que os hinos védicos a ela se opõem. No escrito intitulado A Cidade Antiga, Fustel de Coulanges escreve que “em conformidade com as mais velhas crenças dos itálicos e dos gregos, não era num mundo diferente deste que a alma ia viver sua segunda existência; permanecia bem próxima dos homens e prosseguia vivendo sobre a terra” (Coulanges, 2009, p. 17).

No mundo ocidental, essa crença era tão forte, que mesmo quando foi estabelecido o costume de cremação de cadáveres, persistiu a crença em que os mortos viviam sob a terra. Por muito tempo, acreditou-se que na segunda vida a alma continuaria associada ao corpo. Nascida com ele, a morte não a separa dele. Por tradição, acreditava-se que no túmulo a alma se encerrava com o corpo. Por mais antigas que sejam essas crenças, delas chegaram até nós testemunhos genuínos: os ritos fúnebres. Pensamos — e sentimos — que esses ritos sobreviveram e muito a essas crenças primitivas, mas que, nascidos com elas, podem nos promover sua compreensão. Na constituição da psique ocidental, os ritos fúnebres desvelam que quando se sepultava um corpo acreditava-se — concomitantemente — estar colocando naquele espaço consagrado algo vivo (Coulanges, 2009).

Na Eneida, Virgílio — preciso e escrupuloso nas suas descrições das cerimônias religiosas — finda o relato dos funerais de Polidoro com as seguintes palavras: Animamque sepulcro condimos (Encerramos a alma no túmulo):

A Polidoro os fúnebres ofícios

Sem demora instauramos e erigimos

Um túmulo de terra: à sombra errante

Ali estão as aras adornadas

De negros véus e de feral cipreste,

E de em torno, segundo a pátria usança,

As Ilíades, soltos os cabelos.

Taças de sangue negro, e de espumante

Tépido leite címbias lhe vertemos;

A alma dentro do túmulo encerramos

E o extremo adeus em alta voz lhe demos (Virgílio, Eneida, III).


Neste excerto, Virgílio revela o uso do cenotáfio (sepulcro ou monumento fúnebre construído em memória de alguém cujo corpo não foi localizado, encontrado ou não se encontra ali sepultado). Na tradição ocidental, admitia-se que quando não se podia encontrar um corpo de um ente querido, dever-se-ia realizar uma certa cerimônia com fins de produzir exatamente todos os ritos fúnebres, acreditando-se com isso encerrar — na ausência do corpo — a alma no túmulo (Coulanges, 2009). Fustel de Coulanges diz que

era costume ao fim da cerimônia fúnebre chamar três vezes a alma do morto pelo nome que este usara durante a vida. Faziam-lhe votos de vida feliz sob a terra. Três vezes se lhe dizia: Passa bem, acrescentando-se: Que a terra te seja leve atestando a que ponto se acreditava que o ser iria continuar em vida sob essa terra, aí conservando o sentimento do bem-estar e do sofrimento! Escrevia sobre o túmulo que o homem ali repousava — expressão que sobreviveu a essas crenças e que, atravessando séculos, chegou até nós [...] (Coulanges, 2009, p. 18).

No século XXI, apesar de não acreditarmos mais em que um ser imortal repousa num túmulo, dizemos: Descanse em paz, fulano/a de tal! No Idade Antiga, acreditava-se tão firmemente em que um homem vivia no túmulo que não se deixava de enterrar com o defunto os objetos dos quais se supunha que teria necessidade: vestes, vasos e armas. Para mitigar-lhe a sede, vertia-se vinho sobre a tumba. Para atenuar a fome do morto, colocava-se sobre o túmulo alimentos. Degolavam-se cavalos e escravos com o pensamento que estes seres encerrados com o finado o serviriam no túmulo, como o havia feito em vida (Virgílio, Eneida, V, VI, X).

Fustel de Coulanges assinala que Píndaro conservou um curioso vestígio desses pensamentos das antigas gerações:

[...] Frixo fora constrangido a deixar a Grécia e fugira para a Cólquida. Morreu neste país, mas apesar de morto desejava voltar à Grécia. Aparece, portanto, a Pélias, ordenando-lhe que se dirija à Cólquida para dali trazer sua alma. Indubitavelmente, aquela alma estava saudosa do solo pátrio, do túmulo da família: mas vinculada aos restos corporais ela não podia deixar a Cólquida sem eles (Coulanges, 2009, p. 19).

Destarte, originou-se a necessidade da sepultura. Para que a alma fosse domiciliada na morada subterrânea que lhe convinha para a sua segunda vida, era necessário que o corpo — ao qual ela permanecia liga — fosse recoberto de terra.

[...] A alma que não possuía seu túmulo não possuía morada. Era uma alma errante. Aspiraria em vão ao repouso, ao qual amava após as agitações e trabalhos desta vida; era forçada a errar sempre sob forma de larva ou fantasma, sem nunca se deter, sem nuca receber as oferendas e os alimentos de que tinha necessidade. Desafortunada, logo se tornaria malfeitora. Atormentava os vivos, lhes enviava enfermidades, lhes devastava as searas, os apavorava com aparições lúgubres visando avisá-los para dar uma sepultura ao seu corpo e a ela mesma [...] (Coulanges, 2009, p. 19).

