Temas de nuestra américa

Enero-junio, 2018. Vol. 34, N.° 63

ISSN 0259-2339

Páginas de la 13 a la 23 del documento impreso

Doi: https://doi.org/10.15359/tdna.34-63.5


rosadelosvientos

Para uma cultura de paz. Uma contribuição ao debate


Jaime Delgado Rojas

Professor Programa de Maestrando

Dereito Comunitário e Dereitos Humanos

Universidade de Costa Rica

Costa Rica

Recebido: 2/10/2017 Aceito: 15/1/2018

Resumo

Neste ensaio, a Cantata de Santa María de Iquique serve de marco para a reflexão sobre a paz e a alteridade. Argumenta que o direito à paz é parte integrante da ética legal e política que envolve os "outros" para os quais implica, não simplesmente tolerância, mas respeito às diferenças e convivência. O leque de relações com o outro é um enxame de possibilidades éticas, estimulantes e provocadoras, que nos coloca ao nível da cultura da paz e no compromisso de promover uma educação para a paz e uma democracia substancial. 

Palavras chave: Cultura de paz, educação para a paz, América Latina, Direitos Humanos, pensamento político latino-americano, alteridade

Resumen

En este ensayo, la Cantata de Santa María de Iquique sirve como marco a la reflexión sobre la paz y la alteridad. Plantea que el derecho a la paz es parte integrante de la ética jurídica y política que implica a los “otros” hacia quienes supone, no simplemente tolerancia, sino respeto a las diferencias y convivialidad. El abanico de relaciones con el otro se constituye en enjambre de posibilidades éticas, estimulante y provocador, que nos ubica en el plano de la cultura de paz y en el compromiso de impulsar una educación para la paz y una democracia sustancial.

Palabras clave: Cultura de paz, educación para la paz, América Latina, Derechos Humanos, pensamiento político latinoamericano, alteridad.

Abstract

In this essay, the Catanta de Santa María de Iquique serves as a framework for reflection on peace and otherness. It argues that the right to peace is an integral part of the legal and political ethic that involves the "others" towards whom it implies not simply tolerance but respect for differences and conviviality. The range of relationships with the other is a swarm of ethical possibilities, stimulating and provocative, which places us on the level of the culture of peace and commitment to promote an education for peace and a strengthened democracy.

Keywords: Culture of peace, education for peace, Latin America, Human Rights, Latin American political thought, otherness


A poesia move corações. Começo com uma canção de protesto contra a injustiça e termino com outra de otimismo.

Os senhores de Iquique tinham medo;
Era pedir muito pedir ver tantos operários.
O “pampiano” não era homem cabal,
poderia ser um ladrão ou assassinar.
Enquanto isso as casas eram fechadas,
Olhavam somente através das janelas.
O Comércio fechou também suas portas,
Havia que se cuidar de tanto monstro.
Melhor unir a todos em algum lugar,
Se andavam pelas ruas, era um perigo.

Santa Maria de Iquique
Cantata popular de Luis Advis
lançado pela Quilapayún, Chile, 1971.

A teoria

Uma linguagem dicotômica não ajuda muito para expressar a realidade local ou global, social ou econômica, política ou cultural, tanto do socialismo com seus adjetivos ou do capitalismo, a globalização e as questões mundiais. Esta realidade variada e heterogênea nos obriga a utilizar discursos mais abrangentes.

Fomos constituídos como indivíduos, seres espirituais, com intercâmbio de informação través do diálogo: essa engrenagem diversificada de comunicações que constitui o que nós somos, o eu com outros. Em uma epistemologia dicotômica, o outro como pampiano, ou o odiamos, ou o amamos. Não é possível quebrar esta dicotomia com a "tolerância". Mais bem, a atitude de tolerar significa suportar o que se faz, diz ou se pensa sobre o outro; é uma linguagem que esconde a arrogância do eu, do ego emissor do discurso, com sua atitude autoritária: tolero, mesmo que o que faz, diga o pense do outro não seja o que eu faço, digo ou penso. A arrogância é vertical e excludente; anula o diálogo, que é horizontal e multitemático.