É evidente, pois, a origem da crença nas almas do outro mundo. Toda Antiguidade se persuade de que sem a sepultura a alma era infeliz. Mediante a sepultura, a alma se tornava feliz, eternamente. Psicossocialmente, não era para revelar a dor que se realizava os rituais fúnebres, mas sim para assegurar o repouso e a felicidade de quem partiu desta para a outra vida (Coulanges, 2009).

Não bastava que o corpo fosse depositado na terra. Era mister seguir ritos tradicionais e proferir fórmulas. Coulanges recorda que

[...] em Plauto encontramos a história de uma alma do outro mundo; trata-se de uma alma condenada a errar porque seu corpo foi enterrado sem que os ritos tivessem sido praticados. Suetônio narra que tendo sido o corpo de Calígula enterrado sem a realização da cerimônia fúnebre, disto resultou que a sua alma se tornou errante, aparecendo aos vivos até o dia em que se decidiu exumar o corpo e dar-lhe uma sepultura conforme as regras [...] (Coulanges, 2009, p. 19).

Nos dois exemplos supracitados, destacamos a importância que os povos antigos atribuíam aos ritos e às fórmulas das cerimônias fúnebres, conditio sine qua non para que as almas não se tornassem errantes, revelando-se aos vivos. Por meio do seu estrito acatamento, as almas eram fixadas e encerradas nos túmulos. Não obstante, os antigos também possuíam fórmulas de evocar as almas e fazê-las sair momentaneamente do sepulcro (Coulanges, 2009).

Existencialmente, o homem antigo aparece atormentado na literatura clássica, pelo receio de que, depois da sua morte, os ritos fúnebres não serem observados:

[...] Receava-se menos a morte que a privação de sepultura. Era na sepultura que residiam o descanso e a ventura eternos. Não nos devemos nos surpreender demasiado ao ver os atenienses mandarem matar os generais que, depois de uma vitória no mar, se descuidaram quanto a enterrar seus mortos. Esses generais, discípulos dos filósofos, distinguiam, talvez, a alma do corpo, e como não acreditavam que a sorte de uma estivesse ligada à sorte do outro, lhes parecera que importava pouquíssimo se um cadáver se decompusesse na terra como na água. Não tinham, portanto, se decidido a desafiar a tormenta pela vã formalidade de recolher e enterrar seus mortos. Contudo, a multidão que, até mesmo em Atenas, persistia presa às velhas crenças, acusou seus generais de impiedade e os conduziu à morte. Se por sua vitória haviam salvado Atenas, por sua negligência haviam perdido milhares de almas. Os parentes dos mortos, pensando no longo suplício que estas almas iam padecer, compareceram ao tribunal vestidos de luto e reclamaram vingança (Coulanges, 2009, p. 20).

Nos casos de impiedade, punia-se os grandes culpados com um castigo considerado terrível: a privação da sepultura. Punia-se a própria alma e se infligia aos grandes culpados um suplício que beirava o eterno. Não é indiscutível que, nas cidades antigas, imaginou-se uma região — subterrânea — mais sumamente vasta do que o túmulo, na qual as almas, distantes de seus corpos, conviviam, sendo as penas e as recompensas distribuídas de acordo com a conduta que o homem tivera durante a vida. Não obstante, os rituais fúnebres, tais como descritos na presente investigação, estão manifestamente em desacordo com essa crença: prova segura de que na época em que esses ritos se estabeleceram ainda não se acreditava no Tártaro e nos Campos Elísios (Coulanges, 2009).

Nas antigas gerações, o primeiro juízo formado era que o ser humano vivia no túmulo; que a alma não se apartava do corpo por ocasião da morte e que ela permanecia fixada a esta parte do solo onde os ossos eram sepultados. Partindo desta para outra vida, não se tinha nenhuma conta a prestar da sua vida anterior. No túmulo, uma vez encerrado, não se aguardava recompensas e castigos. Para os dias de hoje, pode parecer uma opinião grosseira, mas que revela — originariamente — a noção de vida futura dos povos originários (Coulanges, 2009).

Nas cidades antigas, o ser que habitava sob a terra não se achava separado da humanidade, a ponto de dispensar o alimento. Leva-se, em certos dias do ano, uma refeição a cada túmulo, que “[...] era circundado por grandes guirlandas de plantas e flores, que aí se colocavam bolos, frutas, sal e se vertia leite, vinho e, por vezes, o sangue de uma vítima” (Coulanges, 2009, p. 21). Precisamente, o alimento que a família leva era para o morto, e exclusivamente para ele:

[...] o que prova isto é que o leite e o vinho eram derramados sobre a terra do túmulo, que um buraco era feito para fazer com que os alimentos sólidos chegassem ao morto, que no caso de imolação de uma vítima, todas as suas carnes eram queimadas para que ninguém vivo delas partilhasse, que se proferiam certas fórmulas consagradas com a finalidade de convidar o morto a comer e beber, que se a família inteira assistia a esse repasto, nem sequer tocava nas iguarias, e que, enfim, ao retirar-se, tomava-se grande cuidado no sentido de deixar um pouco de leite e alguns bolos nos vasos, considerando-se grande impiedade que algum ser vivo tocasse nessa pequena provisão destinada às necessidades do morto (Coulanges, 2009, p. 21).