Quando usamos a linguagem inclusiva e visibilizamos o outro, nosso discurso se torna horizontal, comunicativo e sugestivo. Em primeiro lugar, entre os comportamentos extremos de rejeição ou de identificação, há outras práticas possíveis: ódio, no extremo negativo, leva consigo medos e promove a morte, como acontece no norte do continente, em colégios, bares e discotecas. A paz não surge de nenhuma fobia, nem da rejeição, indiferença, invisibilidade e como mencionado antes, nem da tolerância.

Como fala o poeta costarriquenho Jorge Debravo ( Nosotros los hombres [Nós, os homens], 1966).

Estamos sem amor, meu irmão, e isso é como estar cego no meio da terra.

Pelo contrário, nas possíveis práticas positivas para o outro, há o "respeito", "admiração", identificação e amor.

Fiz uma ampliação de um esquema usado pelo Dr. Virgilio Zapatero, ex-reitor da Universidade de Alcalá de Henares, no momento que dá um lugar positivo a tolerância (Zapatero, 2011). Para ele, tolerar o outro é aceitá-lo em suas práticas e costumes, considerando-as válidas: refere-se de forma particular ao imigrante. O cristianismo clássico, ao contrário, é muito mais radical, ensina o amor ao próximo como força espiritual que sai de mim, como um ato de aceitação, desapego (caridade) e entrega. O ego arrogante dá lugar ao indivíduo existente, quanto estabelece um diálogo, enquanto faz reconhecimento do outro.

Boaventura de Sousa Santos faz uma abordagem progressiva as relações societárias. Ele fala de sociabilidade e identifica quatro classes: a violência, expressão e resultado de esquemas socioculturais irreconciliáveis que, ao nosso compreender, é legitimada para suprimir, marginalizar ou destruir o outro. Na mudança para o lado positivo, está a coexistência que, da mesma forma que a tolerância, não é mais que aceitar um outro diferente e estranho.

Virá a fase da reconciliação, uma sociabilidade que olha ao passado, orientada a curar as feridas do confronto sem pagar seus desequilíbrios conceituais e legais. Não garante a erradicação da discriminação, por isso deve dar lugar ao convívio, uma etapa para ver e construir o futuro, resolver o passado, o que não significa escondê-lo, e compreender ao outro a partir de sua integridade (de Sousa Santos, 2010: 106 ss.). A progressividade destas sociabilidades com o processo de construção da paz paz é possível, desde situações negativas a outras situações promissoras; umas com o olhar ao passado e o outro olhando o futuro.

Diversidade

A diversidade do outro é uma verdade de Perogrullo. É uma realidade universal, embora o Dr. Zapatero refere-se a imigrantes em Espanha. Na sociedade costarriquenha é o nicaraguense, mas há cubanos, colombianos, haitianos e africanos. Também os indígenas não são estrangeiros, como os Ngöbes (ou Guaymíes) são panamenhos e costarriquenhos, mesmo quando a fronteira colocou-os no meio do seu território, como no Caribe centro-americano com os povos Garifunas, Miskitos, afro-caribenhos, etc.

O assassinato da ativista Berta Cáceres, indígena ambientalista hondurenha, na defesa do território Lenca contra o capitalismo selvagem virou notícia.

Em Costa Rica o outro é o negro afrodescendente; excluído até a primeira metade do século XX, quando puderam transitar livremente do Caribe ao Vale central, mesmo que muitos de nós temos ancestrais negros vendidos durante a época da colônia. Este outro vem sido culturalmente resgatado.

O outro é o ateu e agnóstico para os que acreditam, e em Costa Rica ainda vivemos em um estado confessional, registrado no artigo 75 da Constituição, que exige o juramento diante de Deus para defender a Constituição ou confessar sua verdade.

Existe repúdio ao intelectual por temor ao pensamento livre, expressado nas críticas dos grandes jornais e da direita militante às universidades públicas e aqueles que se dedicam - professores ou estudantes - a algumas carreiras "perigosas". A novela 300 (EUNA, 2011) do autor e professor universitário guatemalteco-costarriquenho, Rafael Cuevas-Molina, retrata os desaparecidos durante uma das ditaduras guatemaltecas:

Ele foi sequestrado por quatro homens armados vestidos com roupas comuns, que viajavam em dois veículos, um dos carros era uma picape vermelha com vidros escuros. A vítima era um estudante de antropologia e professor assistente de sociologia. Às cinco da tarde, ele deixou o Instituto Nacional de Administração Pública, onde trabalhava, para dar aula na Universidade de San Carlos e enquanto caminhava ao longo da 5a avenida, entre a rua 13 e 14 na Zona 9, foi acurralado (Pg.49-50).

Para os defensores do status quo, o revolucionário é um inimigo, e a propaganda agudiza o medo, como com os Pampianos na Cantata, para que a inatividade política seja a defesa do status quo, sem avaliar que na utopia que move o comportamento desta esquerda reivindica a despossuídos que, na sua falta de ação, acabam defendendo o status quo.

No contexto de crise de legitimidade, é considerado como perigosa a pessoa que fala, reúne o participa. A invocação ao apoliticismo é o melhor instrumento de dominação dos poderosos: não ir a manifestação, não estar em greve, não votar. Neste aspecto, os meios de comunicação desempenham um papel fundamental. A existência do diálogo gera temores aos outros, porque o intercultural, interétnico, inter-religioso e interjudicial é o que permite a troca de saberes, sonhos, projetos, visões de mundo e, portanto, permite a conscientização.

O medo também constrói utopias regressivas e comportamentos de violação dos direitos das massas: o populismo das direitas é o que mobiliza as paixões, não só na Europa e nos Estados Unidos, e pode opacar. Também o medo a subversão gera violações dos direitos fundamentais; não deve ser esquecido por "anistias irrestritas, absolutas e incondicionais" como a que foi sancionada na Sala Constitucional Salvadorenha.

Há outros que iniciaram a conquista da democracia na rua, manifestando a favor da diversidade de gênero, com um conjunto de siglas e termos que se tornam estranhos em seus significados: LGTTBI, os queer da América do Norte, os muxes de Oaxaca. Perseguidos, escondidos e incompreendidos.

Em relação as mulheres, sua luta tornou-se "o investimento cultural mais importante"; de acordo Touraine; e cito:

O que está em questão (...) (é) a afirmação de que o ser humano universal não é incorporado em uma figura, a do Homem, (...) mas sim, a dualidade do homem e da mulher que dão forma, às vezes de maneira diferente, outras de maneira idêntica ao mesmo processo de combinação de um determinado ser e uma racionalidade geral, substancial ou instrumental.

E esse Homem, com maiúsculo, não é senão a expressão do autoritarismo cultural da sociedade patriarcal, esta pré-história da humanidade que persiste em muitas mentes? Continuo com Touraine:

Não é uma reivindicação particular, a ação de uma minoria, e feministas (...) tem razão em rejeitar com raiva a definição das mulheres como minoria. Desde que a crítica feita por mulheres tem um valor global: destruir a identificação da cultura ou da modernidade com um ator social particular (...), impedindo com isso a outros atores, em uma condição de inferioridade e dependência (2000, 40-41).

E eu pergunto: "a identificação da cultura ou da modernidade" nada mais é que a arrogância de um eu coletivo, o superego que mencionava Freud?

Eu não posso evitá-los: os sem-teto, os pobres e marginalizados da cidade, o "pampiano" urbano; aqueles que vivem na calçada, ao lado da empresa que joga eles no lixo, junto com suas caixas de papelão. Muitos são atacados pelos proprietários de negócios turísticos. Eu vi um documentário dizendo que nas cidades europeias estão colocando obstáculos metálicos para impedir que passem a noite nos bancos dos parques, como se fosse uma forma mais nobre de elimina-los da paisagem. Há cidades de Nossa América aonde os assassinam.