Por séculos, estas crenças perduraram, manifestando-se nos escritos dos renomados mestres da cultura ocidental. No século XXI, tais crenças — antiquíssimas — se nos afiguram tanto falaciosas quanto ridículas. Não obstante, exerceram o seu domínio sobre o ser humano e durante muitas gerações governaram a psique ocidental. Psicossocialmente, regeram as sociedades — e as instituições domésticas e sociais dos antigos jorraram dessa fonte (Coulanges, 2009). Debruçar-nos-emos, então, sobre a narrativa de Osmair Cândido, que nos ajuda os enfrentar os horrores da pandemia de COVID-19, como por exemplo, tirar o caixão de um filho das mãos da mãe ou enterrar doze pessoas no mesmo dia, ignorados os ritos fúnebres.

A Historiobiografia de Osmair Cândido

[...] Perpendicular a esta parede que surge está outra, amparando os mortos que empilhei ainda agora. Com profundo pesar sentei-me à margem de tudo, à beira do mundo, onde até Deus termina [...] (Cândido, 2021, s/p.).

Dulce Critelli reflete que o ser humano existe e sabe que existe (Critelli, 2016), consciente de que — num momento específico da vida — morrerá (Mendes; Nascimento, Peretti, 2021). No tear do existir, a morte em si revela-se absurda e misteriosa! Trata-se de uma experiência pela qual só se passa uma vez, refugiando-se nela. Não existe um relato que possa dizer como o ser humano pode lidar com ela, o que sentirá — em primeira pessoa — no momento do último suspiro de vida (Camus, 2004).

No dizer de Osmair Cândido — coveiro filósofo do cemitério da Penha, na Zona Leste da capital de São Paulo (Brasil) — ninguém se habitua à morte:

[...] A morte é seca, quase impenetrável. E a gente não conversa sobre ela. O pior é que minha atividade basicamente não pode ser prazerosa. Nunca pode dar origem à alegria. Ela dói e dói muito. Eu já chorei muito nessa pandemia, acho que eu sou um dos coveiros mais chorões. A gente tem que se segurar no trabalho, mas às vezes não dá. Esses dias eu lembrei do primeiro serviço que eu fiz de coveiro, foi um bebê. Peguei ele da mão da mãe e ela tremia tanto. Pediu para eu dar de volta. O cara que estava me ensinando na época falou para eu não fazer isso. Ele disse: “Depois que você pega um caixão, você só pode soltar ele na cova.” Achei muito desumano, mas é nosso trabalho (Cândido, 2021, s/p.).

Na analítica do Dasein desenvolvida pelo filósofo contemporâneo alemão Martin Heidegger em Ser e Tempo (Sein und Zeit, 1927), a morte — a última das possibilidades do Dasein — não é um mero fato, mas um fenômeno constitutivo da existência humana, a ser compreendido a partir de uma ontologia fundamental. Dasein é ser-para-a-morte. Na perspectiva heideggeriana, a morte é o ponto final do Dasein (Heidegger, 2009).

O “finado” que, em oposição ao morto, foi retirado do meio dos que “ficaram para trás” é objeto de “ocupação” nos funerais, no enterro, nas cerimônias e cultos dos mortos. E isso porque, em seu modo de ser, ele é “ainda mais” do que um instrumento simplesmente dado no mundo circundante e passível de ocupação. Junto com ele, na homenagem do culto, os que ficaram para trás são e estão com ele, no modo de uma preocupação reverencial. Assim, a relação ontológica com o morto também não deve ser apreendida como uma ocupação do que está à mão (Heidegger, 2009, p. 255-256).5

Nesse ser-com o morto, o finado mesmo não ex-siste de fato. No caso concreto, ser-com indica estar uns com os outros no mundo. No momento da morte, o finado deixa nosso mundo, deixando-o para trás. Todavia, é a partir do mundo que os que ficam ainda podem ser e estar com o finado (Heidegger, 2009). Edith Stein diz que Heidegger não aprofunda a questão do que seja a morte, ocupando-se detidamente da questão de como é experimentável:

[...] Heidegger afirma que não é experimentável como morte o morrer dos outros, mas só como “existencial”, como pertencente ao próprio Dasein. (Dado que também o morrer é designado como “final do Dasein”, não parece que se possa distinguir nitidamente entre morte e “morrer”). Indaguemos especificamente com essas questões: 1) Há uma experiência da própria morte? (Heidegger diz: sim!). 2) Há uma experiência da morte dos outros? (Heidegger diz: não!). 3 Que relação guarda entre si? (Stein, 2019, p. 605).

Na interpretação de Heidegger, morrer — o ser-para-a-morte ou o adiantar-se para a morte — é o modo de ser em que o Dasein é para a morte. Não se trata do perder a vida como passagem da vida para a morte, mas de algo pertencente ao Dasein como tal, que contribui a estruturá-lo durante toda sua duração. Edith Stein indaga, então: “[...] não damos aqui com uma nova ambiguidade: morte e morrer, por um lado, como final paro o que se encaminha o Dasein, e, ao mesmo tempo, como esse próprio encaminhar-se? [...]” (Stein, 2019, p. 605). Na analítica do Dasein de Ser e Tempo: [1] a morte é sempre algo pendente, que ainda não se deu; [2] o próprio Dasein é um constante morrer (Stein, 2019).

Nas reflexões de Edith Stein, o ser atual-e-potencial é um ser temporal; um movimento da existência: “[...] um irradiar de atualidade contínua e perpétua [...]” (Stein, 2019, p. 91). O ente — que é temporal — não possui seu ser, mas lhe é dado. Neste sentido, apresenta-se a possibilidade de um princípio e de um fim, que se descortinam no tempo. Deste modo, fica definido um dos significados de finito:

[...] o que o ser não possui, mas tem necessidade do tempo para chegar a ser, portanto, seria o finito. Se fosse realmente conservado sem fim no ser, não seria ainda infinito no autêntico sentido da palavra. É verdadeiramente infinito o que não pode acabar, sendo que não recebeu o ser como dom, mas está em posse do ser, é dono do ser, e em verdade é o próprio ser. Chamamo-lo de ser eterno. Não tem necessidade do tempo, mas é também o dono do tempo. O ser temporal é finito. O ser eterno é infinito. Mas o finito significa mais que a temporalidade, e a eternidade significa mais que a impossibilidade de um fim no tempo. O que é finito tem a necessidade do tempo para chegar a ser o que é. É algo objetivamente limitado: aquilo que foi colocado no ser vem a ser algo colocado no ser: como algo que não é nada, mas que tampouco é tudo. E aqui está o outro sentido de finito: ser algo e não ser tudo. De acordo com esse sentido, a eternidade enquanto pela posse do ser significa não ser nada, isto é, ser tudo (Stein, 2019, p. 91).

Para reflexão da historiobiografia de Osmair Cândido, elegemos o método historiobiográfico, cunhado por Dulce Mara Critelli: “[...] uma abordagem terapêutico-educativa que tem por intenção a redescoberta do sentido da vida através da compreensão da história pessoal [...]” (Critelli, 2016, p. 12).

Dulce Critelli esclarece, textualmente, que as raízes da historiobiografia “[...] se fincam na filosofia, mais especificamente na fenomenologia existencial e no pensamento de Hannah Arendt, com recurso a Heidegger” (Critelli, 2016, p. 12) ― e, no caso concreto, a Edith Stein. Edith Stein orienta que na medida em que a vida pessoal ― revelada por meio de manifestações expressivas ― pode reclamar para si o direito de ser denominada histórica designar-se-á como material de fonte as correspondentes manifestações expressivas (Stein, 2005a).

Na concepção de Dulce Critelli, somos incapazes de existir se não obtivermos resposta para três fundamentais questões fenomenológico-existenciais: “[...] quem sou eu? Qual o sentido da vida? Que sentido eu faço nela? [...]” (Critelli, 2016, p. 11).

Nós nascemos lançados em meio a uma trama de relações já instituída, da qual começamos a participar como seus tecelões. Nós vivemos uma história no meio de outra História, entrelaçadas. Esta História — na sua essência — é o que é em razão das histórias particulares. No tear da vida, entender uma pessoa humana reclama para si abrir a teia de relações da qual ela vem participando desde a sua concepção, desabrochada no nascimento como um caminho — “[...] o que se deixa alcançar [...]” (Heidegger, 2003, p. 205):

Sou bisneto de Adão, neto de Silvestre, filho da Dirce, irmão do Odair. Essa é a minha gente. Adão foi escravo, eu vi a marca que os bons cristãos e a generosidade brasileira deixaram nele. Nasci no Méier, Zona Norte do Rio de Janeiro, e vim com meus pais a São Paulo quando ainda era bebê [...] (Cândido, 2021, s/p.).

Para Edith Stein, o ser humano é um ser corporal vivo-anímico-espiritual. Por sua própria essência, enquanto o ser humano é espírito (Geist), sai de si mesmo com sua vida espiritual e entra num mundo que se abre a ele, sem perder nada de si mesmo (Stein, 2007).

Projetando-se, existencialmente:

[...] “Exala” não só sua essência — como todo produto real — de uma maneira espiritual, expressando-se ele mesmo de modo inconsciente: atua pessoal e espiritualmente. A alma humana enquanto espírito se eleva em sua vida espiritual acima de si mesma. Porém, o espírito humano está condicionado pelo que lhe é superior e inferior: está imerso em um produto material que o anima e forma em vista de sua configuração de corpo vivo (Leib). A pessoa humana leva e abarca “seu” corpo vivente e “sua” alma, porém é ao mesmo tempo suportada e abarcada por eles. Sua vida espiritual se eleva de um fundo escuro, sobe como uma chama de círio brilhante, porém nutrida por um material que não brilha. E ela brilha sem ser absolutamente luz: o espírito humano é visível para si mesmo, porém não é de todo transparente; pode iluminar outra coisa sem atravessá-la inteiramente [...] (Stein, 2007, p. 959-960).6

Dulce Critelli orienta que a biografia de uma pessoa — singularmente considerada — só pode ser identificada à medida que se descobre a história que essa história conta:

[...] A única coisa que sempre me atraiu foi a filosofia. Não gostava de mais nada. Quando eu era bem menino, aos 9 anos, uma professora passou um texto em inglês para a gente ler, dizendo que era de um filósofo. Era um livro de Isaac Newton. Arrumei alguém para traduzir o texto e lembro que ele falava da queda de uma fruta. Eu fiquei com aquilo na cabeça e perguntei para a professora por que a fruta não flutuava. Resultado: fiquei de castigo na escola (Cândido, 2021, s/p.).