Outros, os desaparecidos pelas ditaduras junto com seus filhos, que na Argentina foram resgatados pouco a pouco pelas Avós da Plaza de Mayo. Um hino à vida destas lutadoras contra aqueles que esconderam e roubaram seu futuro e uma mensagem de esperança para aqueles que estão e ainda seguem sem saber quem são seus pais. Além disso, os esqueletos escondidos em covas na Guatemala "que falam com a voz baixa, nunca mentem e nunca esquecem" (Snow, citado por Jones, 2016).

"Trouxe mortes para assustar a todos os que jogam com mortes" (1966) escrevia Jorge Debravo. Enfim, a paz não pode ser construída enterrando o passado. Ainda menos com invisibilizações.

A dicotomia visibilizar e invisibilizar abre os nossos olhos. O trabalho da mulher é invisibilizado. No armário estão os gays e as lésbicas, que são obrigados pela sociedade patriarcal a se esconder da vergonha de suas famílias. Mas há também a auto ocultação, quando a pressão do ambiente obriga a usar uma máscara para esconder algo próprio. O escritor Sergio Ramirez, no seu romance A fugitiva (2011), fala da imigração nicaraguense na Costa Rica ...

Os imigrantes nicaraguenses (....) suscitam medos e apreensões como se em uma invasão organizada, se preparam para tomar o poder do país, enquanto que eles, cautelosos, correm depressa para apagar todos os vestígios de seu sotaque e seu jeito de ser cheio de confiança e às vezes agressivos, convencidos de que a melhor maneira de se proteger contra a hostilidade é disfarçar, aprendendo a falar e se comportar na sossegada forma costarriquenha o mais rápido possível, mesmo que esse disfarce não convence (2011, 20).

Há outros ocultamentos: o menos nobre (e qual é mais nobre?) é a informação dirigida pelos proprietários dos jornais e a ideologia oficial; antes a igreja, em qualquer de suas expressões. Hoje a empresa jornalística que se disfarça de defensora do princípio da liberdade de imprensa para exercer a rentável liberdade de expressão e comunicação (defendida pela SIP), que comunica com entusiasmo os prazeres da globalização do comércio, como se tudo, inclusive a privacidade, pudessem circular como mercadorias. É um outro mundo que nos integra com violência, enquanto nos pulveriza culturalmente, como observa Touraine. Porque a informação verdadeira é também um direito violado, não há paz na desinformação.

As redes de relações com o outro se constituem em um conjunto de possibilidades éticas estimulantes e provocadoras. Nos situa no projeto da cultura de paz e no compromisso de promover uma educação para a paz e uma democracia substancial.

Cultura de Paz

Educar para a paz é uma tarefa de todos os níveis, mas particularmente, conforme estabelecido pela Lei Colombiana 1732 de 2014, na educação básica formal. Respeito, admiração, revelação ou a visibilidade são expressões da cultura de paz. Cultura não é uma paixão pela aprendizagem, o intelectualismo, nem a admiração atônita do mundo europeu, como usado durante o período de construção dos nossos Estados-nação. Mas, como afirmado na Conferência Mundial sobre Políticas Culturais da UNESCO (México, 1982)

"é o conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou grupo social". Inclui as artes e a literatura, estilos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças. Está incorporada nos fundamentos da identidade cultural que representa e é, volto a citar, "um conjunto de valores únicos e insubstituíveis, já que as tradições e formas de expressão de cada povo são os seus meios mais eficazes de estar presente no mundo". (Citado por Delgado, 2011. 24).

A partir desta definição, a cultura da paz confronta a cultura da guerra e a clássica educação para a guerra, estampada no provérbio latino de Vegecio Renato: Si vis pacem para bellum ou qui desiderat pacem, praeparet bellum (quem deseja a paz, prepara a guerra). Quando organizou a Universidade para a Paz, em 1980, o recordado presidente da Costa Rica, Rodrigo Carazo implantou sua visão de que, se queremos a paz, devemos educar para a paz. O lema é: Si vis pacem para pacem.

A cultura da paz não tem nada a ver com a integração social ou assimilações funcionais. Muitas atrocidades foram cometidas com as tentativas funcionalistas para promover uma forçada homogeneização. Não foi possível com os conquistadores, quando impuseram o culto ao cristianismo; más bem provocou o genocídio. Também com a paz dos cemitérios promovidas pelos Estados de segurança nacional, agindo como pacificadores Leviatãs de estados de natureza hobbesianos, violentando os direitos fundamentais. Por isso, a cultura de paz não pode ser construída com anistias irrestritas, absolutas e incondicionais, como mencionado pela Sala Constitucional de El Salvador.