Por conseguinte, Osmair Cândido escreve:

[...] no colégio, estudei física e matemática, mas não entendia nada. Por isso, continuei fascinado: como Newton havia descoberto aquilo tudo? Era um gênio. Então comecei a pesquisar sobre Kepler e outros cientistas. Existia uma publicação da Editora Abril sobre grandes pensadores – e eu lia todos. Os livros diziam que eles eram filósofos, então eu pensei: “É disso que eu gosto!” Naquela idade, foi como se eu descobrisse o Universo. Eu passava noites estudando. Isso custou muito da minha vida. Me tornei uma pessoa isolada, sozinha, até hoje eu fico assim (Cândido, 2021, s/p.).

Nas veredas do mundo, “[...] a vida é acompanhada [...]” (Critelli, 2016, p. 98), por sócios, amigos, inimigos, parceiros e adversários. Hannah Arendt reflete que os seres humanos são seres condicionados, porque tudo aquilo com que eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência (Arendt, 2010).

Magistralmente, Osmair Cândido relata:

Comecei a trabalhar como coveiro ainda jovem, aos 20 anos. Comecei a ler Nietzsche, e, naquela época, tudo para mim era Nietzsche. Eu lia no cemitério mesmo, era o maior barato. É um lugar tranquilo e é de graça né? Eu vivia duro, então adorava o que era gratuito. Eu tinha planos de ir para a faculdade, mas naquele tempo [durante a ditadura civil-militar] era difícil. Era perigoso ler Hegel, Marx. Eu não sabia o que fazer com a filosofia. Para complementar a renda, comecei a trabalhar como faxineiro na Universidade Presbiteriana Mackenzie, aqui em São Paulo. Demorei muito para tentar voltar a estudar. Já beirando os 50, fiz a prova para uma bolsa de estudos no Mackenzie mesmo e consegui 75% de desconto no curso de filosofia. Mas estudar lá ainda era caro. Enquanto eu estava na faculdade, um coveiro que trabalhava comigo me ajudou a pagar a mensalidade e a rematrícula. Ele não sabia nem ler nem escrever, mas fazia questão de ajudar. Dizia que achava bonito ver as pessoas falarem bem, terminarem os estudos. Depois que eu me formei, ele continuou ajudando outras pessoas (Cândido, 2021, s/p.).

Pessoalmente, todo existir realiza uma história (Critelli, 2016), que traz como personagem principal um eu consciente e livre (Stein, 2019). Partindo do método historiobiográfico, quando identificamos a história que um eu consciente e livre realizou na sua existência e, então, podemos narrá-la, chegamos a uma biografia:

Trabalhando como coveiro, eu consigo conhecer a alma humana e tenho tempo para escrever. Se fosse professor mesmo, ia ganhar bem menos do que ganho como coveiro, o que já é uma mixaria. Hoje eu dou aula de ética na Associação Nacional de Necrópsia (Cândido, 2021, s/p.).

No escrito Homens em tempos sóbrios, Hannah Arendt, referindo-se a Rosa Luxemburgo, escreve que uma biografia definitiva — escrita ao estilo inglês — conta-se entre os gêneros mais admiráveis da historiografia (Arendt, 1987).

[...] Extensa, meticulosamente documentada, densamente anotada e generosamente entremeada de citações, geralmente aparece em dois grandes volumes e conta mais, e mais vividamente sobre o período histórico em questão do que todos os livros de história mais importantes. Pois, ao contrário de outras biografias, a história não é aí tratada como o inevitável pano de fundo do tempo de vida de uma pessoa famosa; é antes como se a luz incolor do tempo histórico fosse atravessada e refratada pelo prisma de um grande caráter, de modo que no espectro resultante se obtém uma unidade completa da vida e do mundo. Talvez por isso tenha se tornado o gênero clássico para as vidas de grandes estadistas, mas permaneceu impróprio para aqueles cujo principal interesse reside na história de vida, ou para as vidas de artistas, escritores e de modo geral, homens ou mulheres cujo gênio os obrigou a manter o mundo a uma certa distância, e cuja significação reside principalmente em suas obras, artefatos que acrescentaram ao mundo, e não no papel que nele desempenharam (Arendt, 1987, p. 37).

No tear do existir, todo seguir a diante de nossa existência — delineado na labuta cotidiana — almeja tornar reais as possibilidades que para nós se abriram, outrora, nas respostas dadas às três questões supracitadas. Projetam-se, desse modo, os seres humanos — existencialmente — sobre destinos que lhe parecem garantir sentido à vida e a si próprios:

[...] continuo sendo coveiro porque aqui já aprendi muito sobre o ser humano. Quando você está na parte de cima da pirâmide social, todas as coisas que você olha são iguais. É como quando você está no avião e todos os pontinhos lá embaixo parecem a mesma coisa. Mas de onde eu estou, aqui embaixo, consigo enxergar o detalhe. Como coveiro, vejo a dor e a morte em tamanho natural. E foi durante a pandemia que eu vi as coisas mais sombrias da minha carreira, em mais de trinta anos que faço isso (Cândido, 2021, s/p.).

Na Odisseia, Homero — o poeta soberano Dante Alighieri na A Divina Comédia, (Inferno, Canto IV, 88) — narra que num banquete na corte do rei dos feácios Ulisses ouviu a sua história contada por um bardo que o homenageou e verteu lágrimas. No dizer de Dulce Critelli, Ulisses quando ouviu sua história narrada pode compreender-se: “[...] ele, então, faz sentido para si mesmo e percebe o sentido que faz na vida. Suas lágrimas indicam que, desse modo, ele teria se reconciliado com a realidade” (Critelli, 2016, p. 69).

Neste sentido, Osmair Cândido diz:

[...] Para você ver só, a gente saiu até no Washington Post. Teve também um coveiro jovem que desmaiou de cansaço, tinha uns vinte e poucos anos. Foi um pesadelo e ainda é. Por causa do risco, a gente só coloca as pessoas dentro da cova, não tem enterro propriamente dito. É mais um descarte. Perto da cova fica só a gente enterrando e, do outro lado, fica a família desesperada, pedindo para a gente não levar aquele parente. O que mais me marcou foi quando eu tive que pegar o caixão da mão de uma mãe. Ela não queria largar, queria que eu abrisse para ter certeza de que era o filho dela mesmo, mas eu não podia. Ela falou assim para mim: “Moço, não faz isso. Aí dentro tá meu sonho, minha vida”, e começou a gritar. Era um rapaz de no máximo 20 anos e tinha morrido de Covid. Ali deu vontade de largar tudo e ir embora pra casa. Foi um dos piores dias da minha vida (Cândido, 2021, s/p.).

No cemitério da Penha, Osmair Cândido ― na condição de filósofo e coveiro ― ex-iste, embrulhando o seu que-fazer na ética universalista de Immanuel Kant. Na ética kantiana, o cumprimento do dever liberta o ser humano (Lichotti, 2021). Por mais duro que muitas vezes lhe pareça, Osmair Cândido cumpre seu dever, empaticamente: “Sou um sepultador, tenho de sepultar” (Cândido, 2021, s/p.). Existir, enquanto não pudermos entender o sentido que fazemos na vida, é um embate com a realidade, incessante e obscuro. Nas nossas andanças pelas veredas do mundo, somente quando nossa existência puder ser articulada numa história e tivermos testemunhas ― pessoas que viram, ouviram, experimentaram e/ou memorizaram algo importante e pode fornecer informações e detalhes a respeito do ocorrido (Bingemer, 2017) ― para ela, o sentido que fazemos na vida descortinar-se-á (Critelli, 2016). Por fim, “[...] e o que era para ser. O que é para ser — são as palavras [...]” (Rosa, 2015, p. 51).

Considerações Finais

Uma vez, da janela, vi um homem

que estava prestes a morrer,

comendo banana amassada.

A linha do seu queixo era já de fronteiras,

mas ele não sabia, ou sabia?

Como posso saber?

Comia, achando gostoso,

me oferecendo corriqueiro, todavia

inopinado perguntou:

— ou perguntou comum como das outras vezes?

Como será a ressurreição da carne?

É como nós já sabemos, eu lhe disse,

tudo como é aqui, mas sem as ruindades.

Que mistério profundo! ele falou

e falou mais, graças a Deus,

pousando o prato (Prado, 2003, p. 123).


No escrito Ser finito e ser eterno, Edith Stein — debruçando-se sobre pessoa e espírito — reflete que a busca pelo sentido do ser a reconduziu ao primeiro ser: “[...] ao ‘ser em pessoa’, e também em três pessoas [...]” (Stein, 2019, p. 384). Partindo do primeiro ser, esclarece o que é necessário entender por ser pessoa — intimamente relacionada com o primeiro ser —, com os olhos fixos na essência do espírito:

[...] Concebeu-se o ser divino como espiritual. E se consideramos a pessoa como suporte de uma natureza dotada de razão, assim sua natureza espiritual aparece, então, expressa também, pois “espírito” e “razão” parecem convir um ao outro, inseparavelmente. Pois bem, o que significa “espírito”? [...] Designamos o espiritual como o não espacial e o não material; como o que possui um “interior” em um sentido completamente não espacial e permanente “em si”, enquanto sai de si mesmo. Esse “sair de si” lhe é de novo essencialmente próprio: não como se não tivesse um “em si”, mas porque entrega inteiramente seu ele mesmo, sem perdê-lo, e, nessa entrega, se manifesta interiormente — em contraposição com a solidão anímica [...] (Stein, 2019, p. 384).

Neste excerto, ressaltamos que na entrega de si total das três pessoas divinas — na qual uma se priva inteiramente de sua essência, conservando-a perfeitamente — cada uma está inteiramente em si mesma e inteiramente nas outras: “[...] o espírito em sua realização mais pura e perfeita [...]” (Stein, 2019, p. 382). Por parte das criaturas, toda espiritualidade — capacitação do espírito — significa uma elevação a esse reino, ainda que em sentidos diferentes, delineados de diversos modos (Stein, 2019). Na vida que morre, escutemos, pois, o som da vida. Poeticamente, Carlos Drummond de Andrade expressa:

Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim (Drummond, 2015, p. 21).