Embora a Constituição, o Direito Internacional Humanitário, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e da jurisprudência internacional sobre direitos humanos permitem a aprovação de anistias, incluindo a cessação das hostilidades militares após o fim de conflitos armados (...) isso não implica que o poder Legislativo esteja habilitado para promulgar anistias irrestritas, incondicionais e absolutas, ignorando as obrigações constitucionais e internacionais dos Estados sobre à proteção dos direitos fundamentais, em investigar, identificar os autores materiais e intelectuais e puni-los de acordo com sua legislação interna; Além disso, ignorando o dever de indemnizar plenamente as vítimas de crimes contra a humanidade e crimes de guerra, que constituem graves violações do Direito Humanitário Internacional (p. 2)

Vivemos em multiculturalismo, em uma multiplicidade de visões de mundo e de atores.

O lado oculto do multiculturalismo, diz Touraine, é o risco de isolamento de cada cultura em uma experiência particular incomunicável. Tal fragmentação cultural nos levaria a um mundo de seitas e da negação de qualquer norma social" (2000: 41).

Especialmente quando a "norma social" é a exigência de ocultar-se, como com os "pampianos" de Cantata, o sotaque no idioma dos nicaraguenses, ou os diversos gêneros.

Inclusão é aceitação respeitosa dos outros nas suas diferenças. Isto requer construir a cultura de paz que permite uma aproximação ao vizinho do bairro, do município ou do estado, no país e na região. Quantas desculpas inventamos aqui na Costa Rica para não aceitar ao nicaraguense, ao colombiano e ao cubano! e quantas justificativas são feitas para impedir a entrada para o norte, aos imigrantes desse e de outro continente! Enquanto o Norte (capitalismo selvagem) os atrai com seu canto de sereia. E quantas realidades nos aproximam como irmãos! Acredito que ainda não foi contabilizada a riqueza cultural e econômica que devemos aos imigrantes: os intelectuais do Sul que fugiram das ditaduras e se uniram a nossas universidades para auxiliar na formação profissional, na investigação e na formação de um sentido de identidade latino-americana; os médicos de Cuba em nossas clínicas e as pessoas trabalhadoras nicaraguenses no campo, na vigilância e na cozinha.

Integração e paz

Vou falar, de forma geral, sobre os processos de integração regional neste continente. Diante da agressão real ou possível ao redor, a convocação para a Assembleia Geral Americana, realizada no Panamá, em 1826, para discussão, aprovação e assinatura do "Tratado de União, Liga e Confederação Perpetua" (22/6 a 5/7 1826), foi um avanço na construção da paz, como autodeterminação. O acordo teve conotação defensivista e sentido westfaliano, diante da ameaça da Santa Aliança, com expressões muito fortes: a Doutrina Monroe de 1823 e o Império brasileiro dos Bragança, desde 1807, única experiência monárquica que fez sucesso no continente. A Santa Aliança reafirmou o estado westfaliano estabelecido dentro das fronteiras, até onde o exército chega, e a nação forjada pelos juristas, diplomatas e militares, de acordo com o primeiro estilo de construção dos Estados nacionais definidos por Habermas (1999: 81)

No século XX, a cultura da paz na América Latina terá um jogo duplo de amizade e confiança com os vizinhos do Sul, mas com posições ambíguas ou submissão ao poder do Norte. No pan-americanismo, desde o Congresso de Washington de 1891-93, essa tensão será evidente, de forma constante, cujo primeiro encontro foi analisado por José Martí em Nossa América (1982: 35 e ss)

Para os nossos propósitos, são importantes as definições feitas em 26 de dezembro de 1933, em Montevidéu, Uruguai, na Convenção sobre o Ensino de História. Recomendava, entre outros temas, a eliminação de paralelos agressivos entre personagens históricos nacionais e estrangeiros, e comentários e conceitos ofensivos e deprimentes para outros países.