Frente à vida-morte, Osmair Cândido impõe a si mesmo o seguinte imperativo categórico: “[...] sou sepultador, eu tenho de sepultar [...]” (Cândido, 2021, s/p.). No nosso caso, em que consiste o que-fazer de cada um/a de nós, singularmente considerados/as? Nas rodas de samba, Noel Rosa compôs Fita amarela (1932) a partir de uma batucada atribuída a Mano Edgar (Edgar Marcelino dos Passos), que talvez nos provoque o riso:

Quero que o sol, não invada o meu caixão

Para a minha pobre alma não morrer de insolação

Quando eu morrer, não quero choro nem vela

Quero uma fita amarela gravada com o nome dela

Se existe alma, se há outra encarnação

Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão

Não quero flores nem coroa com espinho

Eu quero choro de flauta, violão e cavaquinho

Quando eu morrer, não quero choro nem vela

Quero uma fita amarela gravada com o nome dela

Estou contente, consolado por saber

Que as morenas tão formosas a terra um dia há de comer

Não tenho herdeiros, não possuo um só vintém

Eu vivi devendo a todos mas não paguei ninguém

Quando eu morrer, não quero choro nem vela

Quero uma fita amarela gravada com o nome dela

Meus inimigos que hoje falam mal de mim

Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim (Rosa, 1932, s/p).


Nas notas da vida, o dia da morte vale a pena ser celebrado, liturgicamente! Trata-se de um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida — uma cosmovisão trazida pelos antepassados. Muitos povos antigos instituíram a mumificação como estratégia de preservação do corpo, guardando no seu interior o coração para um eventual retorno à vida. Nos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara — Estado do Piauí (Brasil) — escavou-se urnas funerárias de barro, nas quais as pessoas eram sepultadas na terra em posição fetal. Na sociedade contemporânea, instituiu-se a necromaquiagem, para atenuar o desconforto da visualização da morte nos funerais. Instituiu-se também a cremação, que nos pode aliviar o desconforto da decomposição do cadáver. Na morte, identificamos a perda de um vínculo irreversível, que nos remete à angústia das mais significativas perdas.

No caso concreto da pandemia de coronavírus (COVID-19), revela-se trágica a possibilidade de uma morte em total isolamento (sanitário). Nos óbitos, exclui-se as vivências de ressignificação do luto — os rituais fúnebres. No momento do último suspiro de quem esteve presente no mundo conosco, cada um de nós — se presentes — tem uma experiência singular de ser-com, de velar a pessoa moribunda, de segurá-la na mão e dizê-la: mãe, pai etc.! Nos casos de ausência, invade-nos a culpa e a angústia, determinantes do nosso ser-no-mundo.

No conto Baleia, Graciliano Ramos narra:

Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.

Baleia encostava a cabecinha fadigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

Baleia queria dormir. Acordar feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolaria com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes (Ramos, 2004, p. 91).

No excerto, o bicho — a cadela Baleia — morre desejando acordar num mundo cheio de preás. “[...] Exatamente o que todos nós desejamos. [...] No fundo, todos somos como a minha cachorra Baleia e esperamos preás [...]” (Ramos, 2004, p. 129). Para quem vive uma experiência cristã de Deus, cultivar a esperança na ressurreição num mundo com tantas mortes descortina-se como um desafio de fé. No sentido teológico, é um ato de fé — e não apenas uma série de comportamentos éticos, fortalecidos por nacionalismos religiosos, inclusive católicos. No seio da sociedade contemporânea — terrivelmente invadida por chefes da massa (Mendes, 2020b) — subtrai-se do nosso viver o sentido último da existência, que reclama para si uma comunidade de pessoas vivas, singularmente consideradas.

No viver-morrer da pessoa cristã, a ressurreição ultrapassa a superação da morte: é a plenificação do ser humano. Nós — seres humanos — somos um projeto infinito. Nada do que encontramos neste mundo adequa-se ao nosso impulso infinito. No existir humano, a ressurreição comparece como aquele momento em que a nossa ânsia de infinito se realiza. “A paz esteja convosco!” (Jo 20, 19), disse o Cristo ressuscitado a seus discípulos, quando apareceu no meio deles, atrás de portas que eles haviam fechado com medo. É inegável que a alegria da ressureição, da nova carne para a humanidade, não tenha brotado do anúncio da descoberta da vacina contra a COVID-19. A vacina nos antecipou um retorno à vida como nós a conhecíamos, a comunhão com o outros de variadas formas. Se o coronavírus quebrou o ritmo de nossos relógios sociais, interrompendo a mais humanas das atividades: marcar o tempo com rituais e celebrações, a vacina apressou a alegria do amanhecer da ressurreição. Cristo ressuscitado voltou para seus amigos e sua mãe em sua carne, porém transfigurado. É claro que Tomé ao querer tocar Jesus quisesse sentir seu caminho para a ressurreição. Eis, pois, o nosso refrão quando formos finalmente levantados da cova, eu toco, logo existo!

No capítulo 37, Ezequiel narra que a mão de Iahweh veio sobre ele e o conduziu para fora pelo espírito de Iahweh, pousando-o no meio de um vale cheio de ossos secos. Indagou-lhe Iahweh: “Filho do homem, porventura tornarão a viver estes ossos?” (Ez 37, 3). Ezequiel respondeu-lhe: “Senhor Iahweh, tu o sabes [...]” (Ez 37, 3). Iahweh disse-lhe:

[...] Profetiza a respeito desses ossos e dize-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra de Iahweh. Assim fala o Senhor Iahweh a estes ossos: Eis que vou fazer com que sejais penetrados pelo espírito e vivereis. Cobrir-vos-ei de tendões, farei com que sejais cobertos de carne e vos revestirei de pele. Porei em vós o meu espírito e vivereis. Então sabereis que eu sou Iahweh (Ez 37, 4-7).

De acordo com a narrativa bíblica, Ezequiel profetizou com a ordem de Iahweh. No momento da profecia, houve um ruído, seguido de um tremor; e os ossos se aproximaram uns dos outros, cobertos de tendões e carne, revestidos de pele por cima. Porém, não havia espírito naqueles ossos. Iahweh disse-lhe: “[...] Profetiza o espírito, profetiza, filho do homem, e dize-lhe: Assim diz o Senhor Iahweh: Espírito, vem dos quatro ventos e sobra sobre estes mortos para que vivam” (Ez 37, 9). Ezequiel profetizou, conforme a ordem recebida de Iahweh; e o espírito penetrou-os e eles viveram, “[...] firmando-os sobre os seus pés como um imenso exército” (Ez 37, 10). Iahweh disse-lhe, então:

[...] Filho do homem, estes ossos representam toda casa de Israel, que está a dizer: Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita. Para nós está tudo acabado. Pois bem, profetiza e dize-lhe: Assim diz o Senhor Iahweh: Eis que abrirei os vossos túmulos e vos farei subir dos vossos túmulos, ó meu povo, e vos reconduzirei para a terra de Israel. Então sabereis que eu sou Iahweh, quando abrir vossos túmulos e vos fizer subir de dentro deles, ó meu povo. Porei o meu espírito dentro de vó e vivereis: eu vos reporei em vossa terra e sabereis que eu, Iahweh, falei e hei de fazer, oráculo de Iahweh (Ez 37, 11-14).

Por fim, invoquemos a Iahweh: “[...] Envias teu sopro e eles são criados, e assim renovas a face da terra” (Sl 104/103, 30). Na ciência da cruzteologia da cruz ou ciência dos santos (Stein, 2004) — de Edith Stein, a teologia começa no ouvido. Nas pilhas de cadáveres da pandemia de coronavírus (COVID-19), escutemos o clamor de Iahweh, que sofre! Ezequiel ouviu Iahweh, que nos últimos dolorosos dias da humanidade acena para nós no rosto das vítimas da COVID-19, com “[...] as mãos e o lado [...]” (Jo 20, 20). Por meio do ato sui generis da empatia (Stein, 2005b), um eu descobre um tu, que o conduz a Iahweh: “a paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21).

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1 Pesquisa em desenvolvimento no Grupo de Pesquisa Teologia, Gênero e Educação — TGEduc do Programa de Pós-Graduação em Teologia — PPGT da Escola de Educação e Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Paraná — PUCPR em parceria com o Instituto Edith Theresa Hedwing Stein — ISTEIN.

2 Doutora em Teologia pelas Faculdades EST. Professora do Programa de Pós-Graduação em Teologia — PPGT da Pontifícia Universidade Católica do Paraná — PUCPR. CV: http://lattes.cnpq.br/9379858395652461. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2062-0883. E-mail: clelia.peretti@pucpr.br

3 Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PUC-Rio. Doutorando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais — PUC Minas. Reitor do Instituto Edith Theresa Hedwing Stein — ISTEIN. CV: http://lattes.cnpq.br/6102492484900096. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0245-4167. E-mail: ies.istein@gmail.com

4 Doutor em História da Igreja pela Pontificia Università Gregoriana — PUG. Professor da Faculdad de Teología da Pontificia Universidad Católica de Chile — PUC Chile. CV: http://lattes.cnpq.br/2238795542793736. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7622-8891. E-mail: edilmar.cardoso@uc.cl

5 El “difunto” que, a diferencia del “muerto”, le ha sido arrebatado a sus “deudos”, es objeto de una [particular] “ocupación” en la forma de las honras fúnebres, de las exequias, del culto a las tumbas. Y esto ocorre porque el difunto, em su modo de ser, es “algo más” que un mero útil a la mano, objeto de posible ocupación en el mundo circundante. Al acompañarlo en el duelo recordatorio, los deudos están com él en un modo de la solicitud reverenciante. Por eso, la relación de ser para con los muertos tampoco debe concebirse como un estar ocupado con entes a la mano (Heidegger, 2009, p. 255-256). (Tradução livre).

6 [...] “Exhalano sólo su esencia — como toda hechura real — de una manera espiritual expresándose él mismo de modo inconsciente: además actúa personal y espiritualmente. El alma humana en cuanto espiritú se eleva en su vida espiritual por encima de sí misma. Pero El espíritu humano está condicionado por lo que le es superior e inferior: está inmerso en un producto material que él anima y forma en vista de su configuración de cuerpo vivo. La persona humana lleva y abarca “su” cuerpo vivo y “su” alma, pero es al mismo tiempo soportada y abarcada por ellos. Su vida espiritual se eleva de un fondo oscuro, sube como una llama de cirio brillante pero nutrida por un material que él mismo no brilla. Y brilla ella sin ser absolutamente luz: el espíritu humano es visible para si mismo, pero no es del todo transparente; puede iluminar otra cosa sin atravesarla enteramente [...] (Stein, 2007, p. 959-960). (Tradução livre).

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