De forma coerente, ensinou a não julgar "com ódio" ou falsidade "os fatos da história de guerras e batalhas cujo resultado foi negativo"; Pelo contrário, foi pedido que se destacasse o que pudesse contribuir construtivamente para a compreensão e cooperação dos países da América" (citado por Delgado, 2011. 40 ss.).

Desde a década de 50 do século passado e respeitando o legado Bolivariano do período emancipatório, foram criadas valiosas reuniões e instituições regionais, onde é fácil encontrar alusões a paz, construções de zonas de paz e as referências a uma cultura de paz, em instrumentos de tipo internacional ou regional. Foram construídas zonas de paz nas quais os países reafirmam "o seu compromisso em não utilizar a força para resolver conflitos que possam existir" entre eles e nos que as potências externas "se comprometem a não utilizar essa área para seus objetivos bélicos ou com armamento", mostrado pelo uruguaio Hector Gros Espiell (citado por Delgado Rojas, 2011. 91).

A integração da América Central, por exemplo, é redefinida no final do século XX, a partir das décadas de guerras inter-regionais, herdando a tradição unionista do século XIX. Há conteúdo da cultura da paz nos acordos de Esquipulas de 1986 e 1987, no Tratado de Tegucigalpa, de 1991, que criou o SICA e do Tratado Marco de Segurança Democrática de 1995; estes diferem muito da visão bélica que havia nas Cartas de San Salvador de 1951 e 1962, constitutivas da ODECA.

Enquanto isso, no resto do continente existem acordos que envolvem a dimensão territorial continental (Rio, 1947), outro na América Latina (Tlatelolco, 1969), um acordo que integra todo Caribe (1979), outro faz referência a zona costeira do Atlântico Sul (1986); existe no Mercosul (1998) e na Comunidade Andina (1989, 2002 e 2004); mas também está em toda a América do Sul (2002). Nestes instrumentos de direito internacional em América Latina, a paz é vista como um desejável resultado em um conflito existente ou potencial, em que participem pelo menos dois países.

Mas essa paz proveniente do exterior não pode ser construída sem uma cultura de paz dentro da Nação, como recomendado na Convenção de Montevidéu 1933. A questão é nacional e regional, especialmente agora que as fronteiras foram borradas por múltiplos processos sociais, culturais e de circunstâncias políticas.

Com a criação da União das Nações Sul-Americanas, esta ideia de uma zona continental de paz foi concretizada no acordo constitutivo da UNASUR, em 2008. São referências mais ampliadas ao conteúdo de uma cultura de paz:

(...) soberania respeitada sem restrições, integridade e inviolabilidade territoriais dos países; autodeterminação dos povos; solidariedade; cooperação; paz; democracia; participação cidadã e pluralismo; direitos humanos universais, indivisíveis e interdependentes; redução das brechas e harmonia com a natureza para um desenvolvimento sustentável.

Em 2012, em Lima:

A promoção de uma cultura de paz na região está baseada, entre outras, nos objetivos do Tratado Constitucional da UNASUR e nos princípios da Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz das Nações Unidas

Na Cúpula do CELAC realizada em Havana em 2014, os 34 líderes assinaram uma declaração definindo esta região como uma Zona de Paz e onde reafirmam os acordos e compromissos inter-regionais anteriores sobre o desarmamento nuclear, paz e cooperação, resolução pacífica de disputas, etc. Como conclusão regional, a promoção da cultura de paz está baseada nos princípios da Declaração sobre Cultura de Paz das Nações Unidas.

As referências na UNASUR e CELAC conduzem à resolução da ONU, onde diz que a cultura da paz:

(...) consiste em um conjunto de valores, atitudes e comportamentos que rejeitam a violência e prevê os conflitos, atacando suas causas para resolver os problemas através do diálogo e da negociação entre as pessoas, as nações, tendo em conta um ponto muito importante que são os direitos humanos, igualmente respeitados, e considerados nesses tratados. (Resolução 06 de outubro de 1999, 53 tempos de sessões, ONU, Acta 53/243 53/243)

"Paz, demostra Gros Espiell, é uma aspiração universal da cativante raiz humana (...) com base em uma ideia comum a todos os membros da espécie humana" (2005: 519) é um direito humano, embora não exista um instrumento legitimador no direito internacional. Como na Colômbia foi legislado em favor da cultura de paz em 2014, de acordo com o art. 22 da Constituição, na Costa Rica, no mesmo ano, foi aprovada uma lei que legitima o direito à paz, que corresponde ao seu artigo 12 da Constituição e da Declaração de Neutralidade de 1983.

A paz é um direito humano fundamental (...). O país deve incluir (...) em seus programas de educação, principalmente pré-escolar, ensino fundamental e ensino médio, conteúdos curriculares que promovam e fundamentem a cultura de paz (...). (2014/11/21)

Parágrafo muito semelhante à lei colombiana acima mencionada e assinada no mesmo ano da declaração de CELAC. O direito à paz é, portanto, parte integrante da ética jurídica e política; como a solidariedade, a justiça e a fraternidade que envolve o "outro": implica não apenas tolerância, mas respeito às diferenças e ao convívio. É um compromisso nacional, mas também regional.

Para que a luta

Não nos confrontar entre nós mesmos, mas contra o estado de coisas impostas pela globalização e que pretendem converter-nos em inimigos. É contra a exclusão causada pelo capitalismo selvagem que pulveriza a cultura e as identidades. A paz se relaciona com o esforço ético do encontro; com um diálogo horizontal e multi-temático, com os seus vários adjetivos, dependendo do lugar em que é realizada. É construída com a convivência, respeito e amor como ação isolada e incondicional. Como Kant havia expressado a mais de dois séculos atrás: "Age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio”.

Deste modo, o tratamento dado aos demais é assumi-los como eles são, com seus projetos de vida, esperanças, sonhos e utopias; mesmo que para nós pode ser errado, incompreensível e até mesmo ridículo, como observa Zapatero. Mas também, o que pode juntar-se ao nosso, no nosso projeto e no nosso futuro é a coexistência na utopia comum.

Não pode haver paz no tratamento discriminatório e isso significa não ser arrogante e sentir superioridade, autoritarismo e poder e, portanto, obrigar limitando-nos a nós mesmos; não manipular os "outros" ou transformá-los em meros instrumentos de nossos interesses: respeitar o próximo é, conforme Kant, não degradar ao outro para lograr meus propósitos. Respeito é um dever incondicional.

A tarefa é múltipla: família, localidade, políticas públicas no espaço de país como nação e a nível de região. Os outros, que estão aqui e chegaram por várias razões, têm demonstrado na própria pele, como seus sonhos de futuro se frustraram na intolerância ou na invisibilidade: para nós que nos sentimos maioria, estes outros são os do campo ou os de fora, ou aqueles que lutam contra a injustiça e o status quo, os que já não se escondem, nem no armário, nem em disfarçar sua forma de falar ou seus credos. Como menciona Kant, "uma violação de um direito, cometido em qualquer lugar, afeta a todos (...) a ideia de um direito de cidadania mundial não é uma fantasia legal, mas um complemento necessário ao código não escrito do direito político e das pessoas. Este seria um modo que aumenta à categoria de direito público da humanidade e favorece a paz perpétua (...) (Kant, A paz perpétua, 1795).

Concluo com nosso poeta Jorge Debravo

"Mas a paz, irmãos, colegas, aproxima-se
Vem sobre as montanhas nos ombros dos agricultores,
Vem sobre os trens nos ombros dos maquinistas

Vem sobre os mares nos ombros dos pescadores.
Grandes bandos de bestas querem semear guerra,
Mostram dentes de monstros em todos os terrenos,
Pintam caras feias nas janelas novas ...
No entanto, a paz, companheiros, se aproxima.
Eu a escuto chegar na noite
vem pelas montanhas, casas, fábricas, minas,
na terra semeada de frutas e flores. "

A paz. Em nós, os homens -
Jorge Debravo (1938-1967) Nosotros los hombres

Bibliografía

